Correio braziliense, n. 19955, 11/01/2018. Política, p. 4

 

A confusa bancada dos "filhos" no Rio

Natália Lambert

11/01/2018

 

 

ELEIÇÕES » As recentes denúncias contra Cristiane Brasil são mais um capítulo das crises ética e financeira que assolam o estado, recheado de ex-governadores e ex-deputados na cadeia

Quem viu a emblemática capa da revista britânica The Economist, de 2009, em que uma ilustração mostra o Cristo Redentor decolando como um foguete com a manchete “Brazil takes off (O Brasil decola)” não podia imaginar que, menos de 10 anos depois, a situação seria totalmente avessa, especialmente, no Rio de Janeiro. Cinco dos últimos sete governadores vivos, eleitos no Rio de Janeiro, desde 1982, estão sendo investigados, presos ou respondendo a processos em liberdade. Lojas fecham as portas, pessoas perdem empregos, servidores não recebem salários e a saúde, a educação e a segurança pública beiram níveis insuportáveis à população. E a corrupção é uma das principais responsáveis pela calamidade no estado que sediou as Olimpíadas de 2016.

Apesar de trabalhar a mais de mil quilômetros de distância da capital fluminense, a bancada de deputados federais eleita em 2014 também sente os reflexos da crise no estado. E, agora, a confusa e incerta posse da deputada Cristiane Brasil (PTB) no Ministério do Trabalho mancha ainda mais a imagem dos parlamentares do Rio, que corre o risco de ter uma taxa de renovação acima dos demais estados. Desde que a filha do delator do mensalão, Roberto Jefferson (PTB), foi escolhida pelo presidente Michel Temer, em 3 de janeiro, não param de surgir polêmicas a respeito do passado dela, principalmente, em relação ao desrespeito à legislação trabalhista com os próprios funcionários.

Cristiane faz parte de uma lista de “filhos” na bancada do Rio de Janeiro. Segunda mais votada no estado, Clarissa Garotinho assumiu, logo em 2015, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Emprego e Inovação e não circulou muito na Câmara nesta legislatura. Mas, se tiver planos de reeleição, pode se complicar por causa das denúncias que envolvem o pai e a mãe, Anthony e Rosinha, que chegaram a ser presos no fim do ano passado. A situação também se aplica ao ministro do Esporte, Leonardo Picciani, e ao deputado federal Marco Antônio Cabral, filhos do presidente licenciado da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, e do ex-governador Sérgio Cabral, respectivamente — ambos presos.

“Os filhos acabam, de certa forma, herdando o eleitorado desses políticos e, consequentemente, também herdam o ônus. Mesmo com as denúncias, essas lideranças ainda têm certa influência no estado e nas estruturas partidárias e, por isso, pode ser até que sejam reeleitas, mas não podem se arriscar a dar voos mais altos, como cargos majoritários. Precisam, pelo menos, esperar o turbilhão passar”, comenta o professor de ciência política da PUC-RJ Ricardo Esmael.

Além dos filhos, a bancada do Rio está manchada por diversos escândalos e por nomes como o do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha. Preso em Curitiba e condenado a 15 anos de prisão, Cunha, indiretamente, acabou cedendo a vaga na Câmara ao folclórico deputado presidiário Celso Jacob, punido por entrar com queijo na cueca na cadeia. Na opinião do deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ), grande parte da bancada teve participação ou foi omissa em relação aos desmandos no estado. “Muitos estavam lá, aliados ao Cabral, celebrando juntos os tempos das vacas gordas. Evidentemente, sabiam que havia algo de podre no reino da Guanabara”, comenta. Por isso, o deputado aposta em um índice de renovação da bancada entre 60% e 70% neste ano. Taxa que o cientista político e diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eurico Figueiredo, não acredita “infelizmente”. “Essas lideranças criaram raízes políticas muito fortes no estado e algumas delas têm chance de sobreviver ao tsunami que estão enfrentando. A população precisa entender a importância do voto ao Congresso, que é onde está a verdadeira soberania nacional.”

