Valor econômico, v. 17, n. 4239, 20/04/2017. Política, p. A10

Acordo judicial pode ter abastecido caixa 2 tucano

 
Estevão Taiar
Luciano Máximo
André Guilherme Vieira
 

A estatal paulista Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) pagou R$ 191,6 milhões a uma controlada da Odebrecht entre 2009 e 2011. A época da celebração do acordo, que colocou fim a uma longa disputa judicial, coincide com as menções feitas por dois delatores da empreiteira envolvendo pagamento de suposta propina de R$ 23 milhões para a liberação dos recursos. O ex-presidente da holding, Pedro Novis, e o ex-diretor superintendente Carlos Armando Paschoal afirmaram que a propina teria servido para abastecer a campanha presidencial tucana de 2010, à qual o então governador de São Paulo José Serra concorreu como cabeça de chapa.

A dívida envolvia a empresa de companhia mista do Estado e a CBPO Engenharia, construtora da Odebrecht, pelas obras das rodovias Carvalho Pinto e Dom Pedro I. Os relatos estão no inquérito 4.428 das investigações da Operação Lava-Jato. Os documentos que podem corroborar a história constam do balanço de 2008 apresentado pela Dersa e do acordo judicial entregue por Novis e Paschoal no Ministério Público Federal.

"[A capacidade de doação da empresa estava] estava diretamente ligada às obras no Estado, sobretudo à regularidade dos pagamentos, que também era um problema", diz, em delação, o ex-presidente da Odebrecht Pedro Novis, que morava perto de Serra em São Paulo e apelidou o atual senador tucano de "Vizinho" nos registros de pagamentos ilícitos da empreiteira.

O acordo que terminou a batalha judicial foi fechado sob supervisão do juiz da 33ª Vara Cível do Foro Central da capital paulista, e foi assinado por representantes das duas empresas, entre eles Benedicto Júnior, o BJ, um dos protagonistas da Odebrecht na autorização e distribuição de caixa dois e propinas à classe política.

As demonstrações contábeis da Dersa de 2008 confirmam o fim da dívida, referente a obras nas rodovias Carvalho Pinto e Dom Pedro I com atrasos de pagamento de mais de 15 anos antes. "A companhia [Dersa] pagará o valor acordado em 23 parcelas, sendo as primeiras 12 no valor de R$ 8,33 milhões. Após 12 meses, as partes computarão correção monetária calculada pelo IGP-M e juros de 0,5% ao mês calculados sobre o saldo devedor."

Novis conta que o então presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), morto em 2014, teria pedido R$ 30 milhões para a campanha de Serra, mas teriam sido liberados R$ 23 milhões. Tanto ele quanto o delator Carlos Armando Paschoal, ex-diretor da Odebrecht, deixaram claro que o pacto tinha total anuência de Serra. "Não há discussão. Se o cara disser que não é dele... Cheguei a conversar [com Serra], que me confirmou tudo", garantiu Novis.

Em troca da liberação do dinheiro, Paschoal afirma que a Odebrecht teria pago R$ 9 milhões no país e € 6 milhões em contas na Suíça aos tucanos Márcio Fortes e Ronaldo Cezar Coelho. Fortes seria o responsável por coletar o dinheiro em espécie em hotéis da zona sul de São Paulo, enquanto o ex-deputado federal pelo PSDB Cezar Coelho supostamente recebia transferências internacionais.

Além dos recibos dessas transferências, os delatores entregaram à Justiça e-mail com endereço '@drousys.com' que apresenta os dados de uma conta na Suíça referente ao "Vizinho". Drousys, por sua vez, era o nome do sistema de comunicação criptografado criado por hacker que a empreiteira usava para tratar dos pagamentos ilegais. A data do e-mail é 17 de agosto de 2009. Dados como número da conta e nome do banco são idênticos aos do e-mail.

Em nota, Serra negou o acordo. Informou que "a abertura da investigação é útil para comprovar a lisura de sua conduta". A Dersa informou que soube do caso "pela imprensa e avalia, junto aos seus advogados, os termos e as condições que o referido acordo foi celebrado, bem como medidas a serem tomadas no sentido de um ressarcimento da suposta perda". Fortes e Cezar Coelho não retornaram contato da reportagem.

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Em vídeo, procuradores dizem que proposta é vingança contra Lava-Jato

 

André Guilherme Vieira


Em um vídeo divulgado nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem de celular, três integrantes da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) afirmam que o projeto de lei do abuso de autoridade é "vingança contra a operação".

O projeto é de autoria do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). O relator da proposta, senador Roberto Requião (PMDB-PR), apresentou novo parecer sobre o tema à Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Na gravação aparecem o coordenador da Lava-Jato no MPF do Paraná, procurador da República Deltan Dallagnol, e os procuradores regionais da República Isabel Groba e Carlos Fernando dos Santos Lima. Dallagnol diz que, se o projeto for aprovado, vai "calar de vez" a força-tarefa e o juiz Sergio Moro, titular do caso na primeira instância da Justiça Federal do Paraná.

Já Isabel Groba faz menção aos protestos populares de 2013, que impediram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 37, que retirava o poder de investigação do Ministério Público. "Agora os políticos tentam calar as autoridades novamente", diz Isabel.

Carlos Lima vai mais além. "Esse projeto promove uma verdadeira vingança contra a Lava Jato. O que desejam é processar criminalmente o policial que os investiga, o procurador que os acusa e o juiz que o julga", afirma.

A força-tarefa do Ministério Público em Curitiba conta, atualmente, com 13 procuradores. Eles já ameaçaram renunciar coletivamente aos trabalhos da Lava-Jato caso o projeto de abuso de autoridade se torne lei.