O Estado de São Paulo, n. 45287, 14/10/2017. Economia, p.B4

 

 

 

 

 

Atraso no Refis custa caro às empresas

Temer tem até lº de novembro para sancionar medida, mas com demora contribuintes podem ter de pagar entrada maior para aderir ao programa

Por: Adriana Fernandes Igor Gadelha

 

Adriana Fernandes

Igor Gadelha / BRASÍLIA

A demora na sanção pelo presidente Michel Temer da medida provisória (MP) que trata do novo Refis pode obrigar empresas e pessoas físicas a pagarem uma entrada maior para aderir ao parcelamento de débitos tributários, além de criar insegurança jurídica em torno do programa.

Na estratégia de conseguir os votos para barrar a segunda denúncia contra o presidente, o Palácio do Planalto está segurando a sanção da lei e a definição dos vetos presidenciais, o que só acontecerá depois da votação do pedido pela Câmara, prevista para a semana entre 23 e 27 de outubro.

O governo tem a seu favor o fato de o presidente ter prazo até o dia 1.º de novembro para sancionar a lei – justamente um dia depois do prazo final de adesão. Isso faz com que as empresas tenham de aderir ao programa com base nas regras originais da MP, que estabelecem uma entrada de 7,5% do valor da dívida para ter garantidos descontos mais generosos. De acordo com o texto aprovado pelo Congresso, essa entrada deve cair para 5%.

Depois da sanção, valerão as regras aprovadas pelos parlamentares, mas aí o dinheiro já estará no caixa. O valor pago a mais será descontado das parcelas seguintes. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, com o tempo maior para sanção, o governo ganha também tempo para acompanhar a arrecadação que está sendo feita e calibrar os vetos.

Professor de Direito Tributário da USP, o advogado Heleno Torres diz que a possibilidade de sanção após o fim do prazo de adesão gera insegurança para as empresas, que podem recorrer à Justiça se sentirem que foram prejudicadas de alguma forma. “Essa insegurança pode levar a uma enxurrada de liminares com base na teoria da proteção da confiança legítima”, alerta.

Torres explica que, com base nessa teoria, os contribuintes podem alegar que, diante da aprovação da MP pelo Congresso, tinham a expectativa de que a lei seria sancionada e eles poderiam aderir ao Refis com a base nas novas regras. “É uma teoria frágil, mas pode ser usada”, afirma. “Sancionar ou não antes do prazo de adesão é uma escolha política. Resta saber se o Judiciário vai concordar.”

O especialista em Direito Tributário Eduardo Costa e Silva, sócio do Godke Silva & Rocha Advogados, avalia que quem tem intenção de aderir o programa deve fazê-lo, mesmo tendo de pagar inicialmente um valor maior. “Não tem outra saída. Se a MP for sancionada no dia 1.º de novembro, quem tentar aderir não vai conseguir mais”, diz. Ele ressalta que essa situação prejudica o fluxo de caixa das empresas. “O governo não pensou nas empresas quando fez esse tipo de prorrogação, mas sim no caixa dele”, critica. Isso porque com a exigência de uma entrada maior para aderir ao programa, o governo consegue aumentar a arrecadação, o que ajuda o cumprimento da meta fiscal.

presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), ajudou a dar essa “carta na manga” para o Palácio do Planalto. Os senadores aprovaram a MP no dia 5 de outubro, uma quinta-feira. O peemedebista, porém, só enviou a proposta para sanção presidencial quase uma semana depois, em 11 de outubro. Com prazo de 15 dias para sancionar, Temer terá agora até 1.º de novembro para sancionar a proposta.

Relator da MP na Câmara, o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG) disse estar ciente da brecha. Dono de empresas que devem mais de R$ 50 milhões à União, ele afirmou, porém, que parlamentares envolvidos nas negociações vão “pressionar” o presidente para que a lei seja sancionada o mais rápido possível, “sem vetos”. “Todas as mudanças indevidas já foram feitas pelo Senado”, argumentou.

O Palácio do Planalto disse não ter como precisar quando o presidente vai sancionar a MP. Por meio de sua assessoria de imprensa, Temer informou que aguarda pareceres dos ministérios da área econômica para decidir o que sancionará e o que vetará. Fontes informaram, no entanto, que só depois da votação, a MP será sancionada.

