Correio braziliense, n. 19892, 08/11/2017. Opinião, p. 11

 

A controvertida reforma trabalhista

Almir Pazzianotto Pinto 

08/11/2017

 

 

A esperada Lei nº 13.467/2017, prestes a entrar em vigor (11/11), viola os princípios que regem a técnica legislativa. Padece de falta de clareza. Ao abandonar o projeto do presidente Michel Temer, limitado a alterações da legislação sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas, e à valorização das negociações coletivas, “na busca de um resultado mais amplo e democrático possível”, o ilustre deputado Rogério Marinho atirou-se à ambiciosa empreitada, da qual resultou a produção de texto prolixo, com expressões obscuras, que seminários e congressos procuram interpretar.

Na obra-prima denominada Répica, na qual desenvolve erudita análise literária e redacional do projeto de Código Civil de 1916, elaborado por Clóvis Bevilaqua, Rui Barbosa ensinou que, “se a lei não for certa, não pode ser justa: (...) Para ser certa, porém, cumpre que seja precisa, nítida, clara” (vol. II, pág. 304).

A comissão redatora deveria saber que qualquer tentativa de mudança da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) enfrentaria barreiras políticas e jurídicas. Alguma reforma, porém, mostrava-se indispensável; de um lado, como veículo de aquisição de confiança do governo perante o empresariado; de outro, para gerar clima de segurança no cenário trabalhista. Exigia-se proposta que viesse a trazer resultados rápidos e aptos a resistir a toda sorte de questionamentos. Para tanto, bastaria observar o Art. 7º, I, da Lei Complementar nº 95/1998, que dispõe sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, que prescreve: “Excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto”. O objeto, necessariamente, seria o contrato individual de trabalho.

Apesar do nome consolidação, a CLT é autêntico Código do Trabalho. Encerra as definições essenciais, normas gerais e especiais de tutela do trabalho, trata do contrato individual, da organização sindical, das convenções e acordos coletivos, da Justiça do Trabalho, do Processo Judiciário do Trabalho. Adota, como princípios, a presunção da hipossuficiência e o contrato real. Reveste-se de espírito tutelar e coloca o Estado como árbitro das relações de trabalho. A lei tenta caminho diferente. Concede ao trabalhador o direito de tomar decisões unilaterais e relaciona matérias nas quais a negociação coletiva adquire força superior à da lei.

A certa altura diz o relatório: “O respeito às escolhas individuais, aos desejos e anseios particulares é garantido pela nossa Lei Maior. Não podemos mais negar liberdade às pessoas, não podemos mais insistir nas teses de que o Estado deve dizer o que é melhor para os brasileiros negando-os (sic) o seu direito de escolher. Precisamos de um Brasil com mais liberdade”. Creio que todos concordam com tais afirmações. Ocorre, todavia, que a CLT dispensa tratamento ao trabalhador distinto daquele que recebe do Código Civil, para o qual “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática dos atos da vida civil” (Art. 5º).

Nas relações individuais de trabalho, o cidadão ou cidadã jamais conquista capacidade plena de direitos e obrigações. A previsão legal da hipossuficiência os acompanhará para sempre, independentemente da espécie de emprego e da condição do trabalhador, ou de o trabalho contratado ser intelectual, técnico ou manual, como está no parágrafo único do art. 3º.

A lei revoga os parágrafos 1º e 3º do art. 477, que dispunham sobre a assistência ao empregado desligado com mais de um ano de serviço, pelo sindicato ou órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego, para garantia da lisura das contas e do pagamento, tema da Súmula 330,  do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas preserva o parágrafo 2°. Destarte, qualquer que seja o tempo de serviço, o recibo será firmado diretamente, tendo especificada a natureza de cada parcela e discriminado o seu valor, “sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas”.

Entre as preocupações que assaltam o empregador, a validade da quitação ocupa lugar de destaque. A quitação direta e o “termo de quitação anual das obrigações trabalhistas, perante o sindicato da categoria”, conforme reza o art. 507-B, trarão solução definitiva? Muitas dúvidas martelam o cérebro de empregadores.

(...)

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho