Presidente da Eletrobrás diz que grupo tem 40% de chefes 'vagabundos'

Fernanda Nunes

23/06/2017

 

 

Energia. Em conversa gravada por sindicalistas, executivo, que tem planos de cortar pela metade o quadro da estatal, afirma que há um grupo de funcionários ‘inúteis’ e ‘safados’; posteriormente, em vídeo, pediu desculpas pela ‘veemência’ das declarações

Em meio a discussões com sindicatos para implantar um plano de corte de metade dos funcionários, a divulgação de uma conversa do presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior, com sindicalistas gerou mal-estar na empresa, a ponto de o executivo se ver obrigado a gravar uma fala na televisão interna pedindo desculpa pela “veemência” com que se referiu ao que considera “privilégios” na estatal.

Por conta dos adjetivos “vagabundos” e “safados” usados pelo presidente para tratar de chefias da Eletrobrás, os sindicatos promoveram ontem uma greve de 24 horas.

“São 40% da Eletrobrás. 40% de cara que é inútil, não serve para nada, ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária. Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo, em particular, no serviço público”, traz um dos áudios, gravado durante uma reunião com sindicalistas, em 1.º de junho.

Em outro trecho da conversa, o presidente diz que há na estatal muito mais gerente do que deveria. “Temos um monte de safado, lamentavelmente, que ganha lá 30, 40 paus (mil reais).

Tá lá em cima, sentadinho.” Em resposta ao Estadão/ Broadcast, a Eletrobrás afirma que Ferreira Júnior “reconhece que usou algumas expressões rudes”, por isso, fez questão de gravar o vídeo com pedido de desculpas aos funcionários, nesta semana. A Eletrobrás diz ainda que os áudios foram tirados do contexto e que “o presidente estava apresentando aos sindicatos a reestruturação da companhia”.

A estatal do setor elétrico quer reduzir o seu quadro de empregados de cerca de 23 mil para 12 mil, com a venda das distribuidoras (6 mil deixariam o grupo) e com planos de incentivo ao desligamento (5 mil).

Além disso, desde o ano passado, foi extinto um nível hierárquico e reduzido em mais da metade o número de cargos comissionados, como gerentes, assistentes e assessores. A redução das chefias aconteceu na controladora, mas, a ideia é, neste ano, estendê-la às subsidiárias.

Durante a conversa com os sindicalistas, Ferreira Júnior tenta convencê-los de que as reivindicações apresentadas por eles favoreceriam funcionários que vivem em situação de privilégio.

Os sindicalistas respondem então que as chefias privilegiadas “têm padrinhos” e que as mudanças trabalhistas que estão sendo implementadas “pegam” para os demais, ao que o presidente emendou: “Não, não vai pegar”.

“Repudiamos as declarações do presidente, que, desde que entrou, diz que os empregados são ineficientes. O setor elétrico funciona bem graças ao seu corpo técnico. Os trabalhadores estão sofrendo assédio”, afirmou o diretor da Associação dos Empregados da Eletrobrás (Aeel), Emanuel Torres.

Em nota, a Eletrobrás informou que os “sindicalistas ameaçaram entrar na Justiça contra as privatizações e se mostraram contrários ao plano de desligamento voluntário para o CSC (Centro de Serviços Compartilhados, tecnologia que permitirá sinergia no grupo)”.

A empresa afirma ainda que “o presidente elencou diversas situações inaceitáveis dentro de uma empresa do porte da Eletrobrás, como falta de comprometimento de alguns gerentes, descaso com as metas da companhia e, até mesmo, fraudes envolvendo o sistema de catracas, que registram o ponto. Por isso, com o intuito de alertar aos sindicatos para que eles se manifestem contra esse tipo de comportamento indevido, o presidente usou de maior veemência”.

Com a paralisação de ontem, os funcionários reivindicaram também o pagamento da participação no lucro de R$ 3,4 bilhões de 2016, previsto no acordo coletivo. Segundo a empresa, “a companhia pode realizar o pagamento até 31 de dezembro e está negociando o calendário de pagamento”.

Corte. Plano de Ferreira Júnior é reduzir número de funcionários

“ São 40% da Eletrobrás. 40% de cara que é inútil, não serve para nada, ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária. Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo, em particular, no serviço público.”

Nós temos muito mais gerente do que devia (sic) e temos um monte de safado (sic), lamentavelmente, que ganha lá 30, 40 pau. Tá lá em cima, sentadinho. O caara nem aí com a situação sua, tá querendo que você (sindicalista) venha aqui e me arrume um jeito de arranjar um PAE (plano de aposentadoria especial) pra ele, para que ele ganhe uma fortuna, que ele sabe que está fora. E tem muito”.