 

O QUE FOI APROVADO NO CONGRESSO

Dívidas acima de R$ 15 milhões

- Entrada de 20%

- Opção de pagar o restante entre três modalidades: à vista em janeiro de 2018, com descontos de 90% nos juros e 70% nas multas; em 145 parcelas, com descontos de 80% nos juros e 50% nas multas; ou em 175 parcelas, com descontos de 50% nos juros e 25% nas multas

 

Dívidas até R$ 15 milhões

- Redução da entrada a 5%

- Possibilidade de usar créditos tributários abater dívidas com Receita e PGFN

 

 

 

 

Governo avalia criar ‘URV fiscal’ para fazer a transição tributária

Mecanismo permitiria novo sistema de partilha da arrecadação com os Estados pelos próximos 20 anos
Por: IDIANA TOMAZELLI e ADRIANA FERNANDES

 

BRASÍLIA

Sem conseguir avançar na reforma da Previdência, o governo tenta chegar a um consenso sobre uma proposta de reforma tributária para simplificar a estrutura de cobrança de impostos no País e dar alguma sinalização positiva ao mercado principalmente com a aproximação das eleições. As conversas contrapõem o Ministério da Fazenda, que quer apresentar um projeto mais simples de modificação no PIS/Cofins, e auxiliares do presidente Michel Temer, que trabalham em um texto mais abrangente.

Uma das ideias que ganham força no Palácio do Planalto é aproveitar o modelo desenhado pelo Instituto Atlântico e pelo Movimento Brasil Eficiente (MBE) que propõe a criação da URV Fiscal. O mecanismo vai permitir um novo sistema de partilha da arrecadação dos tributos com Estados, em 20 anos estimados para a transição.

É o “Plano Real dos impostos”, como vem sendo chamada a proposta de emenda constitucional (PEC). No Plano Real, a URV foi o instrumento que permitiu a transição para a nova moeda, o real, sem herdar a hiperinflação que resistiu a vários planos econômicos.

O assessor especial da Presidência Gastão Toledo, escolhido pelo presidente Michel Temer para levar adiante as discussões, disse ao Estadão/Broadcast que há possibilidade de finalizar a proposta até o fim deste ano. Mas o envio do texto ao Congresso Nacional dependerá do “ambiente político”.

Toledo foi um dos criadores do desenho do Instituto Atlântico para a URV Fiscal, em gestação já há alguns anos. A proposta difere em alguns pontos do texto apresentado pelo relator da reforma tributária, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDBPR), mas o Planalto já sinalizou que não necessariamente apoiaria a versão do parlamentar.

Um dos pontos em comum é a unificação de uma série de tri- butos incidentes sobre consumo em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), incidente sobre bens e serviços. Mas a transição é distinta. Pelo mecanismo da URV, os Estados receberiam duas parcelas do IVA, a primeira delas com valor nominal fixo, equivalente à média de arrecadação de dois anos anteriores à reforma.

A segunda parcela, “incremental”, já seria paga nos mol- des do novo sistema tributário, que prevê a transferência da cobrança do atual ICMS para o local de destino (hoje concentrada na origem dos produtos). Ainda assim, haveria uma redistribuição de parte do valor recolhido para os locais de origem.

A distribuição dos valores ficaria a cargo de uma Operadora Nacional da Distribuição da Arrecadação (Onda), a quem os contribuintes pagariam as guias dos tributos. A Onda, por sua vez, depositaria diariamente nas contas bancárias dos entes os valores devidos a eles. Com isso, centraliza a cobrança e funciona como uma “câmara de compensação” na transição.

Com o passar do tempo, a parcela “incremental” tende a ganhar espaço na arrecadação dos entes, diante da expectativa de retomada do crescimento e também porque a parcela fixa não terá correção pela inflação. Ao fim do período de transição, esse pagamento de um valor histórico deixaria de ser feito.

Sem a URV, a estimativa é de que Estados como Amazonas, que mais comercializam bens e serviços do que consomem, perderiam grande parte da arrecadação já no início das mudanças. Com a transição, o efeito sobre a arrecadação é bem mais suave. “O Estado passa a ter tempo para se reestruturar. Se ele ficar acomodado, perde arrecadação, porque não vai mais ganhar muito na origem”, explica a diretora do Instituto Atlântico, Erika de Oliveira e Silva.

