Correio braziliense, n. 20025, 19/03/2018. Brasil, p. 7

 

Solução para a água baseada na natureza

Alessandra Azevedo

19/03/2018

 

 

QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA » Presidente Temer abre hoje, oficialmente, fórum mundial que discutirá, até sexta-feira, a questão hídrica no planeta. Relatório da Unesco defende a preservação de áreas úmidas, que agem como barreiras naturais para captar chuva

Na manhã de hoje, o presidente Michel Temer abre, oficialmente, a 8ª edição do Fórum Mundial da Água, maior evento internacional sobre o tema, em cerimônia no Palácio do Itamaraty. Até sexta-feira, Brasília será palco de encontros, discussões e trocas de experiências entre especialistas e autoridades de 150 países a respeito de assuntos de relevância mundial, como crise hídrica e políticas públicas de melhoria na gestão da água. Para balizar a discussão sobre boa parte desses assuntos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou hoje o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2018.

O principal foco do estudo, que será lançado no Fórum, é mostrar que reservatórios, canais de irrigação e estações de tratamento não são os únicos instrumentos de gestão de água disponíveis no mundo. Soluções baseadas na natureza podem e devem ser usadas para melhorar o abastecimento e a qualidade da água, principalmente diante dos desafios trazidos pelo crescimento populacional e por mudanças climáticas, defende a Unesco. Se nada for feito, aponta a entidade, haverá 5 bilhões de pessoas vivendo em áreas com pouco acesso à água em 2050. “O estudo propõe soluções que são baseadas na natureza para gerir melhor a água. É uma tarefa essencial que todos nós precisamos resolver juntos, de forma responsável, para evitar conflitos relacionados à água”, alertou a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay.

O relatório aponta números alarmantes em relação à escassez de água, que afeta atualmente 3,6 bilhões de pessoas, o equivalente à metade da população mundial, em pelo menos um mês por ano. Essa população pode crescer para algo entre 4,8 bilhões e 5,7 bilhões até 2050. Além dos problemas de distribuição e gestão da água, o estudo aponta a influência da gestão hídrica na incidência de desastres naturais, que tendem a aumentar com as mudanças climáticas, mas podem, segundo a Unesco, ser reduzidos a partir da adoção de medidas “mais verdes” na gestão da água.

De acordo com Gilbert Houngbo, diretor do UN Water e presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, para que esses problemas sejam resolvidos, é preciso reexaminar a gestão hídrica, que atualmente é baseada em “infraestruturas cinzas”, construídas pelos seres humanos. “Conhecimentos tradicionais e indígenas, que abrangem soluções mais ‘verdes’, são constantemente deixados de lado”, ponderou, no prefácio.

Zonas úmidas

Se nada for feito nesse sentido, o número de pessoas em risco por conta de alagamentos deve crescer de 1,2 bilhão, atualmente, para 1,6 bilhão, em 2050 — cerca de 20% da população mundial. Uma das opções apontadas para resolver o problema é a preservação de áreas úmidas, que agem como barreiras naturais para captar água da chuva. O Chile, por exemplo, anunciou medidas para proteger as zonas úmidas costeiras depois do tsunami de 2010. Nos Estados Unidos, o estado da Louisiana criou um programa de proteção e restauração da costa após o furacão Katrina, em 2005, cujos impactos foram ainda maiores devido à degradação das áreas úmidas na região.

Além da utilidade na contenção de desastres naturais, as áreas úmidas, como pântanos e várzeas, influenciam diretamente na qualidade da água ao filtrar substâncias tóxicas de pesticidas e resíduos industriais e de mineração. Há evidências que essas áreas, sozinhas, podem remover entre 20% e 60% dos metais em águas e filtrar entre 80% e 90% dos sedimentos de escoamento. O benefício é tão evidente que alguns países, como a Ucrânia, criaram zonas úmidas artificiais para tratar as águas e filtrar alguns produtos farmacêuticos dos efluentes.

