Correio braziliense, n. 20028, 22/03/2018. Economia, p. 8

 

Apagão afeta um quarto do país

Simone Kafruni

22/03/2018

 

 

CONJUNTURA » Falta de luz, provocada pelo desligamento de uma linha de transmissão de Belo Monte, foi sentida com mais intensidade no Norte e no Nordeste. No DF, 128 mil consumidores ficaram temporariamente sem eletricidade

Um apagão de grandes proporções afetou várias regiões do país ontem, principalmente o Norte e o Nordeste, que ficaram mais tempo sem energia elétrica. Uma linha de transmissão de Belo Monte saiu do Sistema Interligado Nacional (SIN) às 15h48 e houve uma queda na carga (consumo mais as perdas do sistema) de 18 mil megawatts (MW), o que correspondia, naquele momento, a 22,5% do total do país. No Distrito Federal, o incidente provocou o desligamento automático de quatro subestações e 128 mil consumidores ficaram sem eletricidade até as 16h08.

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, garantiu que o país não corre o risco de sofrer mais apagões, porque não foi um problema de abastecimento. “Foi um incidente que aconteceu em uma linha de transmissão. Do ponto de vista do abastecimento, estamos tranquilos para enfrentar o ano de 2018”, assegurou. Por volta das 19h, Coelho Filho disse ter obtido a informação de que 80% a 85% dos consumidores de algumas capitais do Nordeste já estariam com o abastecimento restabelecido.

“No momento do incidente, a carga do país era de quase 80 mil megawatts (MW) e o sistema perdeu 18 mil MW. Como a perda foi muito grande, a recuperação total demorou”, disse. Coelho Filho destacou que a linha de transmissão afetada foi inaugurada recentemente. “Ela vinha operando com 2 mil MW e, numa tomada para 4 mil MW — o que é completamente condizente com o porte da linha —, saiu do sistema. Ainda não temos a informação oficial, mas o ONS vai fazer uma investigação”, afirmou.

Inicialmente, o órgão federal, responsável por gerenciar e fiscalizar a entrega de energia em todo o Brasil, afirmou que o apagão começou às 15h48 por conta de uma “uma perturbação” no Sistema Interligado Nacional (SIN), que causou o desligamento de cerca de 18 mil MW. “Por causa dessa queda, um esquema regional de alívio de carga entrou em operação, atingindo as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com corte automático de consumidores no montante de 4,2 mil MW”, informou.

Os sistemas Sul, Sudeste e Centro-Oeste ficaram algum tempo desconectados do Norte e Nordeste, mas, às 16h15, já havia sido realizada a recomposição de praticamente toda a carga nessas regiões. Mais tarde, o ONS disse que a falha ocorreu em um disjuntor na subestação Xingu, no Pará, que ocasionou o desligamento automático de diversas linhas de transmissão, entre elas Norte/Nordeste/Centro-Oeste, Tucuruí/Manaus, Tucuruí/Vila do Conde, Xingu/Estreito e Belo Monte.

“Na região Norte, foram desligadas as capitais Manaus, Macapá, Belém, São Luís e Palmas. Na usina hidrelétrica de Tucuruí, nove unidades geradoras continuaram sincronizadas, atendendo cerca de 500 MW de carga no Pará e Maranhão”, explicou o ONS. O processo de recomposição do sistema Norte começou por Manaus, com carga total retomada às 16h44, depois Belém, com normalização às 16h49, São Luís, às 17h10, Macapá, às 17h30, e Palmas, às 17h33.

“O processo de recomposição do sistema Nordeste foi mais lento”, disse o ONS. Às 18h55, segundo o operador, a situação era a seguinte: Fortaleza, 55% da carga religada; Teresina, 50%; Recife, 50%; João Pessoa, 15%; Maceió, 20%; Salvador, 30%; Aracaju, 25%; e Natal, 20%. “A carga total recomposta nesse horário era de 5,6 mil MW, o que representa 50% do previsto”, informou.

Efeito na capital

No Distrito Federal, conforme a Companhia Energética de Brasília (CEB), 128 mil consumidores foram afetados. “Quatro subestações foram desligadas, automaticamente, das 15h48 às 16h08”, informou a CEB. As subestações de Planaltina (37.398 unidades consumidoras), Contagem (27.042), Brazlândia (15.819) e Gama (46.929) caíram, mas a energia foi restabelecida cerca de 20 minutos depois. Os picos também foram sentidos nas regiões Sul e Sudeste. Em Florianópolis, alguns bairros ficaram cerca de 30 minutos sem energia.

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Nordeste é a região mais crítica

22/03/2018

 

 

O apagão foi de grandes proporções, atingindo quase um quarto do país, e pode ocorrer de novo, alertou o especialista Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina). Segundo ele, o problema foi maior no Nordeste, última região a ter o abastecimento normalizado, porque é mais dependente das transmissões de energia do Norte. “A situação do Nordeste é estruturalmente perigosa. Depende de projetos recém-inaugurados como Belo Monte, que ainda não está conseguindo gerar a toda capacidade. E as eólicas que ficam na região, além de não dar conta da demanda, demoram a voltar a gerar”, explicou.

Como houve uma falha no sistema, automaticamente a geração é desligada, inclusive das eólicas do Nordeste. “Se tem um curto-circuito ou qualquer problema, o ONS precisa cortar a carga. Mas apenas a energia hidráulica volta a gerar imediatamente, quando religada, porque é como uma torneira: abriu, gerou. Eólicas e termelétricas costumam demorar mais”, comparou.

“Quase 25% do país foi atingido. O desequilíbrio foi grande entre geração e carga, assim, os picos de energia foram sentidos em muitos lugares, inclusive Brasília”, disse. Como as causas são estruturais, D’Araújo não descarta novos apagões no Nordeste. “A região pede socorro há muito tempo. O Rio São Francisco, cuja capacidade de reserva é de quase 20% de todo o sistema nacional, perdeu 30% das afluências. Nunca tivemos vazões tão baixas naquele rio. Isso ocorre há mais de 10 anos e ninguém tomou providência”, ressaltou.

Quando o São Francisco está com reservas baixas, obriga toda uma ginástica para acomodação da energia do SIN, inclusive a transferência de grandes blocos por períodos longos via linhas de transmissão, que podem apresentar problemas. “O apagão tem todas as condições para se repetir: vazão menor do rio, dependência de importação do Norte e eólicas, que demoram para voltar a gerar”, explicou. (SK)