Título: Direitos de crianças e adolescentes não são relativos
Autor: Sampaio, Arlete
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2012, Opinião, p. 15

Em 23 de março foi publicada decisão dos ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que causou assombro a todos aqueles que lutam pelos direitos humanos no país. Os julgadores acordaram que deve ser relativizada, conforme o caso concreto, a violência presumida no caso de estupro de vulnerável.

O fato concreto analisado pelo STJ é a violência sexual perpetrada por um adulto a três adolescentes, que à época dos fatos contavam com 12 anos de idade. Segundo consta na ementa do acórdão, "a situação da vida das pessoas que demonstram a inexistência de violação ao bem jurídico tutelado" impõe a relativização da violência presumida. Trocando em miúdos, a vivência sexual das adolescentes, que eram exploradas sexualmente, foi considerada para garantir a absolvição do acusado e a desconsideração do crime.

Destaque-se que a condição de exclusão e vulnerabilidade das vítimas, meninas de 12 anos, foi posta em julgamento e não a conduta do réu. Dessa forma, inverte-se o objeto da análise e são condenadas as meninas, quando a elas não é garantida a defesa de seu direito, evidenciando uma decisão de caráter explicitamente revitimizador.

Importante salientar que o Poder Judiciário, ao assim decidir, abre um precedente para a naturalização da exploração e do abuso sexual das crianças e adolescentes em nosso país, situação tão combatida por meio de campanhas nacionais, serviços de disque-denúncia, comissões parlamentares de inquérito, pactos internacionais, entre outros. Decisões como essa podem colocar a perder toda uma história de enfrentamento contra a exploração sexual por meio do turismo nas praias do Brasil, nas regiões metropolitanas e de fronteiras, em que as maiores vítimas são menores de idade.

O momento atual apresenta-nos a urgência de reflexões sobre quais medidas adotar para combater a incidência das redes de exploração sexual, que terão espaço favorável para submeter crianças e adolescentes a violências sexuais no período da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016. Retrocessos, portanto, são inaceitáveis, sobretudo quando emanam dos que aplicam a lei.

Faz-se necessário resgatar aqui o compromisso assumido pelo Estado Brasileiro na Convenção sobre os Direitos da Criança:

"Os Estados-Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos".

Mais: os mandamentos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade e integralmente, os direitos da criança e do adolescente.

Dessa maneira, entendo que a decisão do STJ é prejudicial para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, e somo-me àqueles que defendem que os direitos humanos dessa parcela da sociedade jamais sejam relativizados.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação Nacional dos Procuradores da República manifestaram publicamente sua perplexidade e preocupação diante do acórdão e solicitaram providências para a revisão da decisão.

No intuito de inserir a Câmara Legislativa do Distrito Federal nessa corrente nacional em defesa das vítimas de abuso e exploração sexual, será discutida, a partir de minha iniciativa, uma moção de repúdio a essa decisão. O objetivo é reafirmar os direitos da criança e do adolescente e contribuir para que seja reavaliada e revertida a posição do respeitável Superior Tribunal de Justiça.