Valor econômico, v. 17, n. 4307, 28/07/2017. Política, p. A7.

 

 

Bendine é primeiro ex-presidente da Petrobras a ser preso

Rafael Moro Martins e Murillo Camarotto

28/07/2017

 

 

O ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil durante os governos do PT Aldemir Bendine foi preso ontem em Sorocaba (SP) na 42ª fase da Operação Lava-Jato, intitulada "Cobra" - codinome a ele atribuído nas planilhas do setor responsável pelo pagamento de propinas da Odebrecht. Ele é o primeiro ex-presidente da Petrobras a ser preso na Lava-Jato. Bendine, que tem cidadania italiana e viajaria hoje para Portugal, é suspeito de receber R$ 3 milhões em propina da Odebrecht.

Ao juiz federal Sergio Moro, o Ministério Público Federal (MPF) relatou não ter identificado se Bendine comprou passagem para retornar da Europa, o que para o magistrado "é um indicativo de possível fuga". O advogado de Bendine, Pierpaolo Bottini, enviou ao Valor cópia de um recibo, de pouco mais de R$ 18,5 mil, da compra de quatro lugares na classe executiva de um voo entre Lisboa e São Paulo, com escala em Campinas, no dia 19 de agosto. O documento é datado de 3 de julho.

Também foram presos os irmãos André Gustavo Vieira da Silva e Antônio Carlos Vieira da Silva Junior, apontados como operadores do pagamento da propina a Bendine. André Vieira foi preso por volta das 6h, no aeroporto do Recife, quando embarcava para Portugal - ele é publicitário e tem negócios no país, onde já fez campanhas políticas.

No despacho em que determinou as prisões, Moro afirma haver " existiria uma relação mais profunda entre Aldemir Bendine, André Gustavo Vieira da Silva e Antônio Carlos Vieira da Silva Júnior, os dois últimos aparentes profissionais da lavagem de dinheiro".

O decreto de prisão dos três é temporária, isto é, tem validade de cinco dias. Mas, no despacho em que determinou a medida, Moro afirma que irá decidir, ao fim dos cinco dias da validade da medida, transformar a prisão de Bendine em preventiva, "caso haja novo requerimento da autoridade policial ou do MPF nesse sentido".

Na prática, isso quer dizer que a análise do material apreendido ontem, com o cumprimento dos mandados de busca e apreensão realizados pela Polícia Federal podem manter Bendine na prisão por tempo indeterminado. A atuação de Bendine no Banco do Brasil não está sob investigação. A operação Cobra "é restrita à Petrobras", disse o procurador Athayde Ribeiro Costa, da força-tarefa da Lava-Jato no MPF.

Segundo o MPF, Bendine havia pedido R$ 17 milhões em propina à Odebrecht quando ainda era presidente do Banco do Brasil, para viabilizar a rolagem de dívida de um financiamento do braço agroindustrial do grupo. Em suas delações premiadas, Marcelo Odebrecht e Fernando Reis, executivo da empresa, disseram ter negado o pedido por não acreditarem que Bendine fosse capaz de interferir no processo.

No despacho, Moro diz que, numa reunião em janeiro de 2015 com Marcelo Odebrecht e Reis, Bendine "teria tratado dos efeitos econômicos da operação [Lava-Jato] sobre as empresas fornecedoras da Petrobras e alegado que teria sido encarregado pela Presidência da República para tratar de assuntos de liquidez com elas".

Em entrevista coletiva, o procurador Costa disse que Bendine usou o nome da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) "para se promover" perante os empreiteiros nos pedidos de propina. "Mas nada foi apontado de concreto [contra a ex-presidente]", ressalvou.

Em maio de 2015, Bendine e Marcelo Odebrecht encontraram-se na casa de André Gustavo Vieira. "Diante do poder do cargo de presidente da Petrobras, [os executivos] resolveram desta feita ceder à solicitação, pelo menos parcialmente, tendo acertado um pagamento de R$ 3 milhões, conforme relatado pelo próprio Marcelo Odebrecht", anotou Moro.

O pagamento, segundo o MPF, foi realizado em três parcelas, em junho e julho de 2015. Os procuradores sustentam que o dinheiro foi entregue a Bendine por André Gustavo num apartamento no Paraíso, região central da capital paulista, que pertence ao irmão dele. Marcelo Odebrecht foi preso em 19 de junho pela Lava-Jato.

Em 2017, quando as delações da Odebrecht e a abertura de inquérito contra Bendine se tornaram públicas, ele emitiu notas fiscais para caracterizar o dinheiro com um pagamento por serviços de consultoria. "Mas uma consultoria de R$ 17 milhões ser reduzida para R$ 3 milhões é inusitado. E o recolhimento de impostos, em 2017, de um serviço realizado em 2015, só após a investigação se tornar pública, é outro indício [de tentativa de ocultação de crime]", afirmou Costa, do MPF.

Também chamou a atenção do MPF o fato das notas, emitidas pela MP Marketing Planejamento Institucional e Sistema de Informação Ltda., dos irmãos Vieira da Silva, não ter empregados. "A empresa, em sua existência, só emitiu cinco notas fiscais. Duas foram para a J&F, cujos executivos disseram, em delação premiada, que usavam os irmãos para fazer pagamentos a agentes políticos", afirmou o procurador. "O recolhimento de tributos extemporaneamente, em 2017, somente após terem as colaborações se tornado públicas, também não favorece o álibi", observou Moro, no despacho.