Valor econômico, v. 18, n. 4407, 22/12/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Acordo abre compras públicas no Mercosul

Daniel Rittner

22/12/2017

 

 

Os sócios do Mercosul fecharam ontem um acordo para abrir seus mercados de compras de compras governamentais entre si. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai vão dar "tratamento nacional" para empresas dos respectivos países em licitações de bens e serviços com valores a partir de R$ 500 mil. No caso de obras públicas, a abertura vale para todas as contratações com preço mínimo de R$ 20 milhões - são, na verdade, direitos especiais de saque convertidos para a moeda de cada um dos países.

As negociações se estenderam até os minutos finais da reunião de cúpula presidencial do bloco, que ocorreu ontem em Brasília, mas os quatro países-membros conseguiram superar as últimas divergências quando já trabalhavam com a perspectiva de deixar um acordo somente para 2018.

Trata-se da segunda iniciativa de abertura econômica importante do Mercosul neste ano, que já havia assinado em abril um acordo de facilitação de investimentos, abandonando um longo período de marasmo. O protocolo de compras governamentais é o primeiro do gênero firmado pela Argentina e o segundo do Brasil, que tinha apenas um acordo modesto com o Peru até agora.

Pelo novo acordo, as empresas do Mercosul vão receber o mesmo tratamento conferido por cada país aos seus fornecedores nacionais. Além disso, o protocolo tem um caráter de proibir a aplicação de barreiras entre si nas licitações públicas. Hoje, um tratado da Organização Mundial do Comércio (OMC) é o único instrumento que disciplina a questão de compras governamentais.

Esse acordo foi firmado voluntariamente por 47 países até hoje, mas não recebeu a adesão do Brasil ou de nenhum outro sul-americano. Quem não assinou fica livre para impor barreiras à entrada de fornecedores estrangeiros ou dar "margens de preferência" a companhias nacionais.

Foi o que ocorreu, em larga medida, no governo anterior. A ex-presidente Dilma Rousseff adotou essas margens como mecanismo de política industrial para fomentar diversos setores, como têxteis e calçados, medicamentos e produtos fármacos, implementos rodoviários, papel-moeda e serviços de tecnologia da informação, entre outros. Ela estabeleceu preferência de até 25% sobre fornecedores estrangeiros. Ou seja, mesmo com preço até 25% mais caro que um concorrente de outro país, as empresas brasileiras eram declaradas vencedoras nas licitações. Agora, esse tipo de vantagem terá que ser necessariamente estendido aos demais países do Mercosul.

O mercado de compras governamentais no bloco gira em torno de R$ 60 bilhões por ano - dos quais o Brasil, sozinho, representa dois terços. Algumas exceções foram feitas ao acordo, como a aquisição de remédios e equipamentos ligados à defesa.

"O acordo ficou bastante equilibrado e abre oportunidades importantes para as nossas empresas", afirmou o secretário de Comércio Exterior, Abrão Árabe Neto. Segundo ele, consultas ao setor privado indicaram interesse das empresas brasileiras em licitações dos países vizinhos. "O mercado regional é relevante para nós."

Companhias estatais, assim como governos estaduais e municipais, ficaram de fora do acordo em um primeiro momento. No acordo com o Peru, apenas quatro estatais haviam entrado: Infraero, Valec, Casa da Moeda e Embrapa. Desta vez, a postura foi deixá-las à margem por falta de tempo suficiente para consultas individuais. "Mas o acordo deixa cláusulas abertas para seguirmos negociando", acrescentou Abrão.

O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento e um dos principais negociadores do acordo, Jorge Arbache, informou que o protocolo de compras governamentais será revisado daqui a dois anos e poderá ter ampliações.

Para Arbache, ao aumentar a concorrência entre potenciais fornecedores de bens e serviços, o acordo se torna um instrumento para Estados e municípios com restrições fiscais para baixar preços em seus certames licitatórios. Ele destacou outro aspecto positivo como efeito colateral: a tendência, a médio prazo, de harmonização regulatória dos editais (com menos exigências de licenças específicas) no Mercosul.

O acordo foi celebrado pelo governo brasileiro como sinal de que o bloco saiu do ponto morto e engatou pelo menos uma segunda marcha para subir a rampa da integração e da abertura econômica. "Isso não é óbvio para países que passaram décadas com economias fechadas. É uma mudança importante", disse Arbache.