Valor econômico, v. 18, n. 4368, 25/10/2017. Brasil, p. A2.

 

 

Liminar do Supremo suspende novas regras do trabalho escravo

Cristiane Bonfanti e Luísa Martins

25/10/2017

 

 

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu em decisão liminar a portaria do Ministério do Trabalho que alterou as regras de fiscalização e combate ao trabalho análogo à escravidão. Na decisão, a ministra acolheu um pedido do partido Rede Sustentabilidade, que, em ação impetrada no STF, sustentou que o ato normativo viola princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e representa um retrocesso social.

A decisão vale até que o pedido da Rede Sustentabilidade seja analisado no Plenário do STF, ainda sem data marcada. Publicada semana passada, a portaria do Ministério do Trabalho alterou as regras de combate ao trabalho escravo e levantou fortes críticas do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério Público Federal (MPF) e até mesmo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Além de afirmar que a divulgação da "lista suja" - com o nome das empresas autuadas pelo delito - deve ocorrer por "determinação expressa" do ministro, o ato normativo define que, para que sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante de trabalho, por exemplo, deve haver a privação do direito de ir e vir do trabalhador. Apesar da repercussão, o governo tem admitido alterar pontos específicos da portaria, como a conceituação do delito, mas não revogá-la como um todo.

Segundo Rosa Weber, a portaria "tem como provável efeito prático a ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no Brasil a chaga do trabalho escravo, trazendo danos contínuos à dignidade das pessoas". Em sua decisão, a ministra afirmou que a definição proposta na portaria afeta as ações e políticas públicas do Estado brasileiro, no tocante ao combate ao trabalho escravo nas dimensões repressiva (ao repercutir nas fiscalizações), pedagógico-preventiva (ao disciplinar a inclusão de nomes na "lista suja") e reparativa (ao tocar na questão da concessão de seguro-desemprego ao trabalhador resgatado).

A relatora considerou que essas definições conceituais são "sobremodo restritivas" e não se coadunam com o que exigem o ordenamento jurídico pátrio, os instrumentos internacionais celebrados pelo Brasil e a jurisprudência dos tribunais sobre a matéria.

Rosa Weber destacou que, com base na evolução do direito internacional, a escravidão moderna "é mais sutil, e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos". "O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno", disse.

Em nota o Ministério do Trabalho disse que cumprirá a liminar, mas ressaltou que a decisão foi tomada de forma monocrática e "sem ouvir a parte contrária". "Embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário, concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária por sua excelência a ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho desde já deixa claro que cumprirá integralmente o teor da decisão", diz a nota.

O Ministério do Trabalho afirmou ainda que a minuta do texto legal que originou a portaria tramitou na consultoria jurídica e teve a sua legalidade subscrita por um advogado público de carreira. Segundo o órgão, eventuais medidas jurídicas no curso da ação impetrada no STF a respeito do tema serão tratadas pela Advocacia-Geral da União (AGU).

O ministério enfatizou também que não é a primeira vez que o tema da "lista suja" chega ao exame do STF e reiterou seu compromisso com o aprimoramento de ações de combate ao trabalho escravo no país. O órgão ressaltou que havia decidido aceitar as sugestões da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no sentido de aprimorar a portaria recentemente editada.