Chamem Freud, por favor

Antonio Delfim Netto

09/05/2017

 

 

As pesquisas da opinião pública feitas pelo Datafolha são muito úteis para ampliar o nosso conhecimento sobre as questões que nos afligem. Como é natural, entretanto, seus resultados sempre podem ter diferentes leituras. Por exemplo, quando se perguntou aos brasileiros se eles acreditam que perderão direitos com a reforma trabalhista: 58% responderam que terão menos direitos; 32% que não perderão, ou até aumentarão e 10% afirmaram que não sabiam. O que faltou perguntar a cada um dos informantes foi quais os direitos que iriam perder. Talvez, a resposta a uma questão tão aberta seja uma solidariedade instintiva à gritaria histérica e ensurdecedora dos que vão, efetivamente, perder seus "direitos mal adquiridos". O fato é que estes estão concentrados no estamento estatal, que na pesquisa é explicitamente condenado por mais da metade dos consultados. Por outro lado, a falsidade das críticas sindicais sobre as consequências da terceirização é claramente evidenciada: quando se pergunta sobre o que ocorrerá com os salários, 61% afirmam que ficarão iguais ou aumentarão, e 65% creem que o emprego ficará igual ou aumentará, ou seja, ela produzirá crescimento.

Com relação à reforma da Previdência, de novo, as respostas à pergunta aberta revelam que 71% são simplesmente contra, talvez porque, contra toda evidência universal, 52% dos entrevistados acham que o brasileiro já se aposenta mais tarde do que deveria! A mensagem fundamental do Datafolha é que a sociedade está confusa e absolutamente desinformada graças ao bombardeio das falsas verdades produzidas pelos que vão, efetivamente, perder alguns direitos "mal" adquiridos. Aliás, dos 66% que afirmaram "ter tomado conhecimento da reforma", apenas 27% ousaram responder que se sentem "bem informados". Essa é, na nossa opinião, a informação mais preciosa do Datafolha. Para tornar curta uma longa história, é preciso reconhecer que a sociedade brasileira está num momento decisivo: se insistir numa aposentadoria muito generosa e insustentável, vai continuar usando mal os seus parcos recursos.

Há um fato intuitivo (que deveria ser óbvio) e que revela o fim inevitável de todo sistema de aposentadoria em que os que estão trabalhando recolhem os recursos para pagar os aposentados. É quando a taxa de crescimento destes é maior do que a taxa de crescimento dos que estão trabalhando, que é o nosso caso.

(...)

Em 60 anos de alguma participação nas discussões das questões econômicas e sociais do Brasil, não me lembro de um problema ser encarado com tanta leniência, desfaçatez e falsas informações do que o da necessidade urgente de modificarmos a política previdenciária. A "previdência" é a solidariedade que as antigas guildas davam aos seus membros. A mesma que, atualmente, toda sociedade civilizada manifesta ao agente ativo depois que ele perdeu as condições de trabalhar. Em princípio, deve prover o razoável para uma vida digna na aposentadoria. É importante entender que ela não se destina a corrigir eventuais injustiças distributivas nem a prover a irrecusável solidariedade que temos o dever de prestar, com políticas públicas bem focadas, àqueles a quem o destino roubou, prematuramente, a capacidade produtiva.

A aposentadoria é um problema que tem que respeitar as restrições da demografia. A assistência é uma decisão política da sociedade civilizada. No Brasil, misturamos os dois problemas, o que dá motivo aos maiores absurdos, como, por exemplo, a afirmação que a previdência é superavitária. Ainda que fosse verdade, seria irrelevante. Estamos tratando de um todo: previdência propriamente dita somada à civilizatória assistência social. É o déficit acumulado das duas que impacta o Tesouro Nacional.

Deixando de lado as chorumelas, o competente e ilustre ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou uma verdade aritmética aterradora: "gastaremos este ano R$ 750 bilhões (55% das despesas contábeis) com a soma da previdência com a assistência, comparados com miseráveis R$ 40 bilhões (3%) de investimentos públicos (que, talvez, não cubram nem sequer a depreciação do seu estoque) e R$ 115 bilhões (8%) com saúde e educação" (que precisam de melhor administração). E concluiu com uma verdade trágica, mas realista: "Estamos gastando muito com o presente e pouco com o futuro"! Esse é o ponto: sem investimentos na segurança, na infraestrutura, na educação e na saúde, que são a fonte do desenvolvimento, estamos condenados à estagnação. Nos espera a continuidade da regressão econômica, pois não haverá a menor esperança de obter o equilíbrio fiscal que permitiria a queda do juro real e liberaria recursos - o aumento da poupança nacional - para financiar o investimento privado.

O importante é perguntar: onde esse processo terminará? A resposta é simples e incontestável: o exagerado gasto com previdência e assistência inibirá um crescimento robusto e equânime. No final, as duas morrerão de inanição, pois não haverá excedente para honrá-las. Por fim, é um grave erro pensar que a proposta do governo que está sendo acomodada no Congressobeneficiará Temer. Pelo contrário, ele apenas arcará com seus ônus. Os bônus serão colhidos por nossos filhos e netos!

Chamem Freud, por favor!

 

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: ideias.consult@uol.com.br

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4250, 09/05/2017. Brasil, p. A2.