O globo, n. 30836, 09/01/2018. País, p. 4

 

Justiça suspende posse de Cristiane Brasil como ministra

Juliana Castro e Leticia Fernandes

09/01/2018

 

 

Governo já avisou que vai recorrer da decisão de juiz federal de Niterói

A um dia de assumir o Ministério do Trabalho, a posse da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) foi suspensa liminarmente por uma decisão da Justiça Federal em primeira instância. Na noite de ontem, o juiz Leonardo da Costa Couceiro, da 4ª Vara Federal de Niterói, atendeu a pedido de um grupo de advogados trabalhistas e impediu a nomeação e a posse da parlamentar. Pouco depois da divulgação da decisão, o governo informou que vai tentar derrubar a liminar no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).

A deputada federal foi processada na Justiça Trabalhista por dois ex-motoristas. Foi condenada a pagar R$ 60 mil em uma ação e fez acordo para pagar R$ 14 mil em outra. Os processos contra a parlamentar, transitados em julgado, foram citados na decisão do magistrado ao citar a gravidade dos fatos tendo em vista que ela foi nomeada para assumir o Ministério do Trabalho.

“No caso concreto, conceder a liminar sem ouvir os réus encontra-se justificado diante da gravidade dos fatos sob análise. Em exame ainda que perfunctório, este magistrado vislumbra flagrante desrespeito à Constituição Federal no que se refere à moralidade administrativa, em seu artigo 37, caput, quando se pretende nomear para um cargo de tamanha magnitude, Ministro do Trabalho, pessoa que já teria sido condenada em reclamações trabalhistas, condenações estas com trânsito em julgado”, escreveu o magistrado, que determina uma multa de R$ 500 mil para cada agente que descumprir a decisão.

“Defiro em caráter cautelar e liminar inaudita altera parte, provimento para suspender a eficácia do decreto que nomeou a Exma. Deputada Federal Cristiane Brasil Francisco ao cargo de Ministra de Estado do Trabalho, bem como sua posse”, decidiu o magistrado.

Advogados trabalhistas começaram a entrar ainda no domingo, durante o plantão judiciário, com ações nas comarcas de municípios em que atuam para impedir a posse de Cristiane Brasil. Eles fazem parte do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes (Mati). Entre eles, está Carlos Alberto Patrício de Souza, que defende um dos motoristas que processou Cristiane.

— O grupo entrou com várias ações porque representam autores que residem em comarcas diferentes — afirmou o advogado. — O argumento é com base no princípio da moralidade. Se ela infringe as leis trabalhistas, não pode ser ministra do Trabalho.

 

AGU PREPARA RECURSO

A Advocacia-Geral da União (AGU) será acionada para cuidar do caso e derrubar a liminar. Em nota, a AGU confirmou que já prepara um recurso contra a decisão.

— Não dá para uma ministra ficar esperando, a AGU tem que agir rápido — disse um assessor do Palácio do Planalto.

Cristiane chegou a ligar para o presidente Michel Temer ontem para confirmar se a cerimônia de posse estava de pé, e perguntou até mesmo se havia possibilidade de antecipar a posse para ontem. Apesar dos apelos, Temer disse à parlamentar, indicada pelo PTB ao cargo e filha de Roberto Jefferson, que o seu nome estava mantido para o ministério, mas não haveria antecipação. Horas depois, veio a liminar.

A solicitação de Cristiane a Temer ocorreu depois que O GLOBO publicou, no sábado, uma reportagem informando que o dinheiro para pagar as parcelas do acordo trabalhista que ela fez com um dos motoristas está saindo da conta bancária de uma funcionária lotada em seu gabinete na Câmara dos Deputados e não da conta dela própria.

Diante das polêmicas envolvendo os processos trabalhistas contra ela e o pagamento de uma dívida a um ex-motorista, havia um temor dela de que um mandado de segurança pudesse suspender, mesmo que temporariamente, a sua posse, o que de fato acabou acontecendo à noite. A cerimônia em que a deputada assumiria a pasta estava marcada para as 15h de hoje.

Assessores próximos do presidente afirmavam, até a tarde de ontem, que a deputada tomaria posse hoje, mas havia a expectativa de que ela desse explicações claras para conter a crise.

— A posse está mantida, mas o governo espera que ela resolva essa questão, politicamente ela tem saídas — disse um aliado de Temer, antes da liminar.

Um auxiliar mais cético já duvidava que a deputada seria de fato empossada e ironizou:

— Ela não é nenhuma Madre Teresa, o passado da família já condena — afirmou um assessor palaciano.

Pai de Cristiane, Roberto Jefferson foi delator do escândalo do mensalão e condenado no processo pelo Supremo Tribunal Federal. Ele ficou 14 meses preso.

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Deputada se nega a mostrar recibos de reembolso

Juliana Castro

09/01/2018

 

 

Dinheiro para pagar dívida trabalhista de Cristiane sai de conta de assessora

A deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) se negou ontem a fornecer os comprovantes de reembolso à funcionária de seu gabinete que tem feito o pagamento de sua dívida trabalhista com um ex-motorista. Em nota, a assessoria alegou que “as movimentações bancárias da ministra Cristiane Brasil são de cunho privado”.

Como O GLOBO revelou no último sábado, o dinheiro usado para pagar as parcelas de um acordo trabalhista que Cristiane Brasil selou com um ex-motorista tem saído da conta bancária de Vera Lúcia Gorgulho Chaves de Azevedo, funcionária lotada no gabinete da parlamentar do PTB na Câmara dos Deputados.

Cristiane foi processada na Justiça trabalhista por dois exmotoristas que alegaram não ter tido a Carteira de Trabalho assinada enquanto eram empregados dela, conforme divulgou a TV Globo. Em uma das ações, ela foi condenada e, em outra, movida por Leonardo Eugênio de Almeida Moreira, a deputada concordou em pagar a ele R$ 14 mil, divididos em dez parcelas.

São esses R$ 1,4 mil mensais que estão saindo desde maio do ano passado da conta bancária de Vera Lúcia — e não da deputada — para o escritório de advocacia que defende Leonardo Eugênio. Este dinheiro, posteriormente, é repassado ao ex-motorista.

A assessoria de Cristiane informou que Vera Lúcia é chefe do escritório político da deputada no Rio. Foi a funcionária paga pela Câmara quem representou a parlamentar na audiência do processo do ex-motorista.

Quando O GLOBO divulgou os detalhes sobre a forma de pagamento da dívida trabalhista, a assessoria enviou nota afirmando que, como Vera Lúcia representou Cristiane na ação, a deputada entendeu que o dever de garantir o cumprimento do acordo “em termos de pontualidade nos pagamentos” cabia à funcionária.

A assessoria informou ainda na ocasião que “por estar representando a deputada e por mera questão de praticidade, cadastrou a despesa na sua conta pessoal para transferência automática a fim de evitar quaisquer atrasos” e que “os valores pagos são reembolsados pela deputada, restando quitadas ambas as despesas judiciais e pessoais”.

O GLOBO, então, pediu os comprovantes de reembolsos à funcionária, o que foi negado por Cristiane, em nova nota.

“As movimentações bancárias da ministra Cristiane Brasil são de cunho privado. No referido caso, trata-se claramente de uma relação entre duas pessoas físicas, protegida por sigilo na forma da lei e em nada tendo relação com quaisquer das atividades exercidas por ela na esfera pública”, diz a nota.

Vera Lúcia não foi localizada.