ENTREVISTA - Douglas Fischer

Henrique Gomes Batista

16/03/2017

 

 

‘Autoanistia é absolutamente inconstitucional’

 Em Washington para discutir parceria na Organização dos Estados Americanos, procurador e ex-coordenador da Lava-Jato condena tentativa de anistia ao caixa 2 e fala ao GLOBO sobre os principais riscos da operação

 

A Lava-Jato pode crescer muito com as delações da Odebrecht. Isso cria problemas?

Isso não é um problema, isso é uma solução. Se os fatos que necessitam ser investigados forem muito grandes, nós criaremos equipes. Assim foi feito recentemente quando houve uma separação da Lava-Jato. Uma parte saiu de Curitiba e foi para o Rio de Janeiro e São Paulo. E o Ministério Público organizado conseguiu dar uma maior efetividade, exatamente com a criação de novos grupos. Então, não estamos preocupados com a quantidade de trabalho, isso faz parte, e nós temos estrutura sim para poder apurar todos os fatos.

 

Há um movimento político para criar a anistia para o caixa 2. De alguma maneira isso pode afetar a Lava-Jato?

A investigação não será afetada, mas há duas coisas importantes: há uma tentativa no Brasil de anistia ao caixa 2, mas isso não vai afetar a apuração da corrupção e da lavagem de dinheiro. Ela continuará a ser uma investigação que buscará a comprovação da corrupção, e não do caixa 2 que é uma parte do mecanismo que se utilizou para a prática da corrupção. Em segundo lugar: eu não tenho dúvida nenhuma que este tipo de anistia ou autoanistia é absolutamente inconstitucional, a Corte Suprema brasileira, na minha concepção, terá a tranquilidade de declarar a inconstitucionalidade da medida. Temos que ficar atentos se a ideia (dos congressistas) é fazer uma anistia só com o caixa 2 ou se isso pode ir para outras coisas. Precisamos ficar muito atentos a isso, e a sociedade brasileira precisa ficar muito vigilante.

 

Qual o maior risco para a Lava-Jato hoje?

O maior risco talvez seja a sociedade não ter todas as informações do que está sendo feito. No MPF, há a garantia de que vamos trabalhar. Tudo será apurado dentro das possibilidades das técnicas que temos para investigar.

 

A operação mudou algo sob a gestão de Edson Fachin?

Nada. O trabalho é o mesmo e a apuração segue no mesmo ritmo, dentro do possível.

 

Como o senhor vê as críticas sobre o uso de delações?

Das 155 delações que fizemos, 86% foram de pessoas soltas. Do total, das 155 colaborações, apenas cinco pessoas tiveram liberdade após a colaboração e algumas outras, ao invés de ficarem presas, tiveram prisão domiciliar. Poucos entendem que ele foi para casa e teve um benefício muito grande. Se ele sair da linha, automaticamente ele volta premos so e continuam valendo as provas do acordo dele. Temos que tentar desmistificar que o Ministério Público utiliza a prisão para obter a colaboração. Isso não exite em hipótese alguma. A gente não procura ninguém para colaborar, o colaborador tem que vir até nós, nos procurar. Não existe isso de que “se você colaborar você será solto”.

 

Como será essa cooperação internacional após a delação da Odebrecht?

Temos a necessidade de compartilhar provas com outros países. Nós estamos preocupados com isso, e então o procurador-geral já disse que fará a cooperação internacional com todos os países que têm interesses. Mas nós temos algumas limitações temporais (o acordo da Odebrecht determina que os dados só podem ir ao exterior depois de seis meses da homologação pelo STF, que ocorreu em 30 de janeiro). A Suprema Corte precisa liberar os acordos mas eu creio que dentro de um prazo máximo de cinco, seis meses nós já poderemos fazer a colaboração e enviar para todos os países interessados.

 

O Brasil pode pedir informações destes países também?

Claro. A cooperação é uma via de mão dupla, tudo o que precisarmos de outros países utilizaremos e já utilizamos na Operação Lava-Jato, já realizamuitas cooperações, já fizemos 130 solicitações para 33 países e recebemos 53 pedidos de 24 nações. Queremos ampliar o máximo possível a troca de informações.

 

O juiz Sérgio Moro previu no começo do ano passado que a LavaJato se encerraria ainda em 2016 e hoje em dia não faz mais previsões. Vocês enxergam um fim para as investigações?

Nós não temos avaliação nenhuma de prazo, o nosso trabalho é: estamos investigando os fatos. Quaisquer que sejam os fatos que apareçam, eles serão investigados e se houver desdobramentos, assim será feito. Mas nós estamos tentando fazer com a máxima brevidade possível e adotando técnicas seguras de investigação para que possamos ter provas suficientes para responsabilizar aquelas pessoas que efetivamente fizeram aqueles crimes.

O globo, n.30537 , 16/03/2017. País, p. 8