O Estado de São Paulo, n. 45193, 12/07/2017. Economia, p. B6.

 

Desafio agora é reforma da Previdência

Caio Rinaldi / Eduardo Laguna

12/07/2017

 

 

MUDANÇA NA CLT / Para economistas, resultado da votação no Senado não representa fortalecimento de Michel Temer nem garantia de novas vitórias no Congresso

 

 

A aprovação da reforma trabalhista no plenário do Senado foi uma demonstração da capacidade de articulação do governo de Michel Temer, mas não é garantia de que a reforma da Previdência, a outra grande aposta do governo para colocar a economia nos trilhos, será aprovada pelo Congresso, na avaliação de economistas.

“A Previdência precisa de uma maioria qualificada, dois terços dos parlamentares, com votação em dois turnos na Câmara e no Senado. Mesmo antes da delação da JBS, o governo não tinha essa maioria”, disse o economista e sócio da 4E Consultoria, Juan Jensen. Ele diz que apenas uma versão muito desidratada da reforma previdenciária poderia passar. “Talvez, eventualmente, apenas as alterações na idade mínima e regras de transição.”

O economista lembra que, para isso, entretanto, Temer terá de articular a base para impedir o encaminhamento da denúncia contra ele ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Ele precisa de apenas um terço dos votos na Câmara: não é tanto para um presidente que sabe fazer essa articulação e já liderou o Congresso por alguns mandatos”, avalia.

Para o professor do Insper, Carlos Melo, o “governo vai bater bumbo, aproveitar o resultado para mostrar que está forte, mas o que vale para o Senado não vale para a Câmara”.

Na avaliação do analista político da XP Investimentos, Richard Back, a votação expressiva em favor da reforma trabalhista contou com a contribuição de fatores alheios ao governo. “A reforma trabalhista andou, em parte, sozinha. Teve a liderança de Romero Jucá, assim como o comprometimento do PSDB com a pauta”, afirmou.

Para o analista, o governo ainda tem alguma credibilidade, mas o resultado em si não representa um fortalecimento de Michel Temer, que ainda se encontra em situação delicada. O analista da XP lembra que a equipe econômica também teve um papel essencial na aprovação da matéria. “Na situação em que Temer está, qualquer respiro é positivo”, afirmou. Por isso, o presidente deve tentar recuperar algum capital político com a aprovação. Ainda assim, diz Back, a aprovação por uma margem ampla no Senado deve ter efeitos neutros na situação de Temer em relação à denúncia apresentada pela ProcuradoriaGeral da República e que terá seu encaminhamento ao STF votado na Câmara.

Já o ex-secretário de Política Econômica Márcio Holland avalia que a aprovação da reforma trabalhista sugere consciência do Congresso sobre a urgência da implementação de reformas no País, independentemente da crise política. “Minha leitura é de que a passagem das reformas, seja a trabalhista, seja a previdenciária, acaba acontecendo pela necessidade dessas medidas”, comenta Holland, que é professor da FGV.

O economista diz manter a confiança na aprovação da reforma da Previdência até o fim do ano, mesmo que numa versão com impacto fiscal entre 30% e 40% inferior ao previsto na proposta original encaminhada à Câmara. “Acho que o Congresso está entendendo que temos uma crise fiscal gravíssima.”

 

Fatores externos

“A reforma trabalhista andou, em parte, sozinha. Teve a liderança de Romero Jucá, assim como o comprometimento do PSDB com a pauta”

Richard Back

ANALISTA POLÍTICO DA XP

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Para empresários, lei moderniza relações trabalhistas no País

Renée Pereira

12/07/2017

 

 

Representantes da iniciativa privada dizem que reforma é o início de um caminho que trará maior competitividade

 

 

A aprovação da reforma trabalhista, ontem, no Senado Federal, foi, na opinião de representantes da iniciativa privada, uma vitória para o setor produtivo brasileiro, que há anos tenta mudar as leis nacionais. Para os empresários, a reforma é o início de um caminho de modernização das relações de trabalho que o País começa a trilhar e que trará maior competitividade para as empresas nacionais.

