Título: Câmara busca identidade e reconhecimento público
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2011, Política, p. 6

Entrevista - Eduardo Gomes Primeiro-secretário acredita que, apesar das graves críticas, a instituição pode recuperar a imagem perante a sociedade e mostrar a sua utilidade

Considerado uma espécie de "prefeito" numa cidade repleta de mazelas e pressionado por todos, o primeiro-secretário da Câmara, deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), começa 2012 com uma ideia fixa: melhorar a avaliação da Casa perante a sociedade. Tarefa difícil, mas não impossível. Antes disso, porém, abrirá o ano legislativo enfrentando as pressões por aumentos salariais, adiados para a volta do recesso de verão. "Podem ter certeza: a Câmara avaliará tudo isso com muita serenidade. No caso da verba de gabinete, há recursos em caixa", comenta ele em entrevista ao Correio.

O ano se encerra com uma pressão para aumento de salário e de verba de gabinete. Os reajustes virão? Os recursos destinado à contratação de assessores de gabinete estão há quatro anos sem nenhum reajuste. Há uma demanda muito grande dos parlamentares sobre a necessidade de reajuste ou reposição da inflação sobre esses servidores, que também se deslocam para Brasília onde o custo de vida é mais alto. Hoje, a verba é de R$ 60 mil para contratar até 25 assessores. Há uma solicitação de elevar para R$ 80 mil, como forma de compensar os 4 anos sem reajuste.

O senhor acha possível conceder todos os aumentos? O que a Câmara faz sempre é analisar caso a caso todas as demandas. Só chegou a esse ponto porque a Casa segurou durante 12 meses por compreender que tinha que fazer a sua parte no esforço de economia pela crise que se apresenta. Mas também entende que, em alguns casos, a reposição é justa porque já foi adiada muito mais tempo do que se imaginava. A falta de discussão sobre reajustes salariais gera um passivo que a Câmara se vê obrigada a pagar depois por decisão judicial. Portanto, o que estamos fazendo é analisar esses pleitos, desvinculando os salários dos servidores do salário do parlamentar para tentar evitar esse acúmulo de passivo.

Hoje é vinculado ao salário do parlamentar? Sim, as gratificações são vinculadas ao aumento de salário dos parlamentares. No último aumento que ocorreu, a Câmara não pagou essa vinculação. Estamos buscando um acordo para pagar esse passivo, mas, ao mesmo tempo, encerrar essa vinculação que gera uma despesa muito grande para a própria Câmara. Hoje, está em R$ 200 milhões. Em 2011, a Câmara, apesar de toda a pressão, não votou aumento de gastos. Na Mesa Diretora não há nada que a imprensa não tenha acesso.

Há margem financeira hoje para a concessão de reajustes? Para essa equiparação tem. O aumento da verba de gabinete, nos moldes do que está previsto, vai gerar um custo de R$ 50 milhões para os 513. E tem previsão orçamentária para isso. Objetivamente, não foi discutido ainda.

Volta e meia surgem denúncias de que parlamentares ficam com uma parte do salário de funcionários de gabinete... isso ainda ocorre? É uma prática que não combina com o que estamos vivendo. Esses casos ocorriam bastante no passado. Nessa legislatura, não se tem notícia efetiva de que venha acontecendo isso. Quem está na administração da Casa defende que seja denunciado. Isso, além de fatos isolados, é crime. O Parlamento deve se comportar expondo essa situação, para que os que praticam isso tipo de coisa vão para a cadeia. Isso é roubo. Quando ocorreu isso no passado, o funcionário teve acesso ao instrumento da denúncia. A Câmara é uma das instituições mais transparentes que existe.

Além das questões salariais, o que o senhor coloca como desafio na Câmara? O principal é melhorar a comunicação com a sociedade. A Câmara abriga centenas de reivindicações, tem milhares de audiências públicas por ano. Precisa melhorar a sua comunicação para ser reconhecida pela população brasileira de uma forma diferente daquela que apontam todas as pesquisas. Ser reconhecida como uma casa de serviço público permanente. E intenso. Temos hoje dificuldades para atender a demanda da sociedade por audiências púbicas, debates de assuntos da maior importância. A nossa falta de comunicação direciona notícia só para que a gente chama de mídia ruim e debates polêmicos sobre um ou outro parlamentar. A Casa não consegue comunicar seus resultados gerais. A Câmara tem sido importante na regulação da legislação para todas as áreas, desde o estatuto da pessoa com deficiência, a nova lei de mobilidade urbana, as audiências públicas e ações de fiscalização sobre a Copa, mas não consegue comunicar isso.