Uma bancada de turbulências

Nas eleições de 2014, 46 deputados foram eleitos no Rio de Janeiro. Desses, somente 20 permanecem no cargo e no mesmo partido. Confira os casos mais emblemáticos:

Jair Bolsonaro

Pré-candidato à Presidência da República. Filiou-se ao PSC e, recentemente, assumiu compromisso com o PSL em busca de espaço para a disputa eleitoral.

Clarissa Garotinho

Filha do casal Anthony e Rosinha, assumiu a secretaria municipal de Desenvolvimento, Emprego e Inovação e abriu vaga para Dejorge Patrício (PRB). Em novembro, teve que visitar os pais na cadeia. Hoje, os dois estão soltos.

Eduardo Cunha

Cassado e preso em Curitiba. Abriu vaga para o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), que responde por compra de votos em 2008. O caso dele é usado pelo Supremo Tribunal Federal para restringir o foro privilegiado a parlamentares. Ao assumir a prefeitura, abriu vaga para o deputado Celso Jacob (PMDB), condenado a sete anos e dois meses de prisão em regime semiaberto. Até novembro, o parlamentar trabalhava na Câmara de dia e dormia no presídio — perdeu o benefício ao ser flagrado com biscoitos e queijos na cueca ao voltar à prisão.

Leonardo Picciani

Assumiu o Ministério do Esporte abrindo vaga a Zé Augusto Nalin (PMDB). Filho de Jorge Picciani, presidente licenciado da Assembleia Legislativa e, atualmente, preso.

Pedro Paulo

Em 2015, assumiu a secretaria de Coordenação de Governo, concorreu à prefeitura em 2016, mas uma acusação de violência doméstica contra a ex-mulher diminuiu as chances de vitória. O processo foi arquivado pelo STF. É citado na delação premiada do marqueteiro Renato Pereira por receber propinas.

Marco Antônio Cabral

Filho do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, preso e condenado a cerca de 72 anos de cadeia. Em 2015, o deputado assumiu a Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude e só retornou à Casa em 2017.

Cristiane Brasil

Filha do delator do mensalão e deputado cassado Roberto Jefferson, a deputada se licenciou, neste ano, para assumir o Ministério do Trabalho, mas teve a posse suspensa pela Justiça por causa de “moralidade administrativa”. Ela foi condenada pela Justiça do Trabalho por não assinar a carteira de um motorista. Cristiane aguarda recurso à Justiça para assumir a pasta. Caso isso aconteça, o suplente é Nelson Nahim (PSD), irmão de Anthony Garotinho e condenado, em 2016, a 12 anos de cadeia por estupro e exploração sexual de menores. Ele nega as acusações.

Sergio Zveiter

Em 2015, filiou-se ao PMDB, assumiu a Secretaria de Trabalho e Renda, depois a de Habitação e retornou à Câmara em 2016. No ano passado, ofereceu parecer favorável à denúncia contra o presidente Michel Temer, o que lhe rendeu punição no partido. Filiou-se ao Podemos.

Rodrigo Maia

Diante da queda do ex-deputado Eduardo Cunha, cresceu politicamente e assumiu a presidência da Câmara dos Deputados. Investigado na Operação Lava-Jato, é suspeito de ter recebido propina da Odebrecht. É a principal aposta do partido para ser candidato à Presidência da República.

Cabo Daciolo

Em 2015, foi expulso do PSol por ter apresentado uma emenda constitucional que alterava o atual texto “todo o poder emana do povo” para “todo o poder emana de Deus”. Além disso, defendeu em plenário os policiais militares envolvidos no desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo, em 2013, na Rocinha.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Mesmo em cana?

Luiz Carlos Azedo

11/01/2018

 

 

 

A primeira grande interrogação das eleições de 2018 tem data de validade: 24 de janeiro. Pela Lei da Ficha Limpa, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Siva seja condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por unanimidade, estará automaticamente fora da eleição. É a regra do jogo. A rigor, pela jurisprudência, poderá também entrar em cana, até que o caso seja resolvido em última instância, ou seja, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, na prática, não é assim que as coisas funcionam: a inelegibilidade de Lula precisa ser oficializada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que trabalha em outro diapasão e é capaz de absolver por “abundância de provas”, como aconteceu com a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, para não desestabilizar politicamente o país.

