Valor econômico, v. 17, n. 4362, 17/10/2017. Brasil, p. A6.

 

 

Ruralistas podem desistir de transferir demarcação de terras para Congresso

Cristiano Zaia

17/10/2017

 

 

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), defendeu em entrevista ao Valor que a bancada recue e desista de transferir da União para o Congresso a competência para demarcar terras indígenas. Ele fala em retirar esse ponto da polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que prevê mudanças no processo de demarcação e tramita há 17 anos no Congresso.

Leitão tentará convencer a bancada para que a PEC tenha chances de ser aprovada no plenário da Câmara. No ano passado, após muita tensão e diversas tentativas dos ruralistas de votar o texto, o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), ex-ministro da Justiça, foi aprovado por 22 votos a favor e nenhum contrário na comissão especial da Câmara para tratar da PEC. Parlamentares do PT e partidos de esquerda contrários à proposta abstiveram-se de votar. A tramitação está parada à espera da votação no plenário da Casa.

O gesto da bancada ruralista também ocorre num momento em que personalidades públicas como a modelo Gisele Bündchen e a produtora cultural Paula Lavigne deflagraram intensa campanha a favor do ambiente e contra a aprovação de vários projetos de lei sobre a questão ambiental no Congresso, como é o caso da PEC 215.

"Precisa trazer para o Congresso a demarcação de terras indígenas? Não. Podemos abrir mão disso? É óbvio. O que não pode é sair demarcando de forma sorrateira como agora, criando um pânico enorme na área rural brasileira, invadindo o direto à propriedade e incitando invasões", diz o tucano.

Eleito por Mato Grosso - líder na produção agropecuária -, o deputado defende que a demarcação das terras continue sob responsabilidade do Ministério da Justiça. Leitão afirma que prefere lutar por outras mudanças já propostas no texto da PEC, como a previsão de pagamento para indenizações a produtores rurais que têm propriedade em terras sob processo de demarcação e a participação de mais atores da sociedade (prefeituras, governos estaduais, Ministério Público etc.) sejam consultados durante o processo.

A proposta de incluir o Legislativo no processo de demarcação indígena sempre foi o ponto mais polêmico da PEC 215 e motivou nos últimos anos desavenças e tumultos durante as tentativas de votação na comissão. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), existem 561 terras indígenas no país, ocupando uma área de 116,8 milhões de hectares - equivalente a 13,7% do território brasileiro -, e mais 114 em estudo.

Para que a bancada ruralista faça a concessão no texto, porém, Leitão diz que é preciso haver diálogo "do outro lado", referindo-se à Funai e ONGs em defesa da causa indigenista.

O deputado também prega que os índios sejam mais ouvidos, e não só seus representantes, como Funai e ONGs. Na quarta-feira, a Comissão de Agricultura da Câmara fará uma audiência com líderes de indígenas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul para debater a possível inserção de índios na agricultura e pecuária.

"Queremos dar voz aos índios, saber o que eles querem, e não o que a Funai, as ONGS e os deputados querem. Precisamos saber o que eles querem e depois discutir a legislação para que eles possam produzir", conclui Leitão. Ele reconhece, entretanto, que diversas lideranças indígenas defendem que os índios não sejam "aculturados" e se tornem agricultores. Procurada, a Funai não se pronunciou.