Com uso mais racional da água, redução no uso de pesticidas e melhorias na cobertura do solo, também é possível aumentar em 79% o rendimento médio das colheitas, aponta o estudo. A produção agrícola poderia aumentar em cerca de 20% no mundo apenas com a adoção de práticas de gestão hídrica mais verdes. Apesar dos benefícios, essas opções representam apenas 5% do investimento total em infraestruturas relacionadas com a água no mundo.

5 bilhões

de pessoas viverão em áreas com pouco acesso à água em 2050 se nada for feito

3,6 bilhões

de pessoas no mundo já vivem em áreas com potencial escassez de água por pelo menos um mês por ano

1,6 bilhão

de pessoas viverão em situação de risco de inundações em 2050

30%

da população mundial vive em áreas afetadas rotineiramente por inundações e secas

30%

das terras em todo o mundo têm cobertura florestal

2/3

dessa área se encontra em estado de degradação

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S.O.S bacias da Mata Altântica

19/03/2018

 

 

Mais de um quinto da água de rios, córregos e lagos da Mata Atlântica é impróprio para o uso, constatou a Fundação S.O.S. Mata Atlântica, em panorama divulgado hoje. Após avaliar a qualidade da água em 294 pontos de bacias hidrográficas da região, a fundação concluiu que, em apenas 12 deles, ou 4,1% do total, a água é considerada boa. Em 20,1%, é ruim ou péssima. Nenhum dos locais analisados foi avaliado como ótimo.

Na maioria dos pontos (222, ou 75,5%), inclusive no Córrego do Urubu, no Distrito Federal, a situação da água é regular. Significa dizer que está no limite dos padrões definidos na legislação brasileira para usos menos restritivos, como recreação, navegação e irrigação. “A condição de qualidade regular da água demanda atenção especial dos gestores públicos e da sociedade”, alerta o levantamento, feito em 102 municípios dos 17 estados da Mata Atlântica, além do Distrito Federal, entre março de 2017 e fevereiro de 2018. Mais de 3,5 mil voluntários do Programa Observando os Rios coletaram e analisaram a água de rios, córregos e lagos mensalmente.

Os resultados, na opinião da coordenadora do estudo, Malu Ribeiro, mostram “a fragilidade da condição ambiental dos principais rios da Mata Atlântica e a urgência de incluir o assunto na agenda estratégica do Brasil”. Rios e águas contaminados são reflexo da ausência de saneamento ambiental, gestão e governança, ressaltou a especialista. “Ainda estamos distantes do que a sociedade necessita”, concluiu Malu.

De acordo com a diretora executiva da SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, o objetivo do levantamento é contribuir para o aprimoramento de políticas públicas voltadas à gestão da água. “Ao reconhecer os rios como espelhos da qualidade ambiental das cidades, regiões hidrográficas e países, conseguimos identificar rapidamente os valores da comunidade, a condição de saúde na bacia e de desenvolvimento“, pontuou.

Para que a situação comece a mudar, Marcia considera fundamental a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos em todo o território nacional, por meio dos comitês de bacias hidrográficas e implementação total dos instrumentos de gestão, que incluem o enquadramento dos corpos de água em classes, a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos e a cobrança pelo uso da água. (AA)

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Acesso insuficiente

19/03/2018

 

 

A discussão sobre políticas que podem ser adotadas por indústrias para racionalizar o uso da água tomou conta do evento Water Business Day, realizado ontem na Confederação Nacional da Indústria (CNI). Um dos problemas discutidos no encontro foi o fato de que, atualmente, 34 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de abastecimento de água, o que equivale a 40% da população.

Segundo a presidente da BRK Ambiental, Teresa Vernaglia, o país joga esgoto bruto nos mananciais e rios. Não por acaso, R$ 4,2 bilhões — ou 60% do que a empresa investirá em questões hídricas — serão voltados à coleta e tratamento de esgoto.

Universalizar os sistemas de esgoto no Brasil até 2023 exige um investimento de R$ 20 bilhões por ano, estima Teresa. (AA)