Correio braziliense, n. 19929, 15/12/2017. Brasil, p. 5

 

29 anos sem o guerreiro

Natália Lambert 

15/12/2017

 

 

MEIO AMBIENTE » Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado em Xapuri devido à luta pela Floresta Amazônica. Viúva reclama da pífia punição aos criminosos

Na manhã de um mesmo 15 de dezembro, há 29 anos, Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, chegava em casa, em Xapuri (AC), para celebrar o aniversário com a família e os amigos. Fazia 44 anos. O ano havia sido difícil e grande parte dele vivido no Rio de Janeiro para se proteger de constantes ameaças de morte. “Tenho minha mulher, meus filhos. Vou passar meu aniversário e o Natal em casa. Se tiver que morrer, eu vou, mas não vou fugir da minha família”, disse a um amigo, que tentou demovê-lo da ideia de voltar ao Acre.

Naquela noite, festejou com um churrasco e uma festa simples. Sete dias depois, foi assassinado com um tiro de escopeta no peito. A surpresa veio ao abrir a porta de casa para tomar banho no banheiro que ficava a menos de dois metros de distância. Ali, nos braços da esposa, agarrado aos dois filhos pequenos, o seringueiro deu o último suspiro. “Eles tinham comentado que o Natal da nossa família seria um velório. Eu vivia com muito medo. Eles ficavam do lado de fora de casa o tempo todo cercando. O Chico sabia, mas talvez não acreditasse que fosse acontecer”, conta a viúva, Ilzamar Mendes.

Na época, os filhos do casal, Elenira e Sandino, estavam com 4 e 2 anos. Agora, neste dezembro, a mais velha realizou o sonho do pai e se formou em direito. “No dia da morte, o Chico conversou com as crianças como se elas tivessem 30 anos. Ele perguntou à Elenira: ‘Se o papai morrer, o que você vai fazer?’. Ela disse que ia chorar, e ele falou: “Não quero que você chore. Quero que você estude muito e seja doutora para defender os seringueiros’”, lembra Ilzamar.

Chico Mendes foi assassinado pela luta que deflagrou contra fazendeiros e serralheiros que avançavam pelos seringais, derrubando árvores nativas da Floresta Amazônica. Ligado ao movimento sindical desde 1975, criou o “empate às derrubadas”. Seringueiros e ribeirinhos da região se juntavam para desmontar o acampamento dos peões, desligavam motosserras e faziam barreiras com o próprio corpo para evitar a atuação em áreas ameaçadas de desmatamento. Por causa da falta de apoio no Brasil, buscou espaço no exterior para denunciar a destruição da região.

Entre 1987 e 1988, fez discursos no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Miami (EUA), e no congresso norte-americano. O movimento estimulou a visita de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Acre. O resultado foi a suspensão de vários financiamentos estrangeiros que o Brasil recebia à época para preservar a floresta. Ao mesmo tempo que a atitude lhe trouxe reconhecimento, agraciado pelo prêmio da ONU Global 500 de preservação ambiental, decretou sua morte.

“O Chico era um visionário. Ele saiu do convencional da luta pela terra, pelos direitos dos trabalhadores, e incluiu o meio ambiente, o planeta nisso tudo”, comenta o senador Jorge Viana (PT-AC). O parlamentar ressalta que, hoje, tanto o Brasil quanto o mundo estão sendo obrigados a discutir soluções para os problemas que o seringueiro alertava três décadas atrás. “Ele fazia isso nos anos 1980, quando não tinha conferência do clima, preocupação com a biodiversidade. Hoje, o foco está no combate às mudanças climáticas, no uso de energia limpa, no manejo florestal. Tudo aquilo que o Chico morreu por defender”, comenta Viana.

Culpados

Diante da comoção nacional e internacional com a morte de Chico Mendes, investigadores rapidamente chegaram aos assassinos: os fazendeiros Darly Alves da Silva e o filho Darci Alves. O primeiro teria sido o mandante, e o segundo, o executor. Em 1990, pai e filho foram condenados a 19 anos de prisão. Três anos depois, fugiram. Foram recapturados somente em 1996. Em 1999, os dois ganharam o direito de cumprir o restante da pena em prisão domiciliar.

A viúva não sente que houve Justiça. Para ela, o tempo de cadeia foi pouco e outros participantes não receberam condenação. “Não tenho dúvida da participação deles, mas também não tenho dúvidas de que existem outras pessoas. Quem pagou?”, questiona. Ilzamar comenta que não sabe de Darci, mas Darly vive “muito bem, obrigada” em Xapuri.

Frase

“Não tenho dúvida da participação deles (no assassinato), mas também não tenho dúvidas de que existem outras pessoas. Quem pagou?”