Eletrobras reacende o interesse por papéis de estatais na Bolsa

 João Sorima Neto

Rennan Setti

28/08/2017

 

 

A euforia na Bolsa de Valores após o anúncio de que a Eletrobras será privatizada colocou em evidência as ações de estatais. O apetite dos investidores por esses papéis foi aguçado pelo salto de quase 50%, em um único dia, das ações ordinárias (ON, com direito a voto) da companhia. O valor de mercado de 13 estatais (incluindo a Eletrobras) avançou 5,02% em apenas três pregões, contra 2,16% de toda a Bolsa. Segundo especialistas, a valorização se sustenta na sinalização de um ambiente de negócios mais eficiente e menos vulnerável à influência política, não pela expectativa de privatizações em série. Eles alertam, porém, que os papéis ligados a empresas do governo embutem um risco maior para o investidor.

— Eu diria que as ações de estatais têm um risco entre três e cinco vezes maior do que papéis de companhias privadas, por conta da ingerência política do governo — diz o consultor de investimentos Paulo Bittencourt.

Adeodato Volpi Netto, da Eleven Financial Research, considera o movimento recente do mercado “uma demonstração de mudança estrutural”:

— Para os investidores, quanto menos governo nas companhias, melhor. É um movimento muito mais de Brasil como um todo do que de estatais especificamente. É Bolsa para cima e risco-país e CDI para baixo. Isso acaba criando um círculo virtuoso — afirma. — Até porque os formatos que eventuais privatizações podem tomar e os momentos em que elas podem ocorrer são bem diferentes.

Já Bittencourt alerta que o investidor deve ter em mente que, se o governo decidiu vender ou reduzir sua participação numa estatal, é porque algo não vai bem. Podem ser problemas operacionais ou de passivos elevados, por exemplo. A Eletrobras tem uma dívida de R$ 43,5 bilhões e vem acumulando prejuízos desde 2012, quando o governo Dilma Rousseff alterou as regras do setor para forçar uma queda nos preços de energia.

O consultor lembra ainda que mesmo uma privatização pode resultar em frustração para os investidores. Ele cita o caso da Cesp, a estatal de energia paulista, na década de 90:

— A Cesp foi fatiada e se transformou em três empresas na privatização. O papel da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, uma das que saiu dessa cisão, chegou a pagar dividendos de 10% ao ano, enquanto o da Cesp original derretia.

 

NO CASO DA PETROBRAS, ‘RANÇO IDEOLÓGICO’

Bittencourt ressalta, porém, que há bons papéis de estatais. Um exemplo é a Sabesp, companhia de saneamento de São Paulo. O governo estadual tem participação de 50,3%. Outros 30,3% são negociados na Bolsa brasileira, e 19,4%, em Nova York.

— Por isso, ela traz informações transparentes ao mercado, além de ter um fluxo de caixa interessante — explica o consultor.

Para Alexandre Wolwacz, do Grupo L&S, a privatização da Eletrobras surge em meio a uma mudança de mentalidade da sociedade, que “tem enxergado que as estatais não são tão benéficas para o país como se pensava”. Mas ele acredita que apenas algumas das estatais que estão na Bolsa poderiam ser realmente privatizadas:

— É muito pouco provável que isso aconteça com o Banco do Brasil, mas considero possível ocorrer com o Banrisul. A Copel também poderia se beneficiar muito de uma gestão eficiente, com amplo espaço para valorização, já que ela está longe do seu topo histórico. A Cemig é outra que está longe dos seus recordes e registrou esta semana forte pressão de compra.

No caso da Petrobras, a mais emblemática das estatais, os analistas consideram a privatização algo muito difícil. Wolwacz vê “ranço ideológico” em torno da empresa. Já Adeodato Volpi Netto, da Eleven Financial Research, ressalta que o distanciamento da União do negócio da Petrobras está ocorrendo sim, mas de outra forma.

— O mercado está errado ao achar que o modelo tem que ser igual — diz, citando a venda de ativos e a abertura de capital da BR Distribuidora como estratégia para melhorar a empresa.

Vicente Koki, analista-chefe do DMI Group, especializado em private equity, aponta ainda que as estatais são sempre mais “inchadas” em termos de funcionários do que suas concorrentes privadas:

— Isso dificulta que as estatais atinjam um nível de rentabilidade do mercado. Empresas como Eletropaulo ou Light, que foram privatizadas, têm maior margem de manobra do que a Eletrobras.

Koki observa que, se o governo optar por uma privatização via aumento de capital, o chamado tag along (mecanismo que protege acionistas minoritários em caso de troca de controle da companhia, garantindo-lhes os mesmos direitos dos controladores) não é aplicado. Para ele, este é um cenário ruim:

— Além disso, por ter papéis negociados no exterior, a Eletrobras pode ser alvo de ações lá fora.

Bittencourt ressalta ainda que quem não acompanha o mercado de ações deve ter cuidado ao aplicar em papéis de estatais. Ele recomenda se informar sobre as atividades da empresa e depois conversar com especialistas para saber se vale a pena comprar:

— O investidor vê o papel subir num dia e fica seduzido, mas não sabe o que está por trás. É preciso que ele saiba onde a Eletrobras ganha dinheiro, quem são seus concorrentes e como será a privatização — pondera.

O globo, n.30702 , 28/08/2017. ECONOMIA, p. 18