Na opinião do presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso, além de dar um pouco de modernidade à legislação trabalhista, a reforma aprovada vai trazer para a legalidade um “monte de gente” que não tem carteira assinada. “Temos viajado muito mundo afora e é impressionante o ‘gap’ do Brasil em relação ao resto do mundo em termos de relações de trabalho”, afirma Cardoso.

Segundo ele, hoje o maior risco para o empreendedor é exatamente o risco trabalhista, já que o judiciário legisla basicamente para o trabalhador. “Hoje, o Brasil só atrai investimentos em áreas de baixo valor agregado ou naqueles setores ligados a recursos naturais. A primeira coisa que o investidor estrangeiro olha é a questão trabalhista.”

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também celebrou a decisão do Senado. “Teremos uma modernização da legislação trabalhista que esperamos há 70 anos. Estamos satisfeitos”, afirmou a diretora executiva e jurídica da Fiesp, Luciana Freire. Para ela, o pilar da reforma é a questão do negociado se sobrepor ao legislado. Nos últimos anos, diz a executiva, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público têm anulado as decisões entre os sindicatos e as empresas, o que gerava incerteza para o setor produtivo.

Cardoso, da Abimaq, também elogiou a medida e diz que, ao contrário do que muitos estão afirmando, a nova regra vai dar mais força aos sindicatos, já que os acordo vão prevalecer sobre a legislação.

A reforma, segundo os executivos, vai trazer a legislação para a nova realidade do mercado de trabalho, como o home office. Além disso, afirmam eles, vai beneficiar trabalhadores que estavam à margem da CLT. “Aqueles que não têm carteira assinada, que não têm direito a férias e ao 13.º salário, agora serão legalizados”, afirma Luciana, referindose aos trabalhadores que vivem de “bicos”.

 

Foco. Para o presidente do Sindicato da Habitação (Secovi), Flavio Amary, a reforma trabalhista era uma necessidade para devolver a competitividade ao País. Para ele, neste momento, o foco do Congresso deve ser exatamente a aprovação de medidas que deem condições para a economia retomar o crescimento. Ontem, a entidade publicou uma carta onde elogia os “acertos da política econômica” e as “propostas reformistas”, que têm permitido a retomada da produção e a geração de emprego.

“Entendemos que não podemos ser neutros. Não se trata de defender partido, mas neste momento acreditamos que o Congresso, em conjunto com o executivo, tem de continuar as reformas e daqui a um ano e meio passamos por novas eleições”, diz o presidente da entidade.

 

Inevitável. Para Amary. reforma era uma necessidade

 

Disparidade

“Temos viajado mundo afora e é impressionante o ‘gap’ do Brasil em relação ao resto do mundo em termos de relações trabalhistas. Hoje, o Brasil só atrai investimento de baixo valor agregado.”

José Velloso Dias Cardoso

PRESIDENTE DA ABIMAQ

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Mudança pode provocar, no início, mais judicialização

Douglas Gavras

12/07/2017

 

 

A aprovação do texto da reforma trabalhista deve ter o efeito colateral de provocar, em um primeiro momento, uma onda de judicialização. Segundo advogados especialistas na área, os tribunais devem ser acionados para que se questione, por exemplo, convenções coletivas e acertos com as empresas que tirem direitos dos empregados.

Eles estimam que haverá discussão entre magistrados para acertar o entendimento de pontos da reforma considerados turvos, como o trabalho intermitente e a exposição de gestantes a trabalho insalubre. Entre os juízes da área, persiste o temor de que as mudanças abram caminho para uma precarização dos direitos do trabalhador.

Para Carla Romar, professora da PUC-SP e sócia do Romar Massoni & Lobo Advogados, pode nem ser tão de imediato, mas devem surgir questionamentos sobre a inconstitucionalidade de alguns dispositivos. “Existem muitas discussões sobre pontos da reforma nas associações de magistrados. A questão dos contratos intermitentes, por exemplo, é um ponto que deve gerar confusão e deve ser aperfeiçoado com o tempo.”

