Correio braziliense, n. 20011, 05/02/2018. Mundo, p. 13

 

A bola fica com a direita

05/03/2018

 

 

ITÁLIA » O país sai das urnas sem maioria parlamentar clara. Perspectiva é de negociações prolongadas para a formação do governo

A Itália saiu ontem de uma das eleições mais disputadas das últimas décadas mais ou menos com um quadro político semelhante ao que inspirou a mais recente reforma do sistema político-eleitoral: sem a indicação de uma maioria clara e com a perspectiva de longas negociações para a formação do próximo governo. A coalizão de direita encabeçada pelo ex-premiê Silvio Berlusconi apareceu nas pesquisas de boca de urna como a maior bancada, com 30% a 41% dos votos — mas sem condições de formar um governo estável. Com 29% a 32%, a legenda de protesto Movimento Cinco Estrelas (M5S), do comediante Beppe Grillo, confirmou a posição de maior partido do país, mas igualmente sem cadeiras suficientes para compor um gabinete. Grande derrotado do dia, o Partido Democrático (PD, centro-esquerda), do premiê Paolo Gentiloni, obteve entre 21% e 23,5% e se despedia do comando do país.

Com a projeção de eleger em torno de 245 deputados, de um total de 630, o bloco liderado por Berlusconi parecia distante da maioria necessária (316) para formar o gabinete sem depender de acordos com outras forças. Pior para o ex-premiê, que está afastado de cargos públicos até o ano que vem (foi condenado por fraude fiscal): seu partido, o Forza Italia, corria o risco de não ser o mais votado da coalizão. O magnata das comunicações chegou a indicar o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, um correligionário com face moderada, para ser o primeiro-ministro em um governo de centro-direita, mas poderá ser obrigado a ceder a posição para Matteo Salvini, da Liga (extrema-direita), apontado nas projeções como o partido mais votado da coalizão, completada pelo também ultradireitista Irmãos de Itália, liderado por Giorgia Meloni.

Enquanto Salvini se limitava ao tradicional agradecimento aos eleitores pelo resultado projetado para a Liga, que defende uma política dura de imigração e a deportação sumária de milhares de estrangeiros em situação irregular, no partido de Berlusconi as primeiras reações foram de prudência. Paolo Romani, líder da bancada do Forza Italia no Senado, procurou ressaltar a vitória anunciada do bloco direitista e minimizar a disputa com os parceiros. “Temos uma disputa muito sadia com a Liga e os Irmãos da Itália”, declarou. “O importante é que a nossa coalizão ficou à frente dos adversários.”

“Apoteose”

Embora sem a perspectiva de chefiar o governo ou mesmo de integrar uma coalizão, a legenda de protesto fundada por Beppe Grillo foi a que comemorou mais efusivamente os resultados obtidos nas urnas. “O que é certo é que o M5S será o pilar da próxima legislatura, e isso é o resultado de anos de trabalho”, disse Alfonso Bonafede, apontado como ministro da Justiça em um (improvável) gabinete do partido, que até aqui recusa acordos com outras formações — e é descartado como aliado pelas demais. O candidato do M5S a primeiro-ministro, Luigi di Maio, preferiu o silêncio, mas foi visto trocando cumprimentos com os correligionários. Um deles, Alessandro di Battista, resumiu o estado de espírito: “Foi um triunfo, uma apoteose. Agora, todos vão ter de conversar conosco”.

Negociar com o M5S continua fora do horizonte do PD, que parecia resignado com a perspectiva de deixar o governo. “Se forem esses os resultados, então passamos à oposição”, lamentou o porta-voz Ettore Rosato. Mais incisivo, Gennaro Migliore admitiu francamente a derrota. “Perdemos e não podemos aspirar ao papel de pilar de alguma maioria. Resta escutar o que disseram os eleitores. Mas, certamente, não cogitamos uma aliança com o M5S”, garantiu.

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A Europa repaginada

Silvio Queiroz

05/03/2018

 

 

Não foi surpresa a maioria sólida dada pelos mais de 40 milhões de italianos que foram às urnas para os partidos e candidatos que fizeram campanha tendo como lema central a imposição de restrições à imigração — ou mesmo a expulsão pura e simples dos estrangeiros. A tendência está perfeitamente alinhada com o que se observou, no ano passado, na França e na Alemanha, onde tiveram sucesso as legendas de ultradireita com o mesmo discurso. Tampouco causou estranheza a derrota amarga da centro-esquerda, igualmente em sintonia com os resultados hitoricamente negativos dos socialistas franceses e dos social-democratas alemães.

Diferenças à parte, cada um desses processos eleitorais ilustra de maneira contundente o panorama de uma Europa em franca reordenação política. Os partidos tradicionais que emergiram do pós-Segunda Guerra perdem terreno aceleradamente para novas formações. Os parlamentos se configuram mais fragmentados a cada eleição, o que se traduz na dificuldade crescente para a costura de maiorias estáveis com programa claro.

O cenário que se desenha para os próximos anos é de indefinições e impasses políticos, enquanto os problemas candentes de ordem doméstica e externa se empilham diante de uma elite governante cada vez mais perplexa frente a um eleitorado que oscila entre a indiferença e o protesto puro e simples.