Cade pode vetar fusão Kroton-Estácio

Lucas Marchesini e Beth Koike

21/06/2017

 

 

Após quase um ano de negociações, a fusão entre os grupos de ensino Kroton e Estácio pode ser reprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A possibilidade de veto é real e discutida internamente na autoridade antitruste, segundo antecipou ontem o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

De acordo com fontes, somente a relatora do caso, Cristiane Alkmin, é a favor da fusão com restrições - a principal seria a venda da Anhanguera, instituição adquirida pela Kroton em 2014. Outro conselheiro, João Paulo de Resende, é totalmente contrário à transação e os demais integrantes do colegiado, Alexandre Cordeiro, Paulo Burnier e Gilvandro Araújo devem acompanhá-lo.

A aposta da Kroton era de que os dois novos nomes do Cade - Alexandre Barreto, nomeado para presidência da autarquia, e Mauricio Bandeira, conselheiro - fossem empossados a tempo para votar a favor da fusão. No entanto, com a viagem do presidente Michel Temer ao exterior não haverá tempo hábil para que participem da sessão programada para 28 de junho. Uma possibilidade seria votar o caso no fim de julho, quanto termina o prazo do processo, mas as chances são pequenas. Normalmente novos conselheiros tomam posse efetivamente em 30 dias e não há sessão no Cade agendada em julho, embora a lei permita reuniões extraordinárias.

 
 

 

Anunciada em julho do ano passado, a fusão cria um grupo com valor de mercado de cerca de R$ 20 bilhões e mais de 1,5 mil alunos. Caso a operação seja reprovada, será uma surpresa - a expectativa do mercado, até então, era que a autarquia exigisse contrapartidas severas, mas desse sinal verde. Além disso, trata-se de uma medida incomum para o Cade, que em geral busca chegar a um acordo com as empresas envolvidas e adotar "remédios" para evitar a concentração de mercado em determinados segmentos ou regiões. Entre os grandes casos de fusões e aquisições, só dois foram barrados: a compra da Solvay Indupa pela Braskem, em 2014, e a aquisição da Garoto pela Nestlé, em 2004. No caso das fabricantes de chocolates, a decisão foi levada à Justiça e se arrastou até 2016, quando o Cade e as empresas chegaram a um acordo.

Se não houver uma reviravolta nas próximas semanas e os conselheiros do Cade mantiverem a posição pelo veto à fusão dos grupos de ensino, a Estácio deve ser a mais afetada. Ontem, após a notícia sobre a tendência de reprovação, as ações da companhia terminaram o pregão com uma queda de 7,7%, a maior baixa do Ibovespa.

Analistas que cobrem o setor estimam que as ações da Estácio sofram uma desvalorização de cerca de 20% se a fusão não for adiante. Havia uma expectativa de que, nas mãos da Kroton, a rentabilidade da Estácio tivesse os mesmos patamares da líder do setor.

A Ser Educacional e o empresário Chaim Zaher, maior acionista individual da Estácio, que tentaram sem sucesso adquirir a companhia carioca, podem voltar ao jogo. Fundos também devem bater em peso na porta da Estácio na tentativa de levar a companhia, dizem especialistas. Isso já ocorreu quando a superintendência-geral do Cade emitiu um duro parecer no início do ano, recomendando a reprovação do negócio por entender que geraria concentração excessiva no ensino a distância e concentrações elevadas em diversas cidades no ensino presencial.

Já a Kroton deve ser menos atingida. Ontem, suas ações recuaram 4%. A líder do setor é tida como uma companhia mais azeitada, com caixa robusto e que já teria outras cartas na manga. Desde 2015 a empresa tem se mostrado interessada em entrar no mercado de educação básica. É que já conhece esse mercado porque vende sistemas de ensino da marca Pitágoras e, desde o ano passado, tem em sua equipe Mario Ghio, ex-presidente da Somos Educação, com longa experiência no segmento. Extremamente pulverizada, a educação básica privada tem entre as maiores companhias a própria Somos Educação, o Grupo SEB (de Chaim Zaher) e o Eleva (de Jorge Paulo Lemann).

Ontem à noite, o Santander emitiu relatório mudando sua preferência de papel de Estácio para Kroton devido ao risco de a fusão não sair. Além disso, a preferida do banco passa a ser a ação da Ser Educacional, que pode ser beneficiada se o negócio for desfeito (poderia se unir à Estácio) ou se for aprovado com restrições - ela poderia adquirir ativos à venda, conforme a análise do Santander.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4280, 21/06/2017. Empresas, p. B1.