A Câmara tem TV, rádio, agência, o que falta? Falta uma interlocução maior com a grande mídia, aquela que penetra na casa das pessoas sem ser institucional, sem o símbolo da Câmara. Não adianta o nosso sistema de comunicação tentar concorrer. Essa compreensão só virá se houver um reconhecimento dos meios de comunicação aberta. Precisamos conversar, debater, e mostrar de maneira constante que é uma Casa de serviço, de aperfeiçoamento da legislação brasileira e de fiscalização. Falta ainda a Câmara reconhecer a sua identidade. Pouca gente sabe que a Câmara é hoje o prédio público brasileiro com maior número de visitantes, um milhão por ano. E mesmo assim, sem nenhuma sistematização dessa visita.

Mas não são apenas turistas... Mesmo no final de semana, é o destino preferido de qualquer turista que vem a Brasília. Pode até conhecer outros pontos, mas vem à Câmara. Isso nunca foi tratado com a atenção devida. Então, a gente pretende desenvolver um grande centro de visitação interativa, para ampliar mais nossos laços com universidades, grupos de estudo, a sociedade em geral. Nenhum parlamento do mundo tem o acesso livre e permanente como tem a nossa Câmara dos Deputados. É preciso ter esse reconhecimento.

A Câmara vendeu a folha de pagamento. Em que foi usado o recurso, os R$ 300 milhões? Esse recurso foi direcionado para ampliação da estrutura física da Casa, que é necessária. Temos hoje gabinetes do antigo anexo III que não dispõem de banheiros privativos. Temos uma solicitação para audiência pública que precisaria do dobro de espaço. É difícil conseguir plenário. Quem tentar estacionar, saberá que a estrutura está subdimensionada. Então, qual foi a opção da Câmara ? Usou o recurso de vender a folha para conseguir mais salas de reunião, gabinetes e estacionamento.

Vem aí o novo anexo? A mesa atual descartou a construção de um novo anexo que daria uma despesa aproximada de R$ 1 bilhão. O que a Câmara vai fazer é um anexo ao anexo 4, que poderia resolver a questão dos gabinetes, de garagens e uma melhor utilização do espaço sem mexer muito na estrutura, uma obra que pode ser feita dentro dos R$ 300 milhões conseguidos com a venda da folha de pagamentos.

A questão dos apartamentos está superada? Eu, no passado, achava que a Câmara deveria se desfazer desse patrimônio, pagar o auxílio-moradia e não manter essa estrutura de serviço. Me arrependi, porque, o que está acontecendo hoje, com a reforma dos apartamentos, é que o quarto-secretário, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), intensificou o convencimento dos parlamentares a usar o apartamento e atualmente quase não se paga mais auxílio moradia. Há fila para ocupar os apartamentos. Há 3 anos, tínhamos metade dos apartamentos ociosos.

E a concessão de passagens para amigos e familiares? Mudou-se o processo de destinação de passagens, que antes era extensiva a familiares diretos. Hoje, só o parlamentar tem direito a passagens. A Câmara tem iniciativas interessantes. Nunca se fez uma reportagem séria sobre o que fizemos aqui na área de aliamentação, por exemplo. Transformamos um contrato questionável, que chegou a cassar presidente da Câmara, numa parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio) e a CNC (Confederação Nacional do Comércio). Este ano, estamos formando 500 profissionais nos restaurantes-escola que a Câmara implementou sem custo. São iniciativas de parceria positivas, um exemplo de como podemos transformar a Casa num instrumento de parceria com a sociedade, fortalecer o símbolo da Câmara como aliado da sociedade. Essa é a única maneira que temos de melhorar a nossa avaliação. Precisamos contar mais a nossa história.

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