O globo, n.30725 , 20/09/2017. ECONOMIA, p.21

EMBATE ENTRE ACIONISTAS

JOÃO SORIMA NETO

 

 

Patriarca dos Batista assume JBS, e companhia ameaça processar BNDES após queda de ações

Em seu primeiro dia como novo presidente da JBS, o empresário José Batista Sobrinho, de 84 anos, conhecido como Zé Mineiro, participou ativamente da elaboração de uma carta enviada ontem ao presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, na qual o responsabiliza pela queda das ações da companhia após o anúncio da troca de comando e ameaça processá-lo. O texto enviado ao mercado diz, ainda, que o presidente do banco de fomento poderia responder por “manipulação de mercado”. O filho de Batista Sobrinho, Wesley Batista, expresidente da JBS, foi detido na semana passada por outro crime contra o mercado financeiro, o de insider trading (uso de informação privilegiada).

No texto da carta, a JBS diz que avalia tomar medidas legais por declarações de Paulo Rabello, que, segundo a companhia, teriam causado prejuízo financeiro à empresa. No pregão da Bolsa da última segunda-feira, as ações da empresa recuaram quase 4%,e a JBS perdeu quase R$ 1 bilhão em valor de mercado. Ontem, os papéis recuaram 0,94%, e a avaliação da companhia encolheu em mais R$ 218 milhões.

“A companhia avaliará os fatos e tomará as medidas legais necessárias à proteção de seus direitos e dos seus acionistas, nas esferas próprias do Ministério Público, da Comissão de Valores Mobiliários, do Poder Judiciário e da Câmara do Mercado da B3”, afirma o documento encaminhado ao presidente do BNDES.

 

JBS CITA ‘ABUSO DE MINORIA’

O comando da JBS e o BNDES, acionista com fatia de 21%, travam um embate nos últimos meses. O BNDES cobra mudanças na governança e o afastamento dos Batista da gestão da empresa. Em maio, as delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista envolveram o presidente Michel Temer em denúncias de corrupção.

A JBS relata na carta que Paulo Rabello afirmou que questionaria a validade da reunião do Conselho de Administração, realizada na noite de sábado, que elegeu Batista Sobrinho. A empresa cita declarações do presidente do BNDES dadas ao longo da segunda-feira, descritas pela companhia como uma reviravolta. E lembra que, na nota divulgada na tarde de segunda-feira, o BNDES afirmou que “mantinha sua posição de defender a saída da família Batista da empresa”.

No texto da carta, que, segundo apurou o GLOBO, teve anuência de toda a diretoria, a JBS destaca que, em entrevistas à imprensa, Paulo Rabello referiu-se à JBS e à ação dos seus conselheiros em termos inapropriados, como “malandragem”, “hora de programa humorístico” e “anã em governança”.

A carta cita declarações dadas por ele ao GLOBO na edição de segunda-feira, afirmando que a reunião do Conselho foi realizada na “calada da noite” e convocada “às pressas”. O texto destaca que Paulo Rabello afirmou que “essa reunião pode ser invalidada por não cumprir com algumas regras de governança, como uma pauta prévia”.

“Não é preciso discorrer sobre a gravidade das afirmações, repletas de adjetivos inadequados e levianos. O mercado amanheceu e iniciou seus negócios sob as críticas atribuídas a Paulo Rabello de Castro. E sob a ameaça de que a eleição do novo diretor-presidente da companhia seria questionada juridicamente”, diz a carta.

Operadores do mercado financeiro ouvidos pelo GLOBO atribuem a queda de quase 4% dos papéis da JBS na segundafeira a outros fatores. Para eles, havia a expectativa de que a presidência da empresa não seria ocupada por um membro da família Batista, iniciando o processo de profissionalização da gestão da JBS que era esperado após os controladores da companhia terem admitido crimes de corrupção em suas delações premiadas.

— Além disso, na sexta-feira passada, circulou no mercado a informação de que uma grande empresa estrangeira, que não é do ramo de carne, faria uma oferta pela JBS durante o fim de semana. Muita gente comprou o papel da companhia na esperança de que ele disparasse na segunda. Como a oferta não aconteceu, quem estava comprado vendeu JBS, e a queda foi forte — avalia Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença.

Na avaliação da JBS, Paulo Rabello pode ter violado o artigo 115 da Lei das SA, que impõe “a todos os acionistas, inclusive não controladores, o dever de agir no interesse da companhia, sendo responsável pelos danos que lhe forem causados, numa típica configuração do chamado abuso de minoria”. A empresa entende que ele poderia ser responsabilizado por calúnia, injúria e difamação e manipulação de mercado, já que as declarações ocorreram com o mercado em funcionamento.

 

‘EMBATE COM FUNDO POLÍTICO’

“O fato de o segundo maior acionista da companhia afirmar, peremptoriamente, que questionará a validade jurídica da reunião do Conselho de Administração que elegeu o seu diretor-presidente, tem enorme gravidade. As entrevistas trouxeram grave impacto para a JBS, como evidencia a variação do preço de suas ações ao longo do dia”, diz a JBS na carta, observando que sua divulgação ao mercado no curso do pregão deveria ter sido cercada de todos os cuidados.

Procurado, o BNDES não comentou os termos da carta enviada pela JBS. O presidente do banco está em viagem aos EUA.

— Essa disputa revela que, mesmo com executivos presos, a família Batista mostra disposição em manter o controle efetivo da empresa. Parece mais um embate com fundo político — diz Marcelo Godke, professor de Direito no Insper, especializado em Mercado de Capitais e Societário.