Correio braziliense, n. 19851, 28/09/2017. Política, p. 2.

 

Cenário favorável para Aécio

Natália Lambert

28/09/2017

 

 

Decisão do Supremo de afastar o senador tucano do cargo é rechaçada por parlamentares do governo e da oposição - incluindo os do PT -, que receberam apoio até mesmo de ministros da Corte

 

 

A determinação do afastamento do mandato e recolhimento noturno do senador Aécio Neves (PSDB-DF) movimentou mais os debates no Congresso na quarta-feira do que a reforma política, a medida provisória do Refis ou até mesmo a denúncia contra o presidente Michel Temer. A medida colocou partidos como PSDB, PMDB e PT lado a lado em repúdio a uma suposta interferência do Supremo Tribunal Federal (STF). O Senado levará a decisão ao plenário para que seja revista — movimento que conta com o apoio até de integrantes da própria Suprema Corte.

Responsável por ter derrubado a primeira decisão pelo afastamento do ministro Edson Fachin, em 30 de junho, e ter reconduzido Aécio ao mandato, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou ontem que os senadores podem rever a determinação da Primeira Turma do STF. “O que nós tivemos foi a decretação — vamos utilizar o português — de uma prisão preventiva em regime aberto. Em vez de ele se recolher à casa do albergado, ele se recolhe à própria residência, que acredito que seja mais confortável. Caberia a análise do Senado. Se ele pode rever uma prisão determinada pelo Supremo, ele pode rever uma ‘medida acauteladora’”, comentou.

Além disso, Marco Aurélio dá argumentos para que o Senado reveja, inclusive, a suspensão do mandato parlamentar. “Uma coisa é o afastamento de uma cadeira administrativa, como ocorreu no caso do então presidente Renan (Calheiros). Outra coisa é o afastamento do exercício de um mandato outorgado pelo povo. Não estou incitando o Senado à rebeldia, mas, se ele pode mais, que é rever uma prisão, o que dirá no tocante à suspensão do exercício do mandato”, acrescenta o magistrado.

 

Estratégia

E é exatamente a estratégia costurada no Senado. Na tarde de ontem, senadores do PSDB se reuniram com o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para definir o melhor caminho. Segundo o artigo 53 da Constituição, parlamentares só podem ser presos mediante autorização da Casa legislativa. Como o STF determinou o recolhimento noturno, a intenção é submeter a questão aos senadores e aproveitar para barrar o afastamento. A dúvida é se, antes de consultar o plenário, a defesa de Aécio tenta um recurso para que o pleno do STF se manifeste. “Seria uma saída mais pacífica para não esquentar ainda mais o clima de conflito entre os poderes”, comenta um tucano que prefere não se identificar.

Entretanto, o advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira afirma que não há previsão regimental que desloque o recurso ao plenário do STF, a não ser que a defesa consiga apresentar embargos declaratórios com um enfoque muito criativo, considerando o ineditismo da decisão. “O mandato eletivo é algo inatingível. Dado pela soberania popular com prazo certo de representação. A partir do momento em que você afasta um parlamentar, você está fazendo a antecipação de uma sanção, porque o tempo que ele passar suspenso não se recupera mais”, afirma.

Na opinião do ministro Luís Roberto Barroso, não há dúvida jurídica em torno da decisão, já que o STF não teria decretado a detenção do senador. Segundo o magistrado, o que foi feito é uma medida cautelar diversa à prisão, prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP). “Esse dispositivo foi acrescentado ao CPP pelo Congresso, em 2011. Portanto, foi o Congresso quem definiu que essa não é uma hipótese de prisão. Com todo o respeito às opiniões, não há uma dúvida jurídica. O direito é claríssimo”, comenta Barroso. Análise semelhante à do ministro Luiz Fux, que espera que o Senado cumpra a decisão.

Quase 24h depois, Aécio Neves se manifestou sobre a determinação. Por meio de nota, a assessoria do senador afirma que a decisão é uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto e sem o direito de defesa. “O senador aguarda serenamente que os advogados tomem, dentro dos marcos legais, as providências necessárias a buscar reverter as medidas tomadas sem amparo na Constituição. E confia que terá restabelecido o mandato que lhe foi conferido por mais de 7 milhões de mineiros.”

 

Apoio

Senadores se articularam para manter quórum no plenário até a noite, à espera da notificação que viria do STF na expectativa de analisá-la assim que chegasse, entretanto, o documento só chegou próximo das 21h, quando o presidente da Casa já tinha ido embora. Hoje, Eunício Oliveira deve receber efetivamente a notificação e se manifestar sobre como a questão será tratada. Apesar de ainda não haver uma orientação, é certo que grande parte do plenário apoiará o senador mineiro, inclusive os parlamentares do PT.

Além de uma série de discursos em plenário de senadores petistas criticando a decisão do STF, a Executiva Nacional do partido divulgou nota colocando Aécio como um dos “maiores responsáveis pela desestabilização da democracia brasileira” e vítima do “monstro que ajudou a criar”, mas a sigla destaca que o apoiará em uma possível votação porque a “condenação esdrúxula” do STF não pode ser aceita. “O Senado precisa repelir essa violação de sua autonomia, sob pena de fragilizar ainda mais as instituições oriundas do voto popular. Não temos nenhuma razão para defender Aécio Neves, mas temos todos os motivos para defender a democracia e a Constituição.”

A postura do PT é vista nos bastidores como uma defesa da própria sobrevivência. Segundo interlocutores do PT, a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann (PR), réu no Supremo, teme que a medida abra precedente para que ela mesma seja afastada do mandato. Além disso, petistas acreditam que uma possível prisão de Aécio Neves levaria, automaticamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à cadeia também.