Sobre democracia e oportunidade 

Zena Latif

11/05/2017

 

 

A sociedade brasileira não deseja a reforma da Previdência. É o que mostra a pesquisa Datafolha, com 71% dos entrevistados contra a reforma. A dificuldade de comunicação do governo certamente atrapalha, pois apenas 18% das pessoas afirmam estar bem informadas sobre o tema.

Se a sociedade estivesse mais bem informada sobre a importância da reforma para o equilíbrio fiscal e macroeconômico, e para a capacidade do governo de fazer políticas públicas, o apoio seria maior. Mas, provavelmente, insuficiente.

Cientistas sociais apontam para a baixa motivação dos cidadãos para se informar e deliberar sobre questões públicas em democracias de massa. A decisão é racional. Se a opinião individual pouco pesa no todo, o indivíduo acaba elegendo outras prioridades.

Além disso, segundo especialistas, a informação não flui como se imagina, porque as pessoas buscam interagir com outras que têm ponto de vista parecido. Prover informação ajuda, mas não resolve. Ainda mais em se tratando de tema tão complexo.

Sem deliberação, que consiste no processo de ponderação de argumentos conflitantes, as opiniões não representam consentimento, mas impressão superficial. Além disso, uma sociedade desinformada é mais vulnerável a manipulações. Grupos organizados buscam moldar a opinião pública. A manipulação se dá, via de regra, com ideias simplistas, de rápido apelo, porém equivocadas e parciais.

É o caso agora. Há muitas informações equivocadas sobre a proposta de reforma da Previdência. Por exemplo, que os pobres serão os mais afetados e que políticos e servidores públicos serão poupados. Há uso seletivo de fatos verdadeiros (como a elevada dívida previdenciária das empresas), mas incompletos (dos R$ 433 bilhões inscritos na dívida ativa, apenas R$ 130 bilhões têm potencial de recuperação), descontextualizados (seu pagamento não resolveria o crescente déficit previdenciário, hoje em R$ 189 bilhões, por conta do envelhecimento da população) e sem comparar situações alternativas (não aprovar a reforma coloca em risco o sistema, com sérias consequências para a economia).

Em função da dificuldade de deliberação nas democracias de massa, o mundo caminhou para a democracia representativa, em oposição à democracia direta, com referendos e plebiscitos, que é mais vulnerável a manipulações e instabilidades. A cada informação nova, as opiniões podem mudar: “a cicuta em um dia e estátuas no próximo”, como apontado por James Madison, um dos principais responsáveis pelas regras que estabeleceram a democracia americana.

Não é correto, portanto, afirmar que a reforma da Previdência é antidemocrática por ela não ser aprovada pela sociedade. Na democracia representativa, cabe ao parlamento zelar pelo interesse público, para benefício desta e das próximas gerações. Reformas duras são feitas a contragosto.

Nessa linha, na experiência internacional, o que faz um governo enfrentar temas impopulares é a falta de opções. Não faria sentido politicamente defender políticas amargas sem serem de fato necessárias.

O Brasil está atrasado. O País se distingue da experiência internacional não só pela maior velocidade de envelhecimento da população, mas pelo fato de não ter feito ajustes na Previdência; o último foi de Lula nas regras do funcionalismo, em 2003.

Não há reforma perfeita. Há distorções e injustiças no sistema previdenciário que não serão totalmente eliminadas. A elite dos aposentados no setor público será preservada, os funcionários na ativa que ingressaram antes de 2003 serão pouco afetados e as regras dos militares não serão alteradas. São regras que precisarão ser revistas tempestivamente.

Apesar disso, dada a gravidade do quadro fiscal e da Previdência Social, não convém adiar mais a reforma, ainda que ela seja incompleta do ponto de vista de justiça do sistema. O custo e o risco para o equilíbrio econômico seriam insuportáveis.

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FAT precisará de R$ 79 bi do Tesouro até 2020

Vinicius Neder

11/05/2017

 

 

Principal fonte de recursos do BNDES, Fundo de Amparo ao Trabalhador vem sofrendo rombos sucessivos, com os gastos subindo acima das receitas

O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) precisará de aportes de R$ 79 bilhões do Tesouro Nacional para fechar suas contas entre este ano e 2020, conforme nota técnica do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que compõe os anexos do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018 (Ploa 2018), enviado mês passado ao Congresso Nacional.

Formado com recursos das contribuições do PIS/Pasep, o FAT financia o abono salarial, o seguro-desemprego e é a principal fonte de recursos do BNDES. Como a instituição de fomento trabalha para reduzir de tamanho, abrindo mão de aportes do Tesouro, os rombos do FAT trazem incerteza no médio prazo.

O fundo já precisou de R$ 12,5 bilhões do Tesouro e usou outros R$ 2 bilhões de seu próprio patrimônio (que soma R$ 276,4 bilhões) para fechar as contas do ano passado. Nas projeções da nota técnica, o Tesouro terá de aportar R$ 16,2 bilhões este ano, se quiser garantir que o FAT fique equilibrado.

