Entrevista - Henrique Meirelles 

Adriana Fernandes e Irany Tereza

07/05/2017

 

 

Para ministro, a tática de convencimento dos deputados é mostrar o potencial de crescimento do País com a reforma /

NEGOCIAÇÕES NA PREVIDÊNCIA AGORA SERÃO SÓ POLÍTICAS, AFIRMA MEIRELLES

Mudança. Ministro da Fazenda afirma que não há mais espaço para mudanças no projeto que resultem em perda financeira, e que a proposta atual está ‘balanceada’; diz também que pode recomendar o veto ao novo Super-Refis, se for aprovado no Congresso

‘Previdência insolvente será um desastre’

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz ter certeza de que a reforma da Previdência, aprovada na semana passada na comissão especial da Câmara, passará também pelo plenário. E afirma que não há mais espaço para mexer em nada na proposta que resulte em perda financeira para os cofres públicos. “Negociação política sempre existe. Você me apoia para lá, eu te apoio para cá...

Mas não negociação fiscal”, diz. Segundo ele, tudo que foi negociado até agora está dentro do que era esperado pelo governo, e todas as disputas em torno do projeto fazem parte da democracia. “Não há reforma sem controvérsia.”

A reforma da Previdência embolou com interesses políticos e foi se desfigurando. Isso não joga por terra a tentativa de retomada da economia?

Acredito que não. O que estamos vendo é o que se chama na economia de evento de alta frequência. Aquela volatilidade de curto prazo. Há a onda de superfície e as correntes de profundidade, que são as mais importantes. A confiança (dos investidores) não aumentou apenas pela reforma da Previdência, mas por uma série de mudanças fundamentais. Qual o fato objetivo da Previdência? O relatório foi aprovado. E com o número de votos suficientes que, se mantido no plenário, vai levar à aprovação. Eu estaria preocupado se o relatório tivesse sido derrotado.

Os deputados aproveitam para apresentar demandas que não têm nada a ver com a reforma. Isso vai custar muito caro para o governo?

Está tudo dentro do esperado. Não existe reforma feita sem controvérsia. É legítimo a sociedade debater, mas também quer ter acesso à informação correta. No sentido do que está em jogo hoje, não é somente a questão em que idade a pessoa vai se aposentar, mas principalmente a garantia que todos vão receber a aposentadoria.

As exceções abertas não preocupam? O sr. já disse que a margem de mudanças tinha chegado ao limite. Mas, depois, essa margem aumentou.

Não aumentou. O nosso cálculo, desde o início, é que estaríamos estabilizando o relatório com cerca de 75% dos benefícios fiscais acumulados em 10 anos previstos na proposta inicial. O que é absolutamente razoável e dentro das expectativas. O número é esse. Está bastante balanceado. Eu encaro com bastante tranquilidade a proposta como está.

Qual é estratégia para aprovação em plenário?

Tem a estratégia da ação política do governo. Estamos trabalhando juntos. Mas eu sou o ministro da Fazenda. O que estou mostrando aos parlamentares é a questão da sustentabilidade. A Previdência pode ter problema de insolvência e estamos vendo isso em alguns Estados brasileiros. À medida em que se aprova a reforma, isso aumenta a confiança, o crescimento e os empregos. É algo que vai beneficiar a todos os parlamentares que apoiam as reformas na eleição de 2018. Eu pergunto a eles: “O que é melhor para você na hora de disputar a eleição, dizer que com a sua colaboração o País está crescendo, que a renda real está aumentando, ou dizer para o eleitor desempregado que a economia está indo para baixo porque a Previdência não foi aprovada?”.

Mas os parlamentares acreditam nisso?

Minha experiência diz que sim. Tenho tido uma experiência boa de diálogo. Me reuni com todas as bancadas e com grupos menores. Eu estou otimista.

Ainda há margem de negociação?

Existem questões diversas que estão sendo tratadas. Parlamentares que têm interesse num determinado projeto que vai ser votado na Câmara. Tem todo um processo lá normal de conversa, absolutamente legítimo. Isso faz parte da democracia. Em qualquer votação importante, em qualquer lugar do mundo, é assim. Seria absolutamente surpreendente para mim, que vi essas reformas em outros países, que 10, 15, 20 dias antes da votação já existisse uma grande maioria dizendo: “sou favorável à reforma da Previdência”.

