HORA DE DESPERTAR E PARTICIPAR DA MUDANÇA

Cármen Lúcia

21/03/2017

 

 

Em evento do GLOBO e da CNC, Cármen Lúcia afirma que brasileiros precisam ‘assumir seu próprio destino’

A Operação Lava-Jato vai mudar o Brasil? A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, afirma que, para isso, os brasileiros precisarão “assumir sua própria história, seu próprio destino, que, muitas vezes, foi deixado a cargo dos outros”. Ao participar do quinto encontro “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO com o apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), na última sexta-feira, na Maison de France, no Rio, a ministra defendeu que este “é o momento de despertar” para a necessidade de adotar uma democracia participativa:

— Eu acredito em todas essas operações, processos. Vejo como uma sinalização do que precisamos fazer para termos o que queremos. O título do nosso encontro, “E agora, Brasil?”, é uma pergunta feita para nós todos: E agora, brasileiros? O que vocês, incluindo todos nós, vão fazer para mudar? Este é o momento de despertar, como em outras oportunidades que tivemos.

O evento — mediado pelos colunistas Míriam Leitão e Merval Pereira, com a participação de empresários e de editores do GLOBO — foi promovido no dia em que a Lava-Jato completou três anos contabilizando a prisão de dezenas de políticos e empresários, resultado até pouco tempo difícil de acreditar no país. Otimista, Cármen Lúcia parafraseou o escritor mineiro Paulo Mendes Campos para falar de sua “esperança no ser humano”, e disse que vê o país quase num momento de ruptura do modelo político-institucional vigente:

— Como eu vejo o Brasil nessa confusão? Ou a crise é uma passagem, e por isso a gente há de sair dela, ou a crise é o final de um processo evolutivo de mudança, e tem-se a ruptura para outro momento — afirmou a ministra. — Eu acho que talvez estejamos quase na ruptura de um modelo político-institucional em que passavam-se coisas que não vinham a público e, se viessem, dava-se um jeitinho. Agora, não! Agora o jeito é aplicar a lei, e será aplicada! Há juízes no Brasil para aplicar a lei, e ponto. Podem acreditar nisso!

Ao explicar a necessidade das mudanças que o país precisa, Cármen Lúcia contextualizou outros períodos pelos quais o Brasil passou, como a década de 1980. Foi no período em que houve a ruptura com a ditadura, fruto da luta da sociedade descontente com a falta de liberdade e a violação de direitos. Mas, a presidente do STF fez um alerta: não basta o brasileiro dizer apenas o que não quer; é preciso também decidir o que deseja para o país:

— A década de 80 foi rica exatamente porque tivemos de lutar e sabíamos contra quem deveríamos lutar. Na atual conjuntura, o que vejo, especialmente em manifestações nas ruas, é o que não se quer. Portanto, é preciso que haja encontros como esse, participação, que os brasileiros se unam para pensar o que querem, para a gente ter um caminho. Porque não há bons ventos para marinheiro que não sabe onde quer chegar.

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CITAÇÃO A GUIMARÃES ROSA

Para Cármen Lúcia, o sucesso da LavaJato só será alcançado se os brasileiros reavaliarem suas posições.

— O que eu me pergunto como cidadã brasileira antes de me perguntar como juíza é: que país que temos, que país que queremos ter e o que precisamos de fazer para termos o país que queremos ter? Sorte é isso, merecer porque quis. E eu acredito que, para merecer o que tem, é preciso fazer por ter o que a gente acha que merece — afirmou a ministra, citando Guimarães Rosa.

Entre os desafios para o Brasil, a presidente do Supremo incluiu a adoção da democracia participativa, prevista na Constituição. Ela diz que a falta de participação da sociedade nas decisões que definem o rumo do país ainda é uma falha que precisa ser corrigida:

— Tenho a convicção de que a luta pela democracia é permanente. Vejo que, neste momento em que se mostra tanta vilania, tanta sujeira, tanta coisa, acho que talvez a sociedade esteja despertando para o artigo 14 da Constituição, que devia ter sido aplicado muito mais e não foi. Ele dispõe expressamente que a democracia brasileira tem a parte representativa, e uma parte está diretamente nas mãos da sociedade.