Nos bastidores do Judiciário, há uma grande expectativa de mudança de entendimento do Supremo quanto à prisão por condenação em segunda instância, ou seja, poucos acreditam que Lula vá para a prisão caso seja condenado pelo TRF-4. De certa forma, isso já está meio “precificado”, como gostam de dizer os analistas de mercado. A razão é simples: o ministro Gilmar Mendes lidera uma nova maioria no STF a favor da revisão dessa jurisprudência. A novidade mesmo seria outra: a possibilidade de o líder petista, mesmo condenado, concorrer às eleições, graças a chicanas jurídicas e ao corpo mole do TSE, que julgaria o caso só após as eleições, como é comum acontecer com prefeitos e até governadores.

Até agora, por causa da Ficha Limpa, o cenário eleitoral de 2018 com Lula candidato estava exclusivamente relacionado à absolvição por falta de provas, que era o discurso adotado pelo petista e seus correligionários, numa linha de defesa cujo eixo era jurídico. Condenado a nove anos pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, diante da frequência com que os desembargadores federais do Sul confirmam as sentenças de Curitiba, Lula subiu o tom contra a Lava-Jato. Em sintonia com outros políticos enrolados na Justiça, intensificou a pré-campanha eleitoral, além de organizar um movimento de solidariedade nas redes sociais que mobiliza artistas, intelectuais, juristas e políticos de várias nacionalidades ligados ao PT e partidos aliados no exterior.

O eixo da campanha é caracterizar o julgamento de Lula como uma farsa, sem sustentação legal, cujo objetivo seria promover uma grande fraude eleitoral, o “golpe dentro do golpe”, no jargão da narrativa petista. Paralelamente, pressionar o STF para apartar a condenação criminal de Lula da questão eleitoral, flexibilizando a Lei da Ficha Limpa. Caberia ao eleitor absolver Lula nas urnas; sua vontade soberana estaria acima da lei e dos tribunais. O êxito da campanha petista dependerá, porém, do entendimento do TSE.

Rotatividade

Em dezembro passado, o ministro Luiz Fux foi eleito presidente, tendo a ministra Rosa Weber como vice. Em entrevista a jornalistas após sua eleição, Fux expôs sua posição de princípio: “A aplicação da Ficha Limpa é uma lei de iniciativa popular. Então, significa dizer que aí há a necessidade do prestígio da soberania do povo em razão dos cargos que serão disputados. Eu sempre prestigio a Lei da Ficha Limpa”. Também foi enfático quanto à necessidade de decidir o assunto em tempo hábil: “Então, é no momento do registro da candidatura que se olha para trás para verificar se aquele candidato atende aos requisitos de ética e moralidade que a sociedade deseja e exige de seus representantes políticos”, destacou. Mas a Corte terá três presidentes em 2018, ou seja, uma inédita rotatividade de comando.

O TSE é formado por sete ministros. Três são do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um dos quais será o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, e dois juristas advogados, nomeados pelo presidente da República. Gilmar Mendes passará o comando da Corte depois de 14 de fevereiro, mas Fux exercerá o cargo somente até 15 de agosto, ou seja, será substituído em plena campanha eleitoral; antes disso, Rosa Weber terá deixado o tribunal, pois seu mandato acaba em 24 de maio. Na linha de sucessão, estão os suplentes Luís Roberto Barroso, cujo segundo mandato termina em 3 de setembro; Luiz Edson Fachin, cujo mandato acaba em 7 de junho, mas ainda pode ser reeleito; e Alexandre de Moraes, com mandato até 25 de abril de 2019.

Entre os demais integrantes da Corte, o atual corregedor, Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, deixará o cargo em 30 de agosto. Seu substituto natural é o ministro Jorge Mussi, com mandato até 24 de outubro. A vaga aberta entre os titulares indicados pelo STJ seria do ministro Luiz Felipe Salomão. Os ministros Admar Gonzaga Neto e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, representantes dos advogados, estão rindo à toa: os mandatos terminarão somente em abril e maio do próximo ano, respectivamente. Ambos votaram pela absolvição da chapa Dilma-Temer, como os ministros Gilmar Mendes e Napoleão Maia.