Mas ainda há como negociar a proposta?

A minha expectativa é que mudanças tenham sido feitas e negociadas no período da aprovação do relatório. No plenário, a minha expectativa é que não haja muito espaço para negociação.

E pode ter outro tipo de negociação?

Que outro tipo? Veja, negociação política sempre existe. Você me apoia para lá, eu te apoio para cá... Não negociação fiscal. É isso que eu estou dizendo.

Parlamentares da bancada ruralista negociam o Funrural, outros aprovaram o Refis na comissão. Estão cobrando a fatura. No caso de Refis, essa fatura inclui perdão de multas que...

Espera aí, vamos devagar. São coisas diferentes. No caso do PRT, que é o Programa de Regularização Tributária, que não é um Refis, foi aprovado na comissão um relatório que nós não concordamos. A liderança do governo não concorda. Nossa orientação é para a base do governo votar contra no plenário. Mas o Congresso é soberano. Se aprovar, vou fazer a minha recomendação ao presidente, que pode ser por um veto. Não quero antecipar porque ainda não fiz a recomendação. E não tenho o hábito de anunciar decisões futuras. Não gosto de especulações.

O PRT Não está entrando na barganha?

Não está entrando. Como eu disse, a negociação, do meu ponto de vista, não é fiscal. E esta seria uma má negociação. O Funrural, sim, estamos conversando com o setor. Mas esta é uma outra história, porque o Funrural era alvo também de disputa judicial. A maior parte das empresas não estava pagando. Houve uma decisão do Supremo. Surgiu uma novidade, e em cima dela estamos trabalhando.

Como o senhor responde às críticas da oposição, que diz que o senhor e o governo fazem terrorismo em relação à Previdência?

Não é terrorismo. O que nos fazemos é deixar claro a realidade. Dizer a verdade. Não há dúvida de que a trajetória da dívida é de crescimento e que vai se estabilizar com a aprovação das reformas apenas aí por 2021, 2022. E, partir daí, começa a cair. Isso é uma realidade serena. E eu digo sim: Previdência pode ficar insolvente. Pode ser um desastre.

O sr. acha correto essa estratégia de atrelar a reforma da Previdência à trabalhista?

Não está atrelada não. São duas reformas importantes e diferentes. A trabalhista é fundamental para produtividade. Têm duas questões diferentes. Uma é a sustentabilidade fiscal e com isso a possibilidade de o País voltar a crescer. A segunda são as reformas microeconômicas, entre elas a trabalhista, que são propostas que visam aumentar a taxa de crescimento do País no futuro. São duas coisas fundamentais.

Número

“O nosso cálculo, desde o início, é que estaríamos estabilizando o relatório com cerca de 75% dos benefícios fiscais acumulados em 10 anos previstos na proposta inicial. O que é absolutamente razoável e dentro das expectativas. O número é esse. Está bastante balanceado.”

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Governo parte para ‘vale-tudo’ pela aprovação da reforma

Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli e Igor Gadelha

07/05/2017

 

 

Inclusão de agentes penitenciários e revisão de regra para servidores públicos são ‘cartas na manga’ do Planalto

O presidente Michel Temer se prepara para a principal batalha na reforma da Previdência: a aprovação da proposta no plenário da Câmara dos Deputados, com o apoio de pelo menos 308 deputados. O governo ainda não tem esses votos, mas já traçou os movimentos que fará daqui para a frente para conquistar a vantagem necessária.

Para isso, o Palácio do Planalto vai partir para o “vale-tudo” na articulação política, lançando mão de agrados à base aliada, além de melhorar a estratégia de comunicação.

As concessões no texto, porém, estão no limite, na avaliação do governo. A ordem agora é barrar movimentos de novas categorias que tentem obter direito a aposentadoria especial, como os guardas municipais. A margem de negociação no plenário prevê a inclusão dos agentes penitenciários na regra que permite idade mínima menor, de 55 anos, e a revisão das exigências para que servidores públicos que ingressaram até 2003 se aposentem com salário integral. Os dois pontos devem ser aprovados separadamente, em votação dos chamados destaques.