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Governo desiste de hidrelétricas no Rio Negro

André Borges

23/06/2017

 

 

Autorizações para estudos de viabilidade de barragens em região preservada da Amazônia foram canceladas

O plano de erguer usinas hidrelétricas no Alto Rio Negro, em uma das regiões mais remotas e preservadas da Amazônia, foi adiado pelo governo. No início deste mês, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo planejamento do setor elétrico, pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que cancele autorizações para novos estudos sobre a viabilidade de erguer barragens ao longo do Rio Negro, afluente do Rio Amazonas.

Por trás da decisão está a grande complexidade do licenciamento ambiental – pelo menos 50% de toda a região banhada pelo Rio Negro é formada por florestas protegidas e terras indígenas.

Levantamentos já realizados pela Eletrobrás indicam potencial de geração de mais de 4,1 mil megawatts de energia na região, mas a EPE decidiu dar um passo atrás nos estudos, antes de propor qualquer novo empreendimento.

Em vez de renovar seu registro para a elaboração dos “estudos de inventário hidrelétrico da bacia do Rio Negro” e seguir adiante com a expectativa de licenciar hidrelétricas, o órgão, ligado ao Ministério de Minas e Energia, optou por fazer um “pré-inventário” da bacia.

“A nossa previsão é de que o pré-inventário esteja concluído até o final do primeiro semestre de 2019”, declarou a EPE, por meio de nota. “Em um momento oportuno, a EPE poderá solicitar um novo registro para iniciar a elaboração dos Estudos de Inventário Hidrelétrico abrangendo as áreas selecionadas nos estudos.” Os estudos da Eletrobrás davam conta de que haveria potencial de instalação de barragens abaixo do município de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas. Os dados cartográficos também apontam potencial para hidrelétricas na região da chamada Cabeça do Cachorro, na fronteira da Amazônia brasileira com a Colômbia.

Questionada sobre o assunto, a EPE declarou que, até o momento, o único levantamento realizado na bacia do Rio Negro foi o diagnóstico socioambiental, “que revelou a existência de alta complexidade biológica e sociocultural, além de diversos conflitos na bacia”. Além disso, a EPE fez estudos cartográficos na região. O pré-inventário não incluirá levantamentos de campo, mas imagens de satélite.

“Como as fases do estudo que envolvem a identificação de locais barráveis e os estudos de alternativas de divisão de queda, que apontam o potencial de instalação de barragens no Rio Negro e nos seus principais afluentes, não foram iniciados, ainda não é possível afirmar os locais dos aproveitamentos”, informou a instituição.

Dificuldades. A ideia de erguer barragens no Rio Negro, que não tem nenhuma usina, vem dos anos 1990, mas desde 2011 passou a ser analisada pela EPE, que encontrou sucessivas dificuldades para realizar seus estudos de campo em terras indígenas.

O Rio Negro tem extensão aproximada de 1.260 quilômetros dentro do território nacional.

Em sua totalidade, drena uma área de cerca de 280 mil quilômetros quadrados e ocupa 20% do território estadual do Amazonas.

O setor elétrico coleciona polêmicas históricas na construção de barragens na Amazônia, por causa das extensas áreas planas da região, o que não favorece quedas d’água.

A hidrelétrica de Balbina, construída nos anos 1980 pelo governo militar, inundou 2.360 quilômetros quadrados de mata nativa do Estados do Amazonas, uma área equivalente à das cidades de São Paulo e Campinas juntas, para gerar apenas 250 megawatts (MW), energia suficiente para atender apenas 370 mil pessoas.

Sua área alagada é equivalente a mais de cinco vezes a área total do reservatório de Belo Monte (516 quilômetros quadrados), que tem potência de 11.233 MW.

A hidrelétrica de Samuel, construída pelos militares em Rondônia, também está entre os maiores escândalos do setor.

Foi necessário inundar 656 quilômetros quadrados de mata para gerar ínfimos 216 MW.

Discussões. Projeto de usina no Rio Negro criou polêmica

Barragem

250 MW é a capacidade de geração da hidrelétrica de Balbina. A usina inundou 2.360 km2 de mata do Amazonas para gerar energia suficiente para abastecer apenas 370 mil pessoas

 

O Estado de São Paulo, n. 45174, 23/06/2017.Economia, p. B1