Correio braziliense, n. 19865, 12/10/2017. Política, p. 04.

 

ENTREVISTA - Torquato Jardim

12/10/2017

 

 

Ministro da Justiça afirma que a Polícia Federal e o Ministério Público podem trabalhar em conjunto nas colaborações. Disputa pelo poder de fechar acordos está parada no Supremo

 

 

A PF deve negociar delações com o MP

 

Em entrevista, ontem, ao programa CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, defendeu a possibilidade de a Polícia Federal negociar, em conjunto com o Ministério Público, as delações premiadas. A autorização para que a corporação feche a colaboração está parada hoje, no Supremo, por causa de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Assim, hoje, apenas os procuradores estão oficialmente liberados para tratar com possíveis delatores de esquemas criminosos.

“Dependendo da investigação, as duas instituições devem ter a capacidade de negociar uma delação para bem formar uma a outra”, disse Torquato. Quanto ao comando da Polícia Federal, ele garantiu a continuidade de Leandro Daiello até a finalização de um projeto de modernização da instituição. “O delegado Daiello já anunciou várias vezes para a imprensa sua intenção de pedir a aposentadoria, só que ela está postergada para quando terminar esse trabalho.”

O ministro falou ainda sobre a segunda denúncia apresentada contra o presidente Michel Temer, a quem ele considera inocente. “Ela é improcedente, é falha, está sustentada em fatos não completamente investigados, ela foi uma temeridade”, analisa. Torquato também falou sobre a reforma política e as polêmicas sobre o financiamento de campanhas.

 

Recentemente, o senhor criticou o MP, na delação da JBS. Disse que houve pouco preparo de quem atuou no caso. A PF está mais preparada para fechar esses cordos do que o MP?

A questão preliminar é treinamento específico, dominar a tecnologia de investigação. É estar preparado para fazer interrogatório. Quem faz interrogatório, treinado para tanto, lê nos olhos, vê o movimento das pessoas, o movimento das carótidas, o tom da voz, a linguagem corporal, quem observa isso tudo não se deixa enganar, sempre tem que perguntar mais. Esse é o treinamento típico do policial e não é típico do promotor. Dependendo da investigação, as duas instituições devem ter a capacidade de negociar uma delação para bem formar uma a outra. A PF faz, obtém a delação, não emite juízo, ela transfere os fatos ao MP para que ele dê tratamento jurídico aos fatos. Isso é importante. A investigação da PF é técnica. Ela não emite juízo jurídico, compete exclusivamente ao MP.

 

Mas é possível essa parceria?

Pois há uma disputa clara as corporações.

É grave porque a parceria tem que ser totalmente integrada. Tanto é que há peritos da PF requisitados no MPF justamente para que haja essa interação. No caso específico das fitas do Joesley, elas foram judicializadas sem autenticação prévia da PF, isso foi uma quebra da boa relação de trabalho.

 

Não há uma demora no STF nessa decisão? Uma delação específica do marqueteiro do PT está parada porque essa decisão do Supremo não vem. O senhor espera uma rapidez maior em relação a essa definição?

Quanto mais rápido vier, melhor para resolver essas questões todas, mas o Supremo é dono do seu tempo, tem duas dúzias de temas importantes e urgentes a decidir. Quando tomar a decisão, dentro desse tempo, facilitará muito o trabalho dessas duas instituições. Aí será sempre uma parceria, casamento de operações.

 

Em relação à troca de comando da PF, o senhor, em determinado momento, disse que haveria uma lista tríplice para a escolha do presidente e depois confirmou o Daiello em uma outra entrevista...

A decisão do presidente Michel Temer transmiti ao delegado Daiello: que ele tirasse férias e voltasse descansado, porque não há data para sua saída. Nós fizemos um projeto de modernização da PF, que significa mais tecnologia e mais ações internacionais, porque os cinco principais crimes que o Brasil precisa combater são internacionais: drogas, armas, crimes financeiros, tráfico de pessoas e terrorismo. Tudo isso se passa no espaço global. É o trabalho que ele e sua diretoria trazem. Depois, delineado isso, o delegado Daiello já anunciou várias vezes para a imprensa sua intenção de pedir a aposentadoria, só que ela está postergada para quando terminar esse trabalho. Não damos prazo, o produto é de qualidade, e não de tempo.

 

Mas falta um ano para o fim do mandato do presidente.

Mas a PF vai demorar muito mais que um ano, então, vamos pensar um projeto para cinco, 10, 15 anos à frente.

 

O TSE precisa regular a questão das redes sociais nas eleições?