O governo pretende ainda melhorar a comunicação com os parlamentares e a população ao longo da semana, depois de reconhecer que enfrenta problemas na área. Segundo um interlocutor da área política, a previsão é veicular propagandas em defesa da reforma em cerca de 4 mil rádios de todo o Brasil que possuem cadastro na Secretaria de Comunicação da Presidência.

Uma nova cartilha será distribuída aos deputados, explicando as mudanças ponto a ponto. Para evitar confusão, o documento trará apenas as novas regras segundo o texto aprovado na comissão especial, sem incluir como é hoje.

Agrados. Integrantes da base também começam nesta semana a montar um mapa de votos. O trabalho será coordenado pelo deputado Beto Mansur (PRB-SP) e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. A ideia é identificar a posição de cada deputado para saber com quem é preciso negociar. O governo só vai colocar a reforma em votação no plenário quando contabilizar mais de 320 votos favoráveis.

Dificuldade. O Placar da Previdência feito pelo Grupo Estado já mostra que o desafio será grande. Até a noite de sexta-feira, havia 232 votos “não”, contra 87 votos a favor. Com esse cenário, o governo sabe que terá de atuar firme no campo político, com liberação de recursos de emendas parlamentares, nomeação de cargos para aliados e atendimento a demandas que vão além da reforma, como o parcelamento de dívidas previdenciárias do setor rural.

As mudanças no texto feitas em plenário integram a ação de convencimento dos deputados, que se viram pressionados por categorias como juízes e procuradores por alterações na transição dos servidores. No dia da aprovação do texto na comissão especial, o relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), disse que é preciso deixar os parlamentares “mais confortáveis” para votar.

Debate. Projeto foi aprovado em comissão por 23 votos a 14

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Fazenda prepara material com ‘20 mitos’ da reforma

Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli e Igor Gadelha

07/05/2017

 

 

Planalto quer desmentir que rombo no INSS seja passageiro e que projeto prejudica as mulheres

Na parte da comunicação, o governo também quer desmistificar alguns pontos da reforma da Previdência. A avaliação interna é de que muitas mentiras foram difundidas e é preciso combatê-las.

O chefe da assessoria especial do Ministério da Fazenda, Marcos Mendes, elaborou material com 20 mitos propagados sobre a situação da Previdência.

Um deles, de acordo com a apresentação, diz que o desequilíbrio da Previdência é passageiro e que será vencido quando a economia voltar a crescer. O governo argumenta que o desequilíbrio é “estrutural” e só vai ser agravado.

Outro “mito” diz que mulheres são prejudicadas pela proposta.

“A reforma dá tratamento especial para as mulheres”, rebate Mendes. As mulheres terão idade mínima menor do que os homens, de 62 anos contra 65 anos. Inicialmente, a proposta do governo era igualar as regras, mas houve pressão da bancada feminina na Câmara.

Esse foi um dos últimos pontos em que o governo cedeu – antes, já haviam sido alteradas regras de transição, pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda, e aposentadorias de professores, policiais e trabalhadores rurais.

Muitas flexibilizações foram criticadas por especialistas, como a aposentadoria rural, que ficou praticamente como é hoje e, mesmo assim, é ponto de conflito na base aliada. “As mudanças (no rural) foram negativas tanto do ponto de vista fiscal quanto de manter o incentivo a fraudes”, diz o ex-secretário de Políticas de Previdência Social Leonardo Rolim. Com as mudanças, o governo perdeu 25% da economia esperada com a reforma em uma década. “De fato a gente teve uma redução da economia, mas grande parte dessa redução acabou por beneficiar grupos mais pobres”, justifica o secretário de Previdência, Marcelo Caetano. Segundo ele, as reações contrárias e a batalha pelo voto fazem parte do processo de qualquer reforma previdenciária.

Em outros países, lembra, também houve protesto contra mudanças nas aposentadorias.

“É usual ter um custo político muito elevado. Se não tivesse, a reforma já teria sido feita antes. É um ato de coragem”, defende. / A.F., I.T. e I.G.

Redução na melhoria

25% é a economia que o governo perdeu, segundo seus próprios cálculos, com as mudanças na reforma, como na regra de transição e no BPC

 

O Estado de São Paulo, n. 45127, 07/05/2017. Economia, p. B3