Valor econômico, v. 17, n. 4357, 09/10/2017. Legislação & Tributos, p. E1.

 

 

Críticas a Moraes no STF diminuem, mas dúvidas persistem

Beatriz Olivon e Joice Bacelo

09/10/2017

 

 

Seis meses após a posse e participação em ao menos dez julgamentos considerados "sensíveis" para um recém-saído do governo federal, Alexandre de Moraes - o novato do Supremo Tribunal Federal (STF) - já não enfrenta as mesmas críticas calorosas da época de sua nomeação. O burburinho entre os frequentadores da Corte ainda existe. Mas são poucos os que o enxergam unicamente como uma voz política no tribunal.

Quando assumiu o cargo em março - ocupando a cadeira de Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo - a dúvida no meio jurídico era se o até então ministro da Justiça, filiado ao PSDB, conseguiria descolar da imagem de juiz a conduta político-partidária que assumira até então.

As provas de fogo, nesses primeiros seis meses como ministro, foram as participações em processos de forte impacto aos cofres públicos e outras que envolveram diretamente o presidente da República e integrantes do partido ao qual pertenceu.

"Imaginou-se que ele entraria com votos e posicionamento partidário à semelhança do ministro Gilmar Mendes. Só que isso não aconteceu", diz um jurista, explicando o porquê do enfraquecimento das críticas.

Isso não significa, no entanto, que o ministro esteja "desalinhado com as teses defendidas pelo governo", afirmam advogados ouvidos pelo Valor. Mostra disso, observam, ocorreu logo em sua chegada. Moraes foi decisivo em ao menos dois processos que mexeriam nas contas da União.

Novo ministro não liderou ainda posição polêmica, está simplesmente sendo mais um dos votantes

Um desses casos discutia a constitucionalidade do Funrural e o outro tratava da possibilidade de a administração pública pagar dívidas trabalhistas de empresas terceirizadas prestadoras de serviços ao governo.

No último processo, Alexandre de Moraes proferiu o voto de desempate. Todos os ministros já haviam se posicionado e o placar era de cinco votos contra a União e cinco a favor. Moraes bateu o martelo para livrar o poder público de débitos dessa natureza.

Já no julgamento sobre o Funrural, o ministro divergiu do voto do relator, Edson Fachin, e sua tese prevaleceu para permitir a tributação da receita bruta da produção comercializada pelo trabalhador rural (pessoa física). Na época, advogados tributaristas contrários à cobrança reagiram: o ministro estaria "pagando a conta" de sua indicação.

Entre os especialistas da área há um certo desconforto com relação à equipe do "novato". Moraes indicou como assessores dois procuradores da Fazenda Nacional. Paulo José Leonesi Maluf atuava na regional de São Paulo e Agostinho do Nascimento Netto já ocupou cargo de subprocurador regional no Rio de Janeiro.

"São profissionais extremamente qualificados. Não há discussão quanto a isso. Mas para quem vai ao gabinete tratar de casos contra a União é muito complicado. Veja você que ironia, a outra parte do processo é quem te recebe", afirma um tributarista que já despachou com os assessores do ministro. "É bom lembrar que eles não deixaram de ser funcionários da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional]. Eles estão cedidos ao STF", acrescenta.

Ambos os procuradores têm a maior parte dos seus salários paga pela Fazenda. A prática, no entanto, não é ilegal. Um servidor cedido geralmente recebe do órgão de origem e ganha um adicional do que o requisitou. Para tributaristas, porém, o formato, no Supremo Tribunal Federal, não pegou bem.

Há um temor por parte de advogados quanto à participação do novo ministro na "tese tributária do ano", como vem sendo chamada a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Essa foi uma das principais vitórias dos contribuintes no STF. Já para a União deve acarretar em perdas de R$ 20 bilhões ao ano.

Alexandre de Moraes ainda não integrava a Corte na época em que o mérito foi julgado. O acórdão, no entanto, foi publicado só agora e a Fazenda deve entrar nos próximos dias com o pedido de modulação para limitar os efeitos dessa decisão. Para tributaristas deve-se "aguardar com cautela" o impacto que o voto do novo ministro possa ter nesse julgamento.

 

 

Por outro lado, afirmam advogados que militam na Corte, tem de se ponderar o fato de o ministro dividir o plenário com outros dez julgadores. "Esses casos em que ele se manifestou a favor da União, por exemplo, eram polêmicos e provocaram muita divergência. Pelo menos cinco outros ministros votaram da mesma forma que o Alexandre de Moraes. Então como garantir que o voto dele foi simplesmente para se alinhar ao governo?", destaca outro jurista.

E mesmo os casos de decisão monocrática deixam dúvidas. A advogada constitucionalista Vera Chemim, que acompanha de perto os julgamentos do Supremo, considera os posicionamentos do ministro "sempre muito bem fundamentados".

Ela cita decisões em mandados de segurança que foram impetrados por parlamentares de oposição ao governo e também pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para que a presidência da Câmara dos Deputados desse andamento - seja para o processamento ou rejeição - de pedidos de impeachment contra Michel Temer.

"Poderia se especular que, ao negar os pedidos, ele tentou beneficiar o presidente. Mas não podemos dizer isso. Ele fundamentou o voto de forma correta, de acordo com o princípio da separação dos poderes", afirma a constitucionalista.

Alexandre de Moraes se manifestou ainda em uma outra ação em que havia o envolvimento direto de Michel Temer. Ele votou com a maioria dos ministros contra pedido da defesa do presidente para barrar o envio de uma segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República para a Câmara dos Deputados.

O presidente foi denunciado sob a acusação de obstrução de Justiça e organização criminosa e a sua defesa pleiteava à Corte que o processo não fosse enviado à Câmara até o fim da investigação sobre o acordo de delação dos executivos da J&F. O único que se manifestou a favor do pedido de Michel Temer foi o ministro Gilmar Mendes.

Moraes, porém, é visto com desconfiança por advogados em casos que envolvam pessoas ligadas ao PSDB. Ele foi o único da 1ª Turma a acompanhar o relator, ministro Marco Aurélio, contra o afastamento de Aécio Neves do cargo de senador, em julgamento realizado no mês passado.

Antes disso, em junho, Moraes já havia se manifestado contra manter em prisão preventiva a irmã e o primo do senador, Andrea Neves e Frederico Medeiros. Os dois haviam sido presos na Operação Patmos, em 18 de maio, após gravações divulgadas por Joesley Batista, um dos donos da J&F, tratando do pagamento de R$ 2 milhões ao senador.

Para Dalmo Dallari, professor aposentado da USP, que foi orientador de doutorado de Alexandre de Moraes, no entanto, o novo ministro não liderou "nenhuma posição polêmica". "Ele está, simplesmente, sendo mais um dos votantes", diz.

Dallari descreve a postura do novo ministro como "discreta, mas muito firme" e entende que, nesses primeiros seis meses, os seus posicionamentos foram todos constitucionais.

A avaliação de Rubens Gleser, professor da FGV-SP, é a de que o novo ministro não teve, até agora, espaço para grande protagonismo. Para ele, Alexandre de Moraes, em relação ao que era esperado tem, na verdade, se mostrado "morno".

Procurado pelo Valor, o ministro não quis se quis se manifestar sobre a reportagem.