Analistas veem 'janela de oportunidade' com inflação abaixo de 4%

Arícia Martins e Camilla Veras Mota

09/05/2017

 

 

A queda consistente da inflação e a recuperação da atividade econômica mais frágil do que o previsto criaram uma janela de oportunidade única para o Banco Central (BC), avaliam economistas ouvidos pelo Valor. Como o ponto mais baixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ser atingido em agosto, a ideia de muitos analistas é que a autoridade monetária poderia aproveitar as duas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para intensificar o ritmo de cortes na taxa Selic.

Além da trajetória do IPCA, o cenário prospectivo é considerado benigno também em função da evolução dos preços no atacado, que devem mostrar nova deflação em maio. Em abril, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) caiu 1,1%, menor taxa para qualquer mês desde o início da série do indicador, em 1989.

O IPCA acumulado em 12 meses deve continuar desacelerando até agosto, quando atingiria, pelo que apontam as projeções do boletim Focus do BC, 3,2%, o que seria a menor taxa desde maio de 2007. Nas contas de Fabio Romão, da LCA Consultores, o índice em 12 meses estará em 3,14% em agosto, a partir daí, a inflação retomaria fôlego, influenciada pela sazonalidade do período, encerrando o ano em 4,3%. "Não vai haver uma escalada de preços, porque a base de comparação de 2016 é que é muito baixa", pondera.

Na segunda metade do ano passado, lembra o economista, as condições climáticas favoráveis permitiram que os preços de alimentos tivessem desaceleração expressiva, contrariando o padrão sazonal. Em seis meses, o IPCA acumulado em 12 meses caiu mais de dois pontos percentuais, fechando o ano em 6,29%.

Em 2018, ele diz, a inflação será mais pressionada pelos preços desses produtos. Há chance cada vez maior de que o El Niño recrudesça as condições climáticas e empurre para cima preços de alimentos. O impacto não deve ser tão forte quanto em 2015 e 2016, mas o suficiente para dar força à tese de que o IPCA do próximo ano - estimado pela LCA em 4,7% - dificilmente será menor do que o de 2016.

"A própria recuperação da atividade também deve deixar o cenário cada vez menos desinflacionário", diz. Assim, a avaliação do economista é também a de que o Banco Central tem uma "janela de oportunidade" até agosto para acelerar o ritmo de corte de juros, dando mais fôlego à retomada da economia.

Em relatório divulgado na sexta-feira passada, a equipe econômica do Bradesco aponta que as surpresas para baixo com os índices de inflação e a velocidade gradual de saída da recessão sustentam a expectativa de reduções maiores dos juros. "Temos observado continuidade das surpresas baixistas com a inflação corrente e também ganhamos convicção de que o comportamento prospectivo da inflação seguirá benigno", afirmam os economistas.

Agora, o banco trabalha com cortes de 1,25 e 1 ponto percentual na Selic nas duas próximas reuniões do Copom. Depois, devem ser feitos mais dois cortes de 0,5 ponto, levando a Selic para 8% em dezembro, nível que será mantido ao longo de 2018.

A leitura dos últimos comunicados do BC deixa a possibilidade de reduções maiores na Selic em aberto e essa também é a estratégia correta a ser adotada, afirma Thiago Curado, economista da 4E Consultoria. Nas projeções da 4E, a Selic vai ser cortada em 1,25 ponto nas duas próximas reuniões do Copom.

"Os principais motivos que permitiriam essa redução seguem presentes", diz Curado, referindo-se à inflação em "queda forte", puxada pelos alimentos, e pelos serviços, e à recuperação frágil da atividade econômica, sujeita a uma série de riscos.

Além disso, a taxa de juros real está em nível ainda bastante contracionista, destaca o economista da 4E, porque a Selic não está caindo na mesma velocidade da inflação. Em seus cálculos, o juro real ex-post (a taxa de juros descontando a inflação a acumulada nos últimos 12 meses) está em 9%, enquanto, a ex-ante (juro real estimado para os próximos 12 meses, descontando a inflação prevista para o mesmo período) estaria em 6,43% - quase dois pontos acima da taxa de juros neutra, que produziria o máximo de crescimento com inflação na meta.

Já Flávio Serrano, economista-sênior do Haitong, avalia que a janela de oportunidade para que o BC acelere o ritmo de redução dos juros é discutível. Se a tendência para 2018 é que a inflação volte a subir, a autoridade monetária poderia ter de voltar a aumentar a Selic no próximo ano se o corte agora for exagerado, diz. Em seu cenário, a taxa básica de juros encerrará 2017 em 9%.

"Achamos que não vale a pena acelerar o corte de juros pela volatilidade que isso adicionaria à dinâmica inflacionária e pela incerteza grande no cenário, devido à reforma da Previdência", aponta Serrano, observando que as expectativas mais baixas para os juros este ano dão como certa a aprovação da proposta do governo. No caso de a esperada recuperação da atividade não ocorrer, cortes maiores nos juros seriam válidos, pondera.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4250, 09/05/2017. Brasil, p. A3.