O TSE tem dois grandes desafios de regulamento: o primeiro é esse da campanha nas redes sociais e o segundo é como distribuir, internamente, a cada partido político, a verba pública do fundo eleitoral. A lei cria o fundo eleitoral, como dividir as fatias entre os partidos políticos, mas não define como, dentro de cada partido, será feita a divisão. Então, tem que buscar uma regulamentação com o desafio de não ferir a autonomia constitucional de partido político enquanto associação civil. Na mídia social, foi vetado aquele mecanismo de o próprio candidato, sem intervenção judicial — e aqui foi o pecado, sem decisão judicial —, retirar a propaganda do ar. É um equilíbrio que o tribunal terá que decidir. Não sei se será possível mediante regulamento ou se terá que decidir em julgamentos sucessivos de muitos casos concretos. O fato é que a agressão é imediata quando entra na mídia social e a resposta pode vir depois da eleição.

 

Como é possível esse controle da internet uma vez que, às vezes, essas notícias vêm falsas até hospedadas por sites fora do Brasil?

Controle da consequência. Então qual foi o pecado do Congresso Nacional? Permitir que o candidato por si mesmo requeresse e obrigasse a retirar o conteúdo. Se tivesse previsto uma intervenção judicial na Justiça Federal, por exemplo, ainda que o juiz da propaganda tivesse 12 horas ou 10 horas para tomar a decisão, já serviria.

 

Existe a possibilidade de uma atuação da PF em parceria com o TSE, por exemplo?

É claro que tem, é a polícia judiciária do poder federal, ela já é parceira do TSE.

 

Como jurista, como o senhor avalia a segunda denúncia em relação ao presidente?

O jurista licenciado da OAB. Posso colocar como ministro de Estado. Ela é improcedente, ela é falha, está sustentada em fatos não completamente investigados, ela foi uma temeridade.

 

Então o senhor acha que o presidente é inocente?

Totalmente.

 

Como o senhor avalia a barganha no Congresso?

Isso é da lógica parlamentar. Já assistiram àquele filme, Lincoln? Como é que ele conseguiu passar a emenda parlamentar que terminou a escravidão? Eu não vou contar… Quem não viu o filme que assista ao filme, vão ficar surpresos. Isso acontece com todo mundo, no caso brasileiro, a insistência em desestabilizar o governo, é evidente. A insistência em desestabilizar a economia brasileira é evidente. Só que a economia foi mais fácil reagir, fácil entre aspas porque opera meios de contenção de juros, contenção de deficit, o investimento mais estrangeiro, controlar o câmbio, criar incentivo fiscal para aumentar a exportação. Há vários mecanismos de gerência econômica que escapam à influência pequena do pequeno político. Então foi possível desgarrar a economia. Agora o outro lado da política é mais difícil, é mais sutil, é mais subjetivo, precisa de outros mecanismos de convencimento. E aí, insistir em suscetíveis denúncias, malpostas e especulativas, causa prejuízo sim. Aqui está sabido no Brasil, dia 17 de maio estava acordada emenda constitucional da Previdência, surgiu aquela fita manipulada, malposta que ainda não está autenticada e o Brasil viveu o que está vivendo, de modo que há prejuízos, o trato político fica mais difícil. Mas eu acho que a despeito disso o governo está cada vez maior, o presidente Michel Temer está sobrevivendo a isso tudo e o que é mais importante mediante mecanismos constitucionais.

 

Mas a popularidade do residente está muito em baixa,e as pesquisas cada vez mais indicam isso. O senhor acha que o presidente precisa se reocupar com popularidade?

Não, ele está preocupado com o resultado que ele vai entregar no dia que ele for embora.

 

O que o senhor acha das candidaturas avulsas?

Um dos traços da democracia estável é a candidatura via partido político, porque a democracia é representativa, não podemos todos tratar de todos os assuntos. Algumas pessoas são os representantes, têm sido assim a democracia e a consolidação da democracia. Os partidos políticos são previstos na Constituição, o avulso é um aventureiro. Por mais novidadeiro que você queira ser, você tem que ser vinculado a um bloco político, é isso que dá estabilidade à democracia.

 

Em relação ao autofinanciamento, não precisa ter um limite?

Aí é uma compreensão de fundo constitucional que eu acho que no final das contas quem vai decidir é o TSE.

 

Ou seja, o TSE mais uma vez vai ter que regular?

Não vai ser regulamento, vão ser decisões, casos concretos para saber se há abuso de poder econômico ou não. A Constituição proíbe o abuso de poder econômico e traz o abuso de poder como caso de nulidade do mandato.

 

Ou seja, tem um desequilíbrio evidente?

Sim. Quebra a regra da economia.

 

A reforma política foi pior…

Toda reforma política é boa, gera controversas e coloca as pessoas para trabalhar. Agora, esse ponto específico do financiamento, está inconcluso.

 

O que foi bom nessa reforma política?

Acabar com a coligação, isso é ótimo.