Entre os bons exemplos de iniciativas populares, a ministra citou a participação na criação de leis:

— A Lei da Ficha Limpa, que fez essa brilhante mudança, é de iniciativa popular. A Lei de Eleições é de iniciativa popular. Cada vez mais, as pessoas saberão que têm que propor projetos de lei que acham necessários para seus municípios, estados ou para o país.

Ela defendeu até a realização de mais referendos no Brasil, como está previsto na Constituição de 1988. O último foi realizado em 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições no país.

— Que mudanças constitucionais, de legislação, sejam postas pelo Congresso e referendadas pelo povo — disse Cármen Lúcia. — Que decisões que transformam a nossa vida e a das futuras gerações sejam feitas a partir da aprovação ou rejeição popular. Acho que isso pode despertar para a democracia participativa, para formas de participação popular que já estão previstas desde 1988 e que não foram sido exercidas até agora. Porque a democracia representativa vinha na História do Brasil e ninguém falou muito nisso. Tem uma parte que ficou muito em descaso.

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DEFESA DA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

Para Cármen Lúcia, o brasileiro também precisa de Educação melhor para poder participar das mudanças.

— Nós precisamos de Educação. Nós precisamos saber o que fazer para termos Educação de qualidade para poder mudar — disse ela.

Em tom de otimismo e reforçando o posicionamento do Judiciário na passagem do Brasil a limpo, a presidente do STF ressaltou que o momento é de aplicar a lei e aguardar as mudanças, mesmo que ainda lentas:

— Vai mudar? Vai. Claro que não vai ser no tempo que a gente quer.

Ela admitiu que o Judiciário é moroso e enfrenta muitos problemas, mas rejeitou a tese de que, no Supremo, a conclusão dos processos contra políticos com foro privilegiado demore mais que na primeira instância, levando à prescrição dos crimes.

— Nós sabemos que ou é a ética ou é o caos. Para que possamos iniciar tudo que diz respeito a uma ruptura ética, a crimes de corrupção, a crimes contra a administração pública, estes casos precisam ter, até por sua simbologia, uma rapidez maior na tramitação. Este é o nosso desafio: fazer com que a resposta seja mais pronta no Poder Judiciário, que é moroso e que não vai solucionar isso porque não tem milagre.

Ela explicou que há mais de 80 milhões de processos em andamento e 16 mil cargos de juízes em todo o país, sendo que 23,82% deles estão vagos.

— Logo, não há milagre nisso. Qual o meu papel como presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo? Mudar este quadro para dar uma resposta mais rápida, porque a Justiça, em desacordo com quem espera, faz com que não haja confiança nas instituições e provoca um enfraquecimento da própria democracia. O meu desafio é esse. Mas, meu desafio passa por um desafio que é de toda a sociedade. Eu nem acho mais que seja tempo de reforma do Poder Judiciário, acho até que é tempo de transformação do Judiciário para chegarmos ao século 21.

No fim da sabatina de quase duas horas, Cármen Lúcia lembrou do sociólogo Betinho (“Eu tenho fome de humanidade. O Brasil tem humanidade para nós e para muitos outros Brasis que vierem depois de nós”) e mostrou otimismo com o futuro do país:

— Eu acredito no Brasil. Sei que o Brasil pode dar certo porque é um país que tem céu, chão, sol, luz, tem água...

Para terminar, parafraseou Paulo Mendes Campos:

— Se multipliquei a minha dor, também multipliquei a minha esperança. Acho que, como juíza, multiplicou muito a minha dor humana, mas multiplicou muito a minha esperança no ser humano.

O globo, n.30542 , 21/03/2017. País, p.6