O Estado de São Paulo, n. 45346, 12/12/2017. Economia, p. B2.

 

OPINIÃO

 

Reforma da Previdência: necessária e justa

Bernard Appy

12/12/2017

 

 

Para entender a reforma da Previdência, dois pontos precisam ser considerados: 1) ela é necessária; e 2) sendo necessária, é socialmente justa? A resposta é sim para as duas questões.

A necessidade da reforma da Previdência fica clara quando consideramos que o Brasil gasta muito com benefícios previdenciários, apesar de ter uma população ainda relativamente jovem. Em 2016, o Brasil gastou com benefícios previdenciários 13,1% do Produto Interno Bruto (PIB) – 8,1% do PIB com a previdência do setor privado (RGPS) e 5% do PIB com a previdência dos servidores públicos da União, Estados e municípios (RPPS). Esse nível de despesas com a Previdência só é encontrado em países muito mais envelhecidos que o Brasil, como a França.

Para piorar, a população brasileira está envelhecendo num ritmo extremamente acelerado. Mantidas as regras atuais, até 2060 as despesas com o RGPS crescerão em mais 9 pontos porcentuais do PIB e as despesas do RPPS também crescerão de forma relevante. Isso significa que, se nada for feito, a carga tributária terá de crescer em pelo menos mais 10 pontos porcentuais do PIB, apenas para financiar o aumento das despesas previdenciárias.

Pode-se argumentar que esse aumento poderia ser compensado por uma redução de outras despesas. Ainda que o controle das despesas públicas seja sempre desejável, a realidade é que é impossível acomodar o aumento dos gastos com Previdência por meio do corte de outras despesas. No caso da União, por exemplo, as despesas previdenciárias já respondem por 52% de todas as despesas primárias, valor que sobe para 56% quando se consideram também os benefícios assistenciais para idosos e deficientes.

Ou seja, se não houver a reforma, o aumento dos benefícios previdenciários não só levará a uma forte compressão de todas as demais despesas – com educação, saúde, segurança, etc. –, como ainda exigirá um forte aumento da carga tributária.

Se a reforma da Previdência é claramente necessária, ou até indispensável, resta saber se as mudanças propostas são socialmente justificáveis.

Simplificadamente, o texto atualmente em discussão na Câmara dos Deputados faz duas mudanças principais: introdução de uma idade mínima para aposentadoria (de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens) e convergência entre as regras da previdência do setor privado e dos servidores públicos. Do meu ponto de vista, as duas mudanças são justas.

As atuais regras previdenciárias permitem a aposentadoria por tempo de contribuição em idades muito baixas (em média, 53 anos para as mulheres e 56 para os homens). Num contexto em que a expectativa de vida das pessoas que chegam aos 60 anos de idade é de mais de 80 anos (inclusive no Nordeste), não parece justificável que a sociedade toda pague para que as pessoas se aposentem cedo. A função da previdência pública é garantir renda para as pessoas que não têm mais capacidade de trabalhar, e não garantir aposentadorias precoces para pessoas que ainda têm plena capacidade de trabalho.

De modo semelhante, as regras previdenciárias para os servidores públicos permitem aposentadorias em valores bem mais elevados que para os trabalhadores privados. Ainda que os servidores contribuam sobre o salário integral, a verdade é que o déficit por trabalhador do RPPS é muito maior que o déficit por trabalhador do RGPS. Para mim não faz sentido que, para financiar a aposentadoria de um servidor, seja destinado um montante muito mais elevado de recursos públicos – que poderiam ser alocados em outras prioridades – que para financiar a aposentadoria de um trabalhador privado.

Vale lembrar que, tanto para a introdução da idade mínima quanto para a convergência das regras de previdência do RPPS e do RGPS, há uma transição bastante longa.

Por fim, gostaria de registrar que não me identifico com o atual governo. Mas essa não pode ser uma desculpa para ficar contra uma reforma essencial para que os próximos governos – sejam eles quais forem – possam governar.

(...)

 

DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL