Com a bênção do Supremo

JAILTON DE CARVALHO

20/08/2017

 

 

 

As equipes do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e de sua sucessora, Raquel Dodge, deverão se reunir nos próximos dias para definir a parte mais delicada da transição entre a atual e a próxima administração: os inquéritos, os processos e as negociações dos acordos de delação premiada da Lava-Jato. Como regra, a cúpula do Ministério Público deve decidir só transferir documentos e informações protegidas mediante conhecimento prévio ou mesmo autorização de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça responsáveis pelos procedimentos em tramitação na Procuradoria-Geral.

O cuidado com a transferência de informações sensíveis tem por objetivo impedir que, no futuro, esta troca sirva como arma processual dos investigados. Com a chancela judicial, espera-se evitar que partes prejudicadas em processos tentem atrasar ou mesmo inviabilizar uma apuração com o argumento de que não se seguiu o devido protocolo.

A transição dos papéis da Lava-Jato monitorada por um magistrado foi discutida entre os procuradores, mas ainda depende de uma decisão definitiva das duas partes. Como se trata de uma situação nova, existem dúvidas sobre a melhor forma de passar, de um grupo para outro, a mais importante investigação sobre corrupção já feita no país.

As incertezas param por aí. Os dois grupos já fizeram três reuniões ao longo da última semana. Nos encontros, trataram das demandas vinculadas à chefia de gabinete do procurador-geral e à Secretaria-Geral da Procuradoria-Geral. Na sexta-feira, as duas partes ainda estavam tentando concluir um cronograma de reuniões setoriais. Com isso, fechase o quadro da transição.

Raquel se apresentava na campanha como uma anti-Janot. O atual procurador nunca escondeu as divergências, sobretudo em relação ao estilo pessoal, com a sucessora. Mas, segundo um procurador, a falta de diálogo não contamina a equipe.

O procurador Eduardo Pelella, escalado por Janot para coordenar a transição, mantém boas relações com o procurador Alexandre Camanho, um dos principais nomes da equipe de Raquel. O procurador Lauro Cardoso, que foi secretário-geral da Procuradoria-Geral da República no primeiro mandato de Janot e hoje está na equipe de transição indicada por Raquel, também facilitaria a transição.[

 

RUMORES DE TENSÃO

Ao longo da semana, surgiram rumores de que os dois grupos estavam tendo atritos em relação ao fluxo de informações. O supostos conflitos seriam resultado da tensão que permeou a campanha eleitoral. Integrantes das duas comissões se apressam em dizer, no entanto, que não há tensão na transferência do poder. A posse da futura procuradora-geral está marcada para 18 de setembro, um dia depois do fim do mandato de Janot.

A transição entre a gestão de um procurador-geral para outro era, até recentemente, um detalhe meramente burocrático. Só procuradores discutiam o assunto. Agora, com a Lava-Jato ditando a agenda política do país, a sucessão na PGR ganhou força de uma questão nacional. Raquel Dodge e sua equipe terão a responsabilidade de conduzir inquéritos e, se for o caso, processos contra os mais influentes políticos do país.

O globo, n.30694 , 20/08/2017. PAÍS, p. 6