A intenção é ter um resultado neutro, que garanta aos Estados um patamar semelhante de arrecadação ao que se tem hoje. A principal preocupação dos governadores – e que tem sido um entrave às negociações sobre a reforma tributária – é justamente o receio de perder receitas em meio a um cenário de crescimento de despesas. Para Erika, esse temor é compartilhado pela própria União, e a reforma significaria um “basta”. “O governo tem uma sanha arrecadatória, mas o problema está estourando, e o contribuinte é escravo desse sistema”, afirma. “Temos que ter transição que torne viável o novo sistema. Essa é a ideia de se estudar URV e ver como tributar sem causar solavancos”, explica Toledo. / IDIANA TOMAZELLI e ADRIANA FERNANDES

 

Receitas

“O governo tem uma sanha arrecadatória e o contribuinte é escravo desse sistema.”

Erika de Oliveira e Silva

DIRETORA DO INSTITUTO ATLÂNTICO

 

NOVAS REGRAS

Proposta ganha força no Planalto

1. A URV Fiscal é uma das propostas para simplificar a cobrança de impostos no País. O mecanismo, desenhado pelo Instituto Atlântico e pelo Movimento Brasil Eficiente, permite um novo sistema de partilha da arrecadação com Estados

2. A proposta tem em comum com o texto do relator da reforma tributária, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), a unificação de tributos incidentes sobre consumo no Imposto sobre Valor Agregado (IVA)

3. Pela URV, os Estados receberiam 2 parcelas do IVA: a primeira com valor nominal fixo, equivalente à média de arrecadação de dois anos anteriores à reforma; a segunda seria paga conforme o novo sistema tributário, que prevê a transferência da cobrança do atual ICMS para o destino (hoje concentrada na origem dos produtos)

 

 

 

Reforma tributária de Trump afeta Brasil

Mudança nos EUA pode aumentar pressão no Brasil pela redução do Imposto de Renda das empresas
Por: ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI

 

BRASÍLIA

Se aprovada pelo Congresso norte-americano, a reforma tributária defendida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode piorar a posição do Brasil em termos de competitividade internacional.

As mudanças no sistema tributário na principal economia do mundo também podem contribuir para aumentar a pressão dos empresários brasileiros para a redução do imposto de renda das pessoas jurídicas.

Como o foco da reforma é dar tratamento mais benéfico para as empresas americanas, a avaliação da área técnica da Receita Federal é que as exportações e a relações comerciais com os americanos vão ficar custosas.

A intenção de Trump é reduzir a carga de impostos para empresas e classes de renda média e alta. O texto prevê o corte de 35% para 20% dos impostos sobre as empresas. A tributação das empresas americanas vai ficar abaixo da média dos países da OCDE, em 22,5%.

O economista Bernard Appy, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, diz que a proposta pode aumentar a pressão no Brasil pela redução da carga tributária. No País, a tributação do imposto de renda das empresas é de 34%.“Tem uma tendência mundial de redução da tributação do Imposto de Renda. Isso vai gerar uma pres- são aqui também”, diz. Do ponto de vista macroeconômico, o risco é de que a reforma possa trazer problemas fiscais para os Estados Unidos e acelerar o processo de alta dos juros, com im- pacto negativo sobre o Brasil no futuro.

Beabá. O relator da reforma tributária, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), esteve recentemente nos Estados Unidos e discutiu pontos do projeto de Trump. “Nossa maior preocupação é simplificação, nem o beabá nós fizemos”, afirma. A proposta dos EUA pode tornar o país ainda mais competitivo, o que pode provocar uma migração na geração dos empregos de maior qualidade, avalia o vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz. “Se tiver queda da carga tributária, (os EUA) vão ser imbatíveis”, avalia Roriz. “Se o Brasil não colocar foco na competitividade, e a forma de tributar é fundamental, vamos nos distanciar dos mais competitivos”, diz.

Para o assessor especial da Presidência Gastão Toledo, que tem participado das discussões de reforma tributária, uma mudança no sistema tributário dos EUA “certamente vai afetar as transações internacionais”. Segundo ele, os resultados em torno da proposta ainda são incertos. “É primeiro necessário saber se isso é aceitável para o Congresso americano, que precisa fechar o Orçamento. Se é para reduzir carga, certamente vai ter que indicar outras fontes de receitas”, avalia. / ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI