Corrida contra o tempo

Manoel Ventura

26/05/2017

 

 

Crise política tumultua aprovação de medidas econômicas, e governo já prepara alternativa

A crise política provocada pela delação premiada dos executivos da JBS deixou em suspenso várias medidas provisórias (MPs) e projetos de lei voltados, principalmente, à arrecadação fiscal e à retomada do crescimento da economia. Na noite da última quarta-feira, o governo federal conseguiu aprovar, de uma só vez, seis MPs na Casa. Porém, esse rolo compressor poderá não se repetir no Senado e, se essa avaliação se confirmar, a maior parte dos textos perderá a validade no próximo dia 1º de junho.

Por medida de prevenção, o Palácio do Planalto já consultou a área jurídica, que deu aval para que, caso alguma medida caia, possa publicar uma nova MP com o mesmo efeito. A legislação em vigor veda a reedição, na mesma legislatura, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido validade. Mas todas as medidas prestes a cair foram publicadas em 2016, na legislatura anterior.

presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), leu ontem todas as medidas provisórias aprovadas pela Câmara. A articulação, agora, é para votá-las a toque de caixa até a próxima quarta-feira.

Após a oposição decidir abandonar, anteontem, o plenário da Câmara em protesto contra o decreto do governo que determinou o uso das Forças Armadas para garantir a segurança na Esplanada dos Ministérios (já revogado), os governistas conseguiram aprovar, em uma só noite, as medidas de interesse do Palácio do Planalto. Mas os oposicionistas prometem voltar à carga e obstruir qualquer votação, em protesto contra o governo.

— Conseguiram aprovar seis MPs porque nós da oposição saímos do plenário. Nós tínhamos de sair do plenário após o governo decretar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Como o governo revogou, pode se preparar. Nós vamos voltar a infernizar esse governo. Semana que vem nós voltamos — disse o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP).

Parlamentares da base aliada admitem que a ação da oposição deve atrasar a análise, mas afirmam que não impedirá as votações.

— O momento político não atrapalha. Vai haver obstrução, o que só vai atrasar a votação. O Congresso tem consciência que deve votar pelo país, que não pode sair prejudicado. E vai definir hoje a pauta da semana que vem — disse o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Além das mudanças nas leis trabalhistas e a reforma da Previdência, a Câmara e o Senado analisavam, antes de as denúncias da JBS virem à tona, uma série de medidas provisórias e projetos de lei editados pelo governo federal com objetivo de ajudar na recuperação econômica e na criação de empregos. A possibilidade de paralisação do Congresso para além das reformas preocupa economistas e o setor produtivo.

 

Na próxima quinta-feira, perdem validade algumas das medidas aprovadas na Câmara. Entre elas, está a que instituiu o direito de laje, com objetivo de facilitar a regularização fundiária urbana. A MP permite que mais de uma unidade habitacional seja construída numa mesma área. Assim, quem mora no primeiro andar terá uma matrícula e quem mora no segundo, outra.

 

PROJETO DE LEI: TRAMITAÇÃO MAIS LENTA

Outra MP nessa situação é a que criou o Programa Seguro-Emprego (antigo Programa de Proteção ao Emprego), que incentiva a redução da jornada de trabalho e dos salários de alguns setores da economia, para evitar demissões. Há ainda a medida que autoriza desconto na compra de bens e serviços com pagamento à vista. E a que aumenta as carências para concessão do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez (para ajudar no corte de gastos).

Se alguma dessas medidas sofrer alterações no Senado, o texto volta para a Câmara antes de ir à sanção presidencial. Entre os economistas, ainda há dúvidas se o governo federal terá capacidade de articular sua base para aprovar as propostas.

— Essa paralisia traz oscilações ao mercado. É uma situação dramática. O fato é o óbvio. O governo mostrou força na votação de algumas medidas, mas vamos ver se eles continuam mostrando serviço — disse o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos.

Também podem ser prejudicados o andamento da MP que criou um programa de refinanciamento para débitos não tributários e a medida que renegocia a dívida de estados e municípios com o INSS — usada pelo governo como moeda de troca por apoio à reforma da Previdência.

O que mais preocupa o setor produtivo, no entanto, são os projetos de lei, já que eles têm tramitação mais lenta e não há prazo para serem votados. Por isso, tendem a ser colocados em segundo plano em meio ao caos político.

Alguns projetos estão nessa situação e devem atrasar. É caso da lei que autoriza o uso de precatórios para ajudar a fechar as contas da União, da que permite a ampliação da participação de capital estrangeiro nas empresas aéreas, da que discute licenciamento ambiental e da que trata da regulamentação dos incentivos fiscais dos estados (com o objetivo de diminuir a chamada guerra fiscal entre as unidades da federação).

— Isso representaria um prejuízo muito forte para a economia. Existe um conjunto de temas regulatórios que precisa evoluir. Seria de fato lamentável se houvesse uma paralisação nessas medidas — afirmou o diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes.

Até mesmo projetos e medidas que sequer foram enviados devem sofrer atraso em decorrência da crise política. O governo prepara uma ampla reforma nos marcos regulatórios do setor elétrico, para atrair mais investimentos e aumentar a competitividade, com medidas como a ampliação das possibilidades do mercado livre (energia elétrica que não é negociada pelas geradoras com as distribuidoras, mas diretamente com o consumidor). Técnicos do governo já dão como certo que a MP com essas mudanças vai atrasar. Isso porque o tema é polêmico e pode ser contaminado no Congresso com as repercussões da crise política. A medida provisória e o projeto de lei elaborados pelo governo para ajudar a resolver a situação da Oi, em recuperação judicial, também levarão mais tempo para serem publicados, segundo fontes envolvidas na elaboração dos textos.

 

TEXTOS EM ANDAMENTO

MP 759. Instituiu o direito de laje. Aprovada na Câmara, precisa passar pelo Senado. Vence em 1º de junho.

MP 761. Prorroga o antigo Programa de Proteção ao Emprego, agora chamado de Programa Seguro-Emprego. Aprovada na Câmara, precisa passar pelo Senado. Vence em 1º de junho.

MP 764. Autoriza desconto na compra de bens e serviços com pagamento à vista. Aprovada na Câmara, precisa passar pelo Senado. Vence em 1º de junho.

MP 766. Cria mais um Refis. Governo deve deixar perder a validade, após medida ser deturpada no Congresso, e negociar com parlamentares um novo texto.

MP 767. Aumenta as carências para concessão do auxílio-doença, da aposentadoria por invalidez e do salário-maternidade no caso de o segurado perder essa condição junto ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e retomá-la posteriormente. Aprovada na Câmara, precisa passar pelo Senado. Vence em 1º de junho.

MP 778. Autoriza parcelamento de débitos de estados e municípios com o INSS. Precisa ser aprovado na Câmara e no Senado.

MP 779. Estabelece critérios para a repactuação do pagamento de outorgas de aeroportos cedidos. Enviada nesta semana.

MP 780. Criou um Refis de débitos não tributários junto às autarquias e fundações públicas federais. Enviada nesta semana.

PROJETO DE LEI 7.626/17. Autoriza o uso dos precatórios para ajudar a fechar as contas do governo.

PROJETO DE LEI 7.425/17. Libera a participação estrangeira em empresas aéreas.

 

O globo, n.30608 , 26/05/2017. Economia, p. 23