Correio braziliense, n. 19870, 17/10/2017. Política, p. 02.

 

Ausências devem adiar caso Aécio

Natália Lambert

17/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Com 13 parlamentares licenciados ou em viagens oficiais, Senado pode deixar para depois a decisão sobre o afastamento do tucano. Além disso, PMDB e PP se movimentam para decidir se a votação, ainda indefinida, será aberta ou fechada

 

 

Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter determinado ao Senado, na semana passada, que decida sobre o afastamento e o recolhimento noturno do senador Aécio Neves (PSDB-MG), a votação marcada para hoje em plenário pode ser adiada. Além de, pelo menos, 13 parlamentares que estão, oficialmente, licenciados — por questões médicas ou em viagem de representação — há um movimento, principalmente, em partidos como o PMDB e o PP, para deixar o quórum baixo. Lideranças no PSDB avaliam apresentar um requerimento para adiar a votação caso o número de presentes em plenário não esteja acima dos 70 senadores.

A pouco menos de um ano das eleições, poucos parlamentares querem se comprometer com votações polêmicas, especialmente, em processos relacionados à Operação Lava-Jato. Entretanto, a lista dos oficialmente ausentes inclui nomes como o do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), que fraturou o ombro ao ser derrubado por uma mula, Cristovam Buarque (PPS-DF) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que estão em Abu Dhabi no WorldSkills 2017, e a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que está no Fórum Parlamentar do Brics na Rússia — todos votos declarados contra Aécio. “Se você reparar, a maioria dos que não estarão aqui amanhã (hoje), são votos que prejudicariam o senador. Ou seja, isso pode ser uma vantagem. Se o cenário for positivo, o partido deve encarar a votação”, comenta um tucano que prefere não se identificar.

Além da análise sobre a falta de quórum, o plenário terá de decidir antes se a votação sobre as penas impostas a Aécio será secreta ou aberta — mais uma questão que envolverá um ministro do STF, no caso, Alexandre de Moraes. O magistrado, que se desfiliou do PSDB em fevereiro deste ano ao tomar posse no Supremo, foi sorteado para relatar o mandado de segurança protocolado ontem pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pedindo a votação aberta de medidas cautelares contra parlamentares.

“O objetivo é assegurar o que diz claramente a letra da Constituição. A votação em relação às medidas preventivas relativas ao mandato do senador Aécio Neves tem de ser aberta. O STF nos determinou que fizéssemos na data de amanhã a resolução desse impasse que sangra o Senado e impacienta a República”, afirma Rodrigues. Até o fechamento desta edição, Alexandre de Moraes não havia publicado a decisão. Fontes ligadas ao presidente da Casa, Eunício Oliveira, afirmam que, independentemente de decisões judiciais, o plenário é “soberano” e ele decidirá como será a votação.

O impasse é causado por causa de uma brecha jurídica. Em novembro de 2003, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 76 para abolir a votação secreta nos casos de perda de mandato de deputado ou senador e de apreciação de veto. Entretanto, o texto é visto por juristas como ambíguo, já que não diz que a apreciação tem de ser por meio de voto aberto. Diante da falta da palavra, parlamentares defendem que a regra que prevalece é o regimento interno do Senado, que determina o voto secreto.

 

Ação popular

Na última sexta-feira, o juiz Márcio Luiz Coelho de Freitas, da Sessão Judiciária do Distrito Federal, concedeu uma liminar em uma ação popular movida pela União Nacional dos Juízes Federais obrigando o Senado a adotar a votação aberta. A liminar foi encarada com estranhamento por lideranças na Casa, que afirmam que a Justiça não tem poder para dizer o que o Parlamento pode ou não fazer.

Procuradas, tanto a Presidência quanto a Mesa Diretora afirmaram não ter recebido o documento. Em entrevista à Agência Senado, o secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, disse não ter sido intimado e ter recebido a notícia com “certa surpresa”. “Acredito que, se for verdadeiro, isso causará certo estranhamento na Casa, em virtude da autoridade que teria proferido tal decisão”, disse.

 

Semelhança

Em novembro de 2015, senadores tentaram usar a interpretação para fazer com que a votação sobre a prisão do então senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) fosse secreta, mas, em análise a um mandado de segurança, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin determinou que a votação deveria ser aberta. Diante da decisão, o plenário resolveu, por meio de uma questão de ordem, abrir a votação e a manutenção da prisão foi decidida por 59 votos favoráveis, 13 contra e 1 abstenção. Em maio do ano passado, por 74 votos a favor, nenhum contra e uma abstenção, Delcidio foi cassado.

 

Conflito de regras

Em novembro de 2003, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 76, que alterou o § 2º do artigo 55 e o § 4º do artigo 66 da Constituição, para abolir a votação secreta nos casos de perda de mandato de deputado ou senador e de apreciação de veto. Confira o que diz o texto:

 

“A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”

 

Já o Regimento Interno do Senado prevê as seguintes hipóteses de votação secreta:

“I - Quando o Senado tiver que deliberar sobre:

a) exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República;

b) perda de mandato de senador, nos casos previstos no art. 55, § 2º, da Constituição;

c) prisão de senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável;

d) suspensão das imunidades de senador durante o estado de sítio;

e) escolha de autoridades;

 

II - Nas eleições;

III - Por determinação do plenário.”