Busca de eficiência em meia à Lava-Jato descontenta mercado

Graziella Valenti e Juliana Schincariol

11/07/2017

 

 

O mandato de Leonardo Pereira na presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) termina na próxima sexta-feira, dia 14, mas nem todo saldo pode ser medido de imediato. Ao menos é assim que ele mesmo espera. "Sou maratonista" - é o que costumava se ouvir de Pereira, quando apresentado às queixas do mercado. Praticante de corrida, esse era seu jeito de dizer que suas metas eram de longo prazo e que o tempo se responsabilizaria por mostrar os resultados. Por ora, aos investidores ele deixa a impressão de ter falhado no papel de fiscalizador do mercado e, às companhias, de ter ampliado a burocracia do órgão público. Contudo, sua gestão, que teve início em novembro de 2012 (pela demora a tomar posse), se defrontou com problemas inéditos, como a corrupção, que dominou a agenda do país a partir de 2014.

Com carreira toda dedicada à iniciativa privada, o engenheiro cuidou da autarquia como se empresa fosse. Com experiência em grandes empresas como Net e Gol, tratou especialmente dos problemas de "dentro de casa". Estabeleceu processos internos, criou planejamento, limpou os processos acumulados. "Para a casa ser forte para fora, ela tem que ser forte para dentro", argumenta. O saldo negativo perante investidores é resultado de dois grandes eventos que afetaram em cheio o mercado: o esquema desvendado pela Operação Lava-Jato que assaltou em ao menos R$ 6,2 bilhões os cofres da Petrobras e a frustrada fusão da Oi com a Portugal Telecom, que culminou com a recuperação judicial da tele, com débitos de R$ 63 bilhões.

A frustração com Petrobras é pela demora na punição dos administradores, ainda que existam processos sancionadores (ou seja, acusações) em andamento na CVM. "Se quer merecer a alcunha de xerife, a autarquia deveria ter sido ágil em punir os malfeitos dos executivos e conselheiros, para evidenciar a intolerância com gestões que fragilizam as empresas em troca de benefícios individuais", disse um gestor de fundos que preferiu ficar anônimo. "É um flagrante descumprimento ao dever de lealdade à companhia", completou. Pereira havia prometido abrir caminho nessa jurisprudência espinhosa da corrupção em estatais antes de finalizar seu mandato. Mas restam apenas quatro dias.

Embora a questão da Oi tenha frequentado menos as manchetes dos jornais do que o caso de Petrobras, a leitura do mercado é que o prejuízo foi maior. "Acabaram com a jurisprudência que a CVM vinha construindo sobre conflito de interesses, para permitir a reestruturação societária da Oi sob o frágil argumento de que 'era o melhor para a empresa'", disse um advogado a par do tema. Desde 2006, a CVM vinha pavimentando o entendimento sobre benefício particular e conflito de interesses - questões caras aos investidores. Trocando em miúdos, situações em que, indevidamente, o controlador quer dividir prejuízos com os minoritários ou concentrar lucros para si. O que agradava do entendimento em consolidação é que os problemas eram enfrentados antes de acontecerem, e não viravam processos para julgamento anos depois.

Contudo, em 2014, ao relatar a discussão sobre a reestruturação societária da Oi, a ex-diretora Ana Novaes, apoiada por Pereira, foi contra o entendimento da área técnica da CVM e dos minoritários. Permitiu, então, que os controladores da tele votassem na assembleia sobre a reestruturação - o que garantiu sua realização. A Oi assumiu mais de R$ 20 bilhões em dívidas desses sócios. A reorganização da Oi se transformou em inquéritos que investigam os controladores e executivos da época. Mas até agora não há sequer acusações formalizadas. Desde então, ficou a impressão no mercado que o conhecimento técnico das infinitas matérias que a CVM tem sob seu guarda-chuva não era o forte do colegiado presidido por Pereira. E que o foco na eficiência interna era uma forma de tentar amenizar esse problema.

Para administradores de empresas e intermediários (assessores financeiros e advogados), a avaliação é que o regulador está mais lento em trabalhos como análise e registro de ofertas e que questiona em excesso as companhias, por questões pouco relevantes. Mas a gestão reúne alguns marcos positivos. A Petrobras elegeu, pela primeira vez, conselheiros indicados por acionistas de mercado, após a CVM enfrentar a atuação de fundos de pensão de estatais. Também na gestão de Pereira, em julgamento relatado pela ex-diretora Luciana Dias, a CVM deu passo histórico rumo à independência ao multar a União por abuso de poder de controle em Eletrobras. O fim de mandato foi marcado ainda pela edição de uma medida provisória (MP 784) que atualiza os valores das multas - o teto sobe para R$ 500 milhões - e os ritos dos processos sancionadores. A notícia agradou investidores. Bandeira pública de Pereira, a medida veio após mais um escândalo na área da corrupção e que recaiu sobre o mercado. Dessa vez, envolveu a gigante de alimentos JBS, a maior empresa privada do Brasil. Se fora da CVM o legado de Pereira ainda está para ser testado, dentro, poucas vezes o saldo foi tão positivo. A nova cultura criada internamente agradou aos funcionários da autarquia.

O sucessor de Pereira ainda não foi definido. Mas além do estoque de processos "apimentados", como Petrobras, Oi e JBS, quem chegar terá o desafio colocar de pé as normas da autarquia para aplicação da MP 784. E ainda lidar com o crescente debate sobre o papel da CVM no ressarcimento de investidores. "O regulador tem que se posicionar sobre esta pauta. A punição é importante para desincentivar condutas ilícitas, mas não é capaz de colocar dinheiro no bolso de quem perdeu", disse a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Viviane Müller Prado.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4294, 11/07/2017. Finanças, p. C1.