O Estado de São Paulo, n. 45314, 10/11/2017. Política, p.A4

 

 

 

Aécio destitui Tasso e expõe 'guerra' no PSDB

Partidos. A um mês da definição do novo comando da sigla, ato de presidente licenciado abre nova crise; alas pró e contra governo se acusam de ‘golpe’ e uso da máquina partidária

Por: Pedro Venceslau / Renan Truffi / Felipe Frazão

 

Pedro Venceslau

Renan Truffi

Felipe Frazão / BRASÍLIA

 

O senador Aécio Neves (MG) destituiu ontem o senador Tasso Jereissati (CE) da presidência interina do PSDB e expôs a crise interna sem precedentes do partido, a um mês da convenção nacional que vai definir sua nova direção. Com base em prerrogativas do estatuto da legenda, Aécio, presidente licenciado do partido, indicou para o cargo o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, o mais velho dos vice-presidentes da Executiva tucana.

No tiroteio verbal, aliados de Aécio acusaram Tasso de usar a máquina partidária para se beneficiar, enquanto o outro lado apontou pressão do Palácio do Planalto para ajudar Marconi Perillo, governador de Goiás, na eleição partidária e ainda classificou a troca como “golpe”. O pano de fundo da crise é o embate entre a ala “governista” do PSDB e o grupo que prega o rompimento com a administração Michel Temer.

Em nota, o senador mineiro disse que o motivo da destituição foi a “desejável isonomia” entre os candidatos que devem disputar o comando do partido em dezembro: Perillo, que é apoiado por Aécio e pelos quatro ministros tucanos, e Tasso, que representa a “oposição” e lançou sua candidatura anteontem.

“Tasso virou o líder de uma facção do partido. Comprou um lado. Ele não pode usar a máquina. Se você entrar no site do PSDB só tem a campanha dele, que até destituiu diretórios que não o apoiam”, disse o deputado Marcus Pestana (PSDBMG). Ele e o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), que é aliado de Tasso, chegaram a bater boca no plenário da Câmara.

“Goldman já tinha combinado esse golpe rasteiro com o presidente Michel Temer, ministros e com Aécio Neves”, afirmou Coelho.

Goldman, por sua vez, alegou que Aécio tomou a decisão de destituir o presidente interino porque tem “prerrogativa partidária” para isso. “Aécio tem essa prerrogativa estatutária e eu apenas obedeço ao estatuto. Vou procurar fazer uma disputa com mais isonomia.”

 

‘Irreconciliável’. Tasso não aceitou uma saída voluntária proposta por Aécio e ironizou sua destituição. “Estou desempregado”, disse, destacando que o motivo pelo qual Aécio o tirou do cargo são diferenças “profundas” e “irreconciliáveis” entre eles de comportamento ético, político, visão de governo e fisiologismo.

O senador cearense afirmou que o Palácio do Planalto influenciou no ato de Aécio, que alegou sofrer “pressão”, sem detalhar de quem.

Ontem à tarde, no gabinete do parlamentar cearense, ele e o mineiro tiveram uma discussão dura. Aécio pediu ao colega, em uma conversa reservada, que renunciasse ao cargo para que houvesse “isonomia” na disputa. Tasso, então, respondeu em tom ríspido: “Você prorrogou seu mandato de presidente do partido sem consultar a Executiva”.

O cearense disse então que não renunciaria e, diante do posicionamento, Aécio o avisou que, com base no estatuto, determinaria sua destituição.

Segundo interlocutores do senador cearense, Tasso conversou por telefone com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que teria demonstrado “perplexidade”.

O ex-presidente interino recebeu telefonemas de tucanos de vários Estados, entre eles Geraldo Alckmin. “Eu não fui consultado. E, se fosse, teria sido contra, porque não contribui para a união do partido”, disse o governador paulista em nota.

Também em nota, Perillo, que começa hoje pelo Rio Grande do Sul a rodar o Brasil em campanha para presidir o PSDB, disse que seria “antiético” se não houvesse a destituição de Tasso. “A máquina partidária poderia pender para o lado de quem estivesse no comando”, afirmou Perillo.

Diante do impasse, ganha força a tese de se buscar um terceiro nome de consenso para presidir o PSDB.

 

Disputa interna. Tasso afirma que Aécio o tirou do cargo motivado por diferenças ‘profundas’ e ‘irreconciliáveis’ entre eles

 

‘Combinado’

“Goldman tinha combinado esse golpe rasteiro com o Temer, ministros e com Aécio Neves.”

Daniel Coelho

DEPUTADO (PSDB-PE)

 

“Aécio tem essa prerrogativa estatutária e eu apenas obedeço ao estatuto.”

Alberto Goldman

PRESIDENTE INTERINO DO PSDB

 

 

 

 

 

Indecisão hamletiana e foro privilegiado

Por: Vera Magalhães
 
 
 
 

 

ANÁLISE: Vera Magalhães

 

Até onde um partido pode ir para se desmoralizar publicamente? A julgar pelo PSDB, não há limite. Afastado do comando da sigla em virtude das graves acusações que pesam contra ele, denunciado pelo Ministério Público Federal e mantido no exercício do mandato por seus pares após uma queda de braço com o STF, Aécio Neves se recusou a renunciar definitivamente à presidência do PSDB.

Alegou que já estava afastado e a convenção que escolheria o sucessor definitivo estava próxima e não havia por que antecipar a saída. Agora, vê-se que não era bem assim: Aécio manteve o posto para influir nos rumos do partido. E o faz, reassumindo o cargo para destituir Tasso Jereissati do comando.

Aécio atende a apelos dos ministros de Michel Temer, que vinham se sentindo pressionados depois que artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pregou o imediato desembarque do governo, posição partilhada por Tasso.

Ao buscarem o denunciado Aécio para ser seu procurador, os ministros tucanos automaticamente se alinham a ele. E mostram ser seus comandados e integrantes de sua cota no governo.

A justificativa oficial para a troca de Tasso por Alberto Goldman, também vice, é a de que, como candidato à presidência do PSDB em dezembro, o senador influiria no pleito. Como se Aécio não tivesse comandado o partido em sua reeleição e, depois, na decisão da Executiva que prorrogou seu mandato por mais uma vez.

As pesquisas mostram que, hoje, o PSDB é um partido mais desgastado do que o PT. Isso porque perdeu o aval que tinha e não conserva algo que o PT detém: o apoio resiliente de uma massa de fanáticos.

Sem se preocupar em apresentar uma agenda ao País, envolto em sua eterna indecisão hamletiana de ser ou não ser governo e usado como bunker por um presidente preocupado em manter o foro privilegiado, o PSDB pode deixar de ser, em 2018, uma alternativa de poder. Mesmo tendo, hoje, os dois nomes mais aceitos pelo “establishment” para a sucessão de Temer.

E toda essa pororoca de infortúnios, diferentemente das do PT e do PMDB, foi autoimposta. Os tucanos agem como adoradores de Jim Jones.