O texto é o início de uma reforma, é um processo que visa adequar uma legislação que ficou defasada às necessidade do mercado de trabalho, diz Domingos Fortunato, do escritório Mattos Filho. “Num primeiro momento, é normal ter um aumento de judicialização, como reação à reforma. É preciso tempo para que procuradores e juízes cheguem a um entendimento de que não há precarização e que as poucas empresas que desprezarem a lei não devem ser tomadas como base para evitar a reforma. A judicialização cairá aos poucos.”

 

Tempo. Em 2016, a Justiça do Trabalho recebeu quase 4 milhões de processos. Em maio, em palestra sobre terceirização, o sociólogo e especialista em trabalho José Pastore havia estimado redução de ao menos 50% no número de processos já no ano seguinte à sanção do projeto.

Segundo advogados ouvidos pelo Estado, o número de ações deve diminuir, com o tempo, pois os argumentos do trabalhador para entrar com uma ação devem cair. Mas isso deve demorar mais de um ano para se tornar realidade. Para Luiz Guilherme Migliora, do Veirano Advogados e professor da FGV, o texto, embora importante, não foi devidamente discutido com a sociedade. “É uma reforma naturalmente impopular, por mexer em questões muito sensíveis, mas tem muita desinformação. O governo não soube vender para a sociedade a ideia de que a reforma tem mais pontos bons do que ruins.”

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Centrais sindicais vão cobrar promessas de alterações de Temer

Marina Pauliquevis

12/07/2017

 

 

Contribuição sindical, que pelo texto aprovado deixa de ser obrigatória, é um dos pontos que devem ser discutidos

 

 

Centrais sindicais vão cobrar do governo as promessas de alterações no texto da reforma trabalhista feitas antes da votação no Senado. Segundo o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, sindicalistas vão se reunir com o presidente Michel Temer e com o Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, na semana que vem para retomar as discussões – mudanças no texto aprovado ontem poderão ser feitas por medida provisória.

Entre os principais pontos a serem cobrados estão a homologação da rescisão, que no texto da reforma deixa de ser obrigatória; o trabalho intermitente, com contrato sem horário fixo; a vedação ao trabalho de gestantes e lactantes em local insalubre; e a contribuição sindical, um dos temas mais polêmicos. “Chegaram a dizer que estávamos vendendo os direitos do trabalhador para garantir o custeio dos sindicatos, mas é mentira. Precisamos de recursos para trabalhar. Quem, voluntariamente, vai pagar o imposto sindical? Se não fosse obrigatório, quem pagaria o imposto de renda”, diz Patah.

Amanhã, as centrais devem se reunir para discutir como será a atuação daqui para frente, de acordo com João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical. “Durante as discussões sobre o projeto tivemos como interlocutores o ministro do Trabalho e o presidente Temer. Agora, vamos continuar conversando com eles. O governo fez mais que promessas, há documentos”, afirma.

Segundo Juruna, há duas vertentes entre os sindicalistas sobre como deve ser feita a contribuição sindical: como é hoje, com a contribuição obrigatória do equivalente a um dia de trabalho, e a negocial, em que o valor a ser pago seria negociado com as categorias em assembleia – esse segundo modelo é o defendido pela Força. Há ainda uma outra possibilidade em discussão, que prevê a extinção gradual da contribuição sindical, para que as entidades possam se organizar.

O dirigente esteve em Brasília ontem e acompanhou o início do dia conturbado no Senado. “Tentamos entrar das 9h às 11h”, conta. Recebidos pelo senador Lindbergh Farias (PT/RJ), os sindicalistas conseguiram entrar no plenário, onde, segundo Juruna, ficaram cercados pela Polícia Legislativa. “Foi uma medida exagerada.”

O secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, disse que o movimento contra a reforma vai continuar. “Vamos colocar painéis em todos os grandes pontos de concentração nos Estados, expondo os votos dos senadores e senadoras.” Ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Nobre esteve ontem de manhã na manifestação contra a reforma que bloqueou a pista lateral da Rodovia Anchieta, no sentido litoral. Participaram funcionários das quatro montadoras com sede em São Bernardo – Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz e Scania.