Correio braziliense, n. 19899, 15/11/2017. Mundo, p. 12.

 

À beira do precipício

Rodrigo Craveiro

15/11/2017

 

 

VENEZUELA » Agências de classificação de risco Standard & Poors e Fitch declaram a nação sul-americana em “default seletivo”, depois de calote de bônus de milhões de dólares. Caracas anuncia pagamento, mas não apresenta plano para renegociar a dívida externa

 

 

O futuro econômico da Venezuela está nas mãos de Rússia e China. No entanto, especialistas alertam que o prognóstico é desalentador, após a agência de classificação financeira de risco Standard & Poors declarar o país sul-americano em “default parcial”. Na tarde de ontem, o governo de Nicolás Maduro anunciou ter iniciado o pagamento dos juros de US$ 200 milhões de sua dívida soberana, relativos a dois bônus globais. A agência Fitch colocou a estatal petroleira PDVSA em “default restrito”, ante o atraso nos títulos com vencimentos em 2 de novembro e 27 de outubro, a US$ 1,1 bilhão (capital e juros) e a US$ 842  milhões (capital).

“Estamos refinanciando a dívida externa. Somos bons pagadores, apesar do que dizem as classificadoras de risco, o Departamento de Tesouro, a União Europeia (UE) e Donald Trump. Eles não se importam, pagaremos em comum acordo com os donos dos títulos”, assegurou o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez. Apesar de terem se encontrado com credores em Caracas, as autoridades do Palácio de Miraflores não apresentaram qualquer esboço para a renegociação da dívida externa, avaliada em US$ 150 bilhões. “Começamos de maneira franca, clara e correta o refinanciamento de nossa dívida externa”, comemorou Rodríguez, enquanto credores não esconderam a decepção.

Credores também reunidos na sede da Associação Internacional de Swaps e Derivativos (Isda), a qual congrega proprietários de títulos, adiaram a decisão sobre a dívida. O Brasil tenta negociar com Caracas a quitação de uma dívida atrasada, do mês de setembro, de US$ 262 milhões em créditos para a exportação garantidos pelo Estado. “O Ministério da Fazenda, na qualidade de garantidor de operações de crédito à exportação, tem acionado os canais oficiais de comunicação do governo da Venezuela para garantir a regularização de operações em atraso”, afirmou a pasta, em e-mail enviado à agência France-Presse.

Na prática, a Venezuela se desconecta ainda mais do mercado internacional, o que pode refletir no agravamento da crise humani-tária. “Quanto mais o default durar, maior será o impacto, tanto econômico quanto social, pois a população já sofre enormes dificuldades em termos de escassez de bens, inflação elevada e insegurança”, afirmou ao Correio Stuart Culverhouse, economista-chefe da Exotix Partners LLP, empresa sediada em Londres. De acordo com ele, muitos credores tendem a suspender a concessão de empréstimos a países em default. “A falta de acesso ao capital impactará potencialmente a economia e os serviços públicos. Nesse caso, os credores têm sido cautelosos em repassar dinheiro a Caracas há algum tempo, ante a deterioração econômica. Então, o atual impacto econômico pode ser limitado, pois a Venezuela tem sido excluída dos mecados.”

 

Petróleo

Para o argentino Fernando Freijedo, analista para América Latina da empresa The Economist Intelligence Unit (ligada à revista The Economist), a dificuldade da Venezuela em quitar as dívidas com os credores internacionais tem explicação em sua principal commodity. “O país viu diminuir a receita de petróleo, com a queda na produção. A Venezuela está atrás de pagamentos e, se os credores tomarem ações jurídicas em Nova York, isso poderia indicar mais quedas nas exportações, principalmente se os tribunais congelarem os ativos da PDVSA  nos EUA”, explicou à reportagem.

Freijedo não vê danos consideráveis ao Brasil. “O impacto é insignificante, à medida que os mecanismos de transmissão para o LatAM (as ligações entre a Venezuela e o restante da América Latina) têm progressivamente se tornado mais fracos, com o encolhimento da economia venezuelana e seu isolamento nos mercados financeiros e comerciais”, observa. O argentino afirmou que a permanência de Maduro no poder seria colocada à prova, em caso de queda precipitada na receita das exportações — segundo ele, usada pelo governo para apaziguar aliados na rede militar e clientelista. “Isso pode ocorrer se os Estados Unidos impuserem sanções sobre o comércio ou se as ações legais de detentores de títulos nos EUA resultarem na incapacidade da PDVSA de exportar para o território norte-americano.”

A agência de notícias France-Presse informou que Maduro anunciou avanços nas negociações com a China, uma dívida de US$ 28 bilhões, e com a Rússia. Caracas deve assinar, ainda hoje, um acordo de reestruturação de US$ 3 bilhões dos US$ 8 bilhões devidos a Moscou. “A Venezuela tem a capacidade de resolver o problema da dívida”, garantiu o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Pequim, Geng Shuang, ao qualificar de “normal” a cooperação sino-venezuelana em financiamento.