Correio braziliense, n. 20001, 23/02/2018. Política, p. 3

 

Discurso afinado no Rio

Simone Kafruni e Rodolfo Costa

23/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Enquanto o governo ainda discute os termos da intervenção, ministro e militares traçam estratégias para garantir salvaguardas às Forças Armadas. General deve ser o novo secretário de Segurança

Desde a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro surgiram diversos especialistas em segurança pública a propor soluções para a crise. A afirmação é do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. “Algumas bem construídas, outras simplórias. A solução virá com muito trabalho, cooperação e sacrifício”, disse ontem, em uma rede social, depois da reunião do Conselho Militar da Defesa, da qual também participou o presidente Michel Temer.

As críticas aos supostos especialistas já tinham sido feitas pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, em entrevista ao Correio, no início da semana. O general e o ministro também afinaram o discurso em relação às mudanças nas regras das operações militares no Rio de Janeiro no sentido de garantirem salvaguardas de processos futuros contra integrantes das Forças Armadas.

A estratégia do Palácio do Planalto, antes de apresentar a proposta de reformular as regras, é de que o assunto ganhe um mínimo de consenso nos núcleos de políticas de segurança do governo e da sociedade. “Por mais que a mudança precise ser feita com urgência, a gente sabe que é impossível impor tal alteração goela abaixo”, disse um integrante da cúpula militar.

Nas Forças Armadas, entretanto, a pressão pela mudança passa pela avaliação de que é a única forma para que a operação possa avançar. Na prática, o Exército quer ter o direito de atirar no caso de um confronto contra traficantes armados. A atual regra de engajamento exige três comandos: primeiro, um tiro de alerta para o alto; depois o uso de uma arma não letal; e, só então, atirar para matar. O procedimento toma em torno de 10 segundos de um militar bem treinado, mas a mudança na regra é repudiada por entidades de direitos humanos.

Para evitar a migração de criminosos do Rio de Janeiro para outros estados, ontem, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, assinou um protocolo de cooperação com o governo paulista para que a Polícia Rodoviária Estadual tenha autorização de abordar veículos e reforçar a fiscalização das rodovias federais Fernão Dias e Presidente Dutra, principais corredores da Região Sudeste.

O governo reconhece que as grandes quadrilhas têm alcance nacional. “A migração ocorre dentro do Rio, de Pernambuco, de Goiás. Onde há uma eficácia maior das forças de segurança, o crime migra. Temos que cuidar para que não se dissemine. Por isso, é necessária a cooperação dos estados”, disse o ministro da Defesa, Raul Jungmann. “Acredito que o futuro Ministério da Segurança Pública vai se debruçar sobre isso, em conjunto com os governos”, afirmou. A Federação dos Policiais Federais protocolou, ontem, ofício na Presidência da República pedindo que o presidente Michel Temer avalie o nome de Ricardo Balestreri para o cargo de ministro da nova pasta. Segundo a entidade, o ex-secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula “preenche todos os requisitos necessários para assumir o cargo.”

No Rio de Janeiro, o porta-voz do Comando Militar do Leste, coronel Roberto Itamar, afirmou que o novo secretário de Segurança Pública será um general da ativa do Exército. Segundo Itamar, um dos nomes cogitados é o do general Richard Fernandez Nunes, mas a escolha definitiva só será anunciada, oficialmente, na terça-feira.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Mundança no porte

Paulo de Tarso Lyra, Rodolfo Costa e Alessandra Azevedo

23/02/2018

 

 

A bancada da bala aposta no bom momento que vive no Congresso após a votação da intervenção federal no Rio para aprovar a flexibilização do porte de armas na Câmara. A matéria será relatada pelo deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e estará no pacote de segurança pública a ser analisado pelos parlamentares na próxima semana. “A população não disse, no referendo de 2005, que queria ter direito às armas? Por que deixar isso nas mãos da análise subjetiva de um delegado da Polícia Federal?”, questionou Fraga.

O parlamentar defende que o cidadão sem antecedentes criminais, com laudo psicotécnico positivo e certificado de conclusão de curso de tiro possa ter direito a portar uma arma. Além disso, o projeto vai sugerir um recadastramento do setor. “Calculo que existam cerca de 10 milhões de armas ilegais no Brasil, sem contar as que estão nas mãos dos bandidos”, disse.

Presidente da comissão especial que analisou o projeto, o deputado Marcos Montes (PSD-MG) não tem dúvidas de que os parlamentares estão mais maduros para debater esse tema. “Não estou querendo, em hipótese nenhuma, defender que todos saiam às ruas armados como nos filmes de bangue-bangue. Mas também não dá para ter uma placa na porta dizendo: ‘Pode entrar que não tenho arma’”, justificou o parlamentar.

O debate divide o governo, embora integrantes do Executivo reconheçam que esse é um tema exclusivo do parlamento. “Acredito que devam existir mudanças que garantam ao cidadão cumpridor das leis condições para que possa possuir, na sua propriedade, uma arma que lhe dê condições de se defender”, afirmou o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.

Já um dos artífices do decreto de intervenção fluminense, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, é bem mais reticente. “Precisa ver que liberação é essa. Mais armas não significa, sem sombras de dúvida, mais segurança ou mais paz”, declarou o ministro. Contra a revisão do estatuto, a oposição pretende enviar ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma pauta também voltada à segurança, mas com outro viés. “As propostas são voltadas à defesa dos direitos humanos”, disse o líder do PSol na Câmara, Ivan Valente (SP).