O rombo vem inspirando preocupação há alguns anos. Em 2014, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria no fundo. Segundo a nota do MTE, o FAT recebeu R$ 50,1 bilhões em aportes do Tesouro de 2012 a 2016, em valores do ano passado. O auge foram os R$ 16,3 bilhões de 2014.

Gastos. O diagnóstico do relatório do TCU é de que as contas não fecham porque os gastos sobem mais que as receitas. De um lado, as despesas com seguro-desemprego e abono salarial foram turbinadas pela formalização do mercado de trabalho e pela política de valorização do salário mínimo. Do outro, as receitas minguaram por causa da política de desoneração da folha de pagamentos, adotada no governo anterior, e da Desvinculação de Recursos da União (DRU), mecanismo usado desde os anos 1990 pelo governo federal para flexibilizar a destinação obrigatória de recursos arrecadados.

Nas estimativas do MTE, as despesas do FAT com seguro-desemprego ficarão em R$ 39 bilhões este ano e chegarão a R$ 44,2 bilhões em 2018, alta de 13,2%. Já os gastos com o abono salarial deverão ficar em R$ 16,9 bilhões este ano, atingindo R$ 17,1 bilhões em 2018.

Para o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a “crise do FAT” agravará o que chama de encolhimento da função de “banco de desenvolvimento” do BNDES. Afonso criticou o governo anterior por usar o BNDES como um “banco do Tesouro”, mas defende o reforço do papel de desenvolvimento. “O banco do Tesouro tinha de ser desmontado? Sim, concordo plenamente, porém, a forma como isso está sendo feito está aleijando o outro lado, o banco de desenvolvimento.”

Nas projeções do MTE, o banco receberá R$ 15,9 bilhões do FAT este ano. Em nota, o BNDES informou que os recursos “são adequados” para 2017. Ano passado, o banco recebeu R$ 16,4 bilhões do FAT. O repasse ficou abaixo das estimativas – em junho de 2016, antes de a DRU ser renovada, havia a previsão de que o BNDES receberia R$ 22,6 bilhões.

A frustração de receita não preocupa o banco. O BNDES admitiu, porém, que o rombo do FAT é “uma situação que merece atenção”, embora tenha preferido não comentar as projeções da nota técnica do MTE até 2020.

Rombo

R$ 12,5 bi foi quanto o FAT recebeu do Tesouro no Nacional no ano passado – para conseguir fechar as contas, o fundo ainda usou R$ 2 bilhões de seu patrimônio. Para 2017, a previsão é que o Tesouro tenha de fazer um repasse de R$ 16,2 bilhões

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Reforma da Previdência é fundamental para ajuste, diz Fitch

Altamiro Silva Júnior

11/05/2017

 

 

PREVIDÊNCIA UMA REFORMA CRUCIAL

A reforma da Previdência é “absolutamente necessária” para o Brasil conseguir fazer o ajuste fiscal, estabilizar sua dívida pública e voltar a ter melhora de sua classificação de risco. A avaliação é de Rafael Guedes, diretor da agência Fitch Ratings.

O temor, segundo ele, é que o governo possa ter de fazer mais concessões para aprovar o texto no Congresso, reduzindo o impacto da reforma. A medida que estabelece um teto para a alta do gasto público é “muito importante”, mas sozinha não significa nada, disse, durante conferência da agência em São Paulo esta semana.

Para Guedes, ainda são necessárias para o País mais medidas fiscais e reformas. Para ilustrar o atual momento das contas do governo brasileiro, ele fez uma analogia com uma garrafa, que antes era de borracha, ou seja, mais frágil, e agora é de vidro, sólida, mas ainda instável. “Até então, os gastos do Brasil eram como um líquido em fermentação dentro de uma garrafa de borracha. Agora, temos uma garrafa de vidro e o líquido não consegue mais expandir como gostaria. Mas a garrafa ainda pode explodir”, disse.

Rebaixamento. A nota soberana brasileira (rating) ainda segue com a perspectiva negativa, ou seja, há mais chances de rebaixamento do que de elevação. Segundo Guedes, os analistas da Fitch estão esperando para ver uma evolução mais positiva no campo fiscal e no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. “O cenário base é de crescimento constante do endividamento do governo sem as reformas”, afirmou.

“A perspectiva negativa reflete o gradualismo fiscal que está sendo implementado pela equipe econômica, os riscos para a condução do ajuste fiscal e os riscos negativos do ambiente político”, ressaltou Guedes. Ele destacou que a perspectiva ainda é de recuperação muito lenta da atividade econômica. “O Brasil é um país que investe muito pouco quando comparado a seus pares”, disse ele, ressaltando que o País investia 20% a 21% do PIB nos últimos anos, caiu para 15% no ano passado e deve ficar abaixo de 17% este ano.

 

O Estado de São Paulo, n. 45131, 11/05/2017. Economia, p. B5