​O Estado de São Paulo, n. 45322, 18/11/2017. Política, p. A6.

 

MPF quer reverter decisão da Assembleia

Constança Rezende / Rafael Moraes Moura / Adriana Ferraz / Marianna Holanda / Vitor Marques

18/11/2017

 

 

Procuradores rejeitam tese de que caso Aécio é precedente para afastamento de mandato

 

 

O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) que reveja a decisão da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) de suspender o afastamento dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, de seus mandatos. Para os procuradores, os parlamentares fluminenses só podiam rever as prisões e não os pedidos de afastamento das funções públicas.

A decisão da Alerj foi baseada na jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal ao transferir para o Senado o destino das medidas cautelares contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ontem, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello afirmou que viu com “perplexidade” o posicionamento dos deputados de revogar as medidas impostas pelo TRF-2 aos peemedebistas.

Para Melo, que no caso Aécio votou pela necessidade do aval do Congresso para serem aplicadas medidas cautelares, o assunto terá de ser discutido pelo STF. O Partido Social Liberal (PSL) já anunciou que vai recorrer à Corte para anular a sessão da assembleia que derrubou, ontem, as prisões dos deputados.

“Aquela decisão nada tem a ver com essa situação concreta”, comentou Marco Aurélio. “Acima da Constituição do Estado do Rio está a Constituição Federal. Ou seja, a lei das leis do País não é a Constituição do Estado do Rio, é a Constituição Federal.”

O MPF era contra o envio do decreto de prisão à Alerj. No entanto, o TRF-2 decidiu que, quando medidas cautelares impostas a parlamentares pelo Judiciário impedirem o exercício do mandato, o Legislativo deve dar a última palavra, seguindo o entendimento do Supremo no caso do tucano. Antes de o Plenário da Alerj votar, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia deliberou sobre a questão e concordou com o TRF.

 

Insegurança. O pedido do MPF para reverter a decisão de ontem será entregue ao relator do processo, Abel Gomes. Ele deverá convocar uma reunião de urgência na semana que vem para discutir o caso. “A briga do Ministério Público Federal agora será para garantir o afastamento (dos deputados)”, afirmou a procuradora da República Silvana Battini, que informou que vai entrar com pedido de afastamento cautelar dos deputados assim que a decisão da assembleia chegar ao TRF.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, o caso do senador Aécio Neves gerou insegurança jurídica. Para eles, foi aberto um precedente para casas legislativas discordarem de decisões judiciais e, com isso, a prisão de parlamentares deve ser dificultada. O debate sobre o fim do foro privilegiado está previsto para a próxima semana no STF e, segundo os especialistas, pode ser a solução.

“Criou-se um ambiente onde as casas legislativas se sentem à vontade para anular decisões judiciais, porque o casuísmo e a falta de conveniência de algumas decisões, por parte do Judiciário, geram esse embate”, afirmou o professor de direito da PUC-SP, Luiz Guilherme Conci. “Vai ficar mais difícil prender”.

O caso do Rio foi só mais um episódio na série de confrontos entre o Judiciário e a classe política. No final de outubro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e a de Mato Grosso devolveram mandatos a deputados afastados pela Justiça – um deles estava preso.

Segundo o cientista político e professor da FGV-SP Marco Antônio Teixeira, há um corporativismo cada vez mais acentuado entre os parlamentares. “Se o grupo investigado for o majoritário, a chance de ele ser preservado em votação no plenário é enorme”, afirmou.

Para o Presidente da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, Marcelo Figueiredo, a situação de Aécio e a de Picciani são muito parecidas. “Em ambos os casos, a decisão coube à casa legislativa, mas só deveria ser assim em caso de crime de opinião e atentado à democracia.” /CONSTANÇA REZENDE, RAFAEL MORAES MOURA, ADRIANA FERRAZ, MARIANNA HOLANDA e VITOR MARQUES

 

Deltan

O procurador da República Deltan Dallagnol criticou a decisão da Alerj: /"É uma amostra do que pode acontecer em Brasília e com a lava jato".

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Ministro do Esporte ‘some’ após operação

Felipe Frazão

18/11/2017

 

 

O ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), deixou nesta semana a agenda de gabinete, em Brasília, para prestar apoio à família depois que o pai, Jorge, e o irmão, Felipe, foram presos – decisão posteriormente revogada pela Assembleia Legislativa. O ministro passou a semana no Rio, acompanhando de perto a repercussão da Operação Cadeia Velha, que atingiu seu clã e a cúpula do PMDB fluminense.

Picciani nem sequer voltou a Brasília nesta semana. A última aparição foi ao lado do presidente Michel Temer, na segunda-feira passada, no lançamento de um programa emergencial de ações sociais voltadas para comunidades carentes por ocasião da intervenção das forças de segurança na cidade.

O ministro cancelou pelo menos dois compromissos públicos e não abriu a agenda para audiências com parlamentares, prefeitos, vereadores, secretários, atletas e dirigentes de confederações na capital federal. A assessoria não divulgou nenhuma atividade do ministro.

Nos corredores do Palácio do Planalto, entre representantes da base governista já começaram a circular rumores de que Picciani possa deixar o cargo, contra sua vontade, na reforma ministerial prometida pelo presidente. Ele deve concorrer à reeleição e planejava deixar o cargo apenas no ano que vem.

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ANÁLISE

 

Prerrogativas para proteger mandato servem de blindagem

Vera Magalhães

18/11/2017

 

 

A decisão da Assembleia Legislativa do Rio de revogar a prisão de Jorge Picciani e outros dois deputados estaduais levou a uma interpretação, corroborada inclusive por alguns juristas e ministros do Supremo Tribunal Federal, de que a decisão da própria Corte no caso Aécio Neves havia servido de base para a soltura.

Ocorre que é a própria Constituição, em seu artigo 53, que estabelece que parlamentares não podem ser presos, a não ser em flagrante de crime inafiançável. O mesmo artigo afirma de forma textual que, ainda nesses casos, cabe à Casa Legislativa aprovar ou não a prisão. Outro artigo, o 27, estende a deputados estaduais as imunidades e inviolabilidades estabelecidas pela Carta aos congressistas.

O ministro Marco Aurélio Mello foi um dos que disseram, ontem, que a decisão sobre o caso Aécio era restrita a congressistas e, portanto, não extensiva aos deputados estaduais. Mas não levou em conta o fato de que, no julgamento referente ao senador mineiro, o STF decidiu sobre medidas cautelares, e não prisão.

Ainda que os casos sejam diferentes, é curioso que, nos debates do plenário, vários ministros, entre eles o próprio Marco Aurélio, tenham aludido justamente ao risco de aquela decisão ser extensiva às Assembleias.

Na ementa de seu voto, que foi vencedor no caso Aécio, o ministro Alexandre de Moraes salienta que desde a Constituição do Império até a atual as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas, no intuito de preservar o Poder Legislativo de eventuais excessos ou abusos por parte do Executivo ou do Judiciário.

O problema de decisões como a de ontem na Alerj é que essas prerrogativas que deveriam proteger o parlamentar para o livre exercício do mandato acabam servindo de blindagem para crimes comuns. Uma mudança nessa situação depende de emenda à Constituição ou de uma ação de inconstitucionalidade que leve o Supremo a rediscutir a extensão da imunidade prevista no artigo 53. Afinal, é lícito que ela valha para crimes comuns, cometidos por meio de organização criminosa e em continuidade delitiva, como é o caso do Rio?