Ala política quer decisão rápida sobre meta

Fabio Graner

02/08/2017

 

 

Enquanto o Ministério da Fazenda avalia a conveniência de se mudar as metas fiscais deste e do próximo ano, a ala política do governo pressiona por uma solução rápida, que já seja definida até a próxima semana ou no mais tardar antes do envio do Orçamento, no fim do mês. Com isso, resolveria não só os problemas em alguns setores da máquina pública, que já estão com dificuldades de executar suas tarefas, mas também facilitaria a confecção do Orçamento de 2018, outro desafio que está dando dor de cabeça aos técnicos.

Paralelamente, começa crescer entre economistas o debate sobre a conveniência de se manter uma meta de resultado primário quando já se tem um teto de gastos, ideia que não tem respaldo na Fazenda.

Embora o cenário esteja se desenhando para uma revisão das metas deste e do próximo ano, a maior parte da área técnica, em especial a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, se posiciona fortemente contra esse movimento e não demonstra a mesma pressa de outros setores para definir o assunto. O ministro Henrique Meirelles, por sua vez, mostrou alguma sensibilidade aos argumentos de ordem política e deixou a porta aberta para as mudanças, embora no momento esteja respaldando a visão de seus comandados diretos.

"Ninguém na Fazenda quer mudar a meta, mas também não somos messiânicos, é preciso aguardar", disse uma fonte da pasta ao Valor. Se mudar o objetivo, a ideia é que o número seja pelo menos um pouco melhor do que o déficit de R$ 159,5 bilhões do ano passado.

Antes de definir os próximos passos, os técnicos da Fazenda seguem atentos ao comportamento das receitas e esperam o andamento de projetos importantes no Congresso após a votação do processo contra o presidente Michel Temer, como o Refis e a reoneração da folha de pagamentos. Na caça de novos recursos, finalmente foi publicada a medida provisória que renegocia dívidas de produtores rurais e deve gerar R$ 700 milhões ao caixa federal.

Ontem, os contrários à mudança de meta ganharam aliados de peso: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que se manifestaram contra a mexida, após reunião com Meirelles. O ministro voltou a apelar para que não se altere o Refis proposto -o governo estima arrecadar cerca de R$ 13,8 bilhões.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), deixou o tema em aberto e disse que a discussão da meta será feita no "momento certo" pelos ministros Meirelles e Dyogo de Oliveira. Uma fonte do Palácio do Planalto disse que o presidente Michel Temer delegou totalmente a Meirelles a decisão sobre a revisão da meta fiscal.

A economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, avalia que uma eventual mudança na meta fiscal é uma "declaração de descontrole" do governo na gestão das contas públicas. Para ela, a possibilidade, se efetivada, daria uma indicação negativa. "É uma sinalização ruim, mostra que o esforço foi insuficiente e infrutífero. Foi surpreendente Meirelles ter sinalizado a possibilidade de revisão", disse Ana Carla, avaliando ainda que é um sintoma de enfraquecimento da ala mais austera do governo, representada pelo Tesouro.

Para ela, a crise política está prejudicando a gestão fiscal, já que o governo teria limitação, por exemplo, para bloquear o pagamento de emendas parlamentares. Além disso, a economista também destaca que a máquina governamental ainda não comprou o ajuste fiscal e, por isso, continua gastando onde não deveria e ficando sem dinheiro para despesas mais essenciais. Ana Carla se mostra surpresa também com a reação tranquila do mercado.

Para Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador do Ibre/FGV, a mudança da meta é "inevitável". " Não porque o governo desistiu, mas sim porque não tem alternativa. Porque o Refis não veio do jeito que estava, porque não haverá reoneração da folha com impacto neste ano, porque tudo o que o governo mandou de alguma forma teve seu efeito diluído no Congresso", disse Pires, lembrando ainda que há outros riscos fiscais, como o leilão das hidrelétricas da Cemig. Segundo ele, as indicações apontam risco de um resultado fiscal até pior do que os R$ 159,5 bilhões do ano passado.

Pires é um dos defensores da tese de que, com um regime de teto de gastos, ter uma meta de resultado primário anual não faz muito sentido. O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa é outro que há tempos defende rever o sistema e trabalhar apenas com limite de gastos. Embora considere que a tese faça sentido, uma fonte do alto escalão do governo descarta a mudança, considerando que não há ambiente para isso e que é preciso garantir o esforço também nas receitas. Outra fonte da Fazenda diz que a ideia não faz sentido quando se olha a necessidade de conter a dinâmica explosiva da dívida pública.

Pires avalia que seria preciso se construir uma transição de modelo e não fazer agora e de uma vez uma mudança dessas, que implicaria rever a Lei de Responsabilidade Fiscal. "O custo de manter duas metas é alto, como essa discussão agora sobre rever a meta deste ano está deixando claro."

Pires também avalia que o ajuste fiscal deste ano de certa forma se assemelha ao de 2015, pois houve um corte elevado de despesas, alta de tributos e mesmo assim o governo foi obrigado a rever sua meta fiscal.

Ele lembra que, com a nova postura do TCU a partir de 2014, a gestão fiscal ficou mais complicada. Por isso, se for rever a meta, o economista considera que o governo precisa fazê-lo o mais rápido possível e antes do relatório de setembro, para evitar paralisação de tudo até que a nova meta seja aprovada. (Colaboraram Marcelo Ribeiro e Edna Simão, de Brasília)

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4310, 02/08/2017. Brasil, p. A3.