Visões sobre a Lei

Leonardo Cazes e Luiz Felipe Reis 

10/03/2017

 

 

COM LIMITES PARA PROJETOS, CACHÊS E PREÇO DOS INGRESSOS, MINC VAI ALTERAR FUNCIONAMENTO DO SEU PRINCIPAL MECANISMO DE INCENTIVO

O funcionamento da Lei Rouanet vai mudar em breve. Em debate há quase 15 anos, as modificações do principal mecanismo de incentivo ao setor estão em avaliação jurídica dentro do Ministério da Cultura (MinC) e são prioridade de Roberto Freire, titular da pasta. A Instrução Normativa prevê uma série de limites: desde os cachês dos artistas até o teto de captação para cada projeto, passando pelo valor dos ingressos. Estão previstos, também, estímulos para produções realizadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Para o MinC, a concentração dos projetos no Sul e no Sudeste é hoje um dos principais problemas da Rouanet. O ministério também quer criar um portal da transparência onde será possível acompanhar em tempo real os gastos de cada projeto incentivado. Por se tratar de uma Instrução Normativa, que regulamenta uma lei já existente, o texto não precisa passar pelo Congresso Nacional. Procurado, o MinC não quis se manifestar.

Para Marco Antonio Junqueira, sócio da consultoria Sagre, especializada em leis de incentivo, a instrução consolida uma série de procedimentos já adotados pelo MinC e acrescenta novidades. Junqueira vê com bons olhos o aumento no limite de projetos ativos por proponente nas diferentes categorias. Um projeto só deixa de ser ativo após ter suas contas aprovadas. E isso pode levar muitos anos.

— Em 2016, eu recebi a aprovação de uma prestação de contas de 2009 — conta. — Agora, a obrigação de contratar auditoria vai tirar dinheiro que poderia pagar os artistas.

Presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR), Eduardo Barata destaca a utilização de um cartão para movimentação financeira do dinheiro captado.

— Haverá acompanhamento e fiscalização on-line, impossibilitando desvios e irregularidades. A prestação de contas será feita paralela e simultaneamente à execução do projeto. Quando finalizado, automaticamente a prestação de contas estará pronta — explica Barata.

Fazendo a ressalva de que não teve acesso à minuta, apenas a um artigo do ministro Freire sobre a nova Instrução Normativa, o produtor Guilherme Afif Domingos Filho vê de forma positiva as mudanças, mas pondera que, apesar de importante, a descentralização regional dos recursos deve ser pensada com cuidado.

— Talvez o mais interessante fosse a democratização de investimentos, que mais empresas pudessem investir. Hoje, as exigências da lei permitem que apenas um punhado de empresas tenham acesso aos incentivos fiscais — argumenta. — Há, por exemplo, a impossibilidade de investimento para empresas que trabalham com lucro presumido, o que exclui da cadeia todo o setor de construção civil.

José Mauro Gnaspini, à frente da Virada Cultural de São Paulo por 12 anos, acha problemática a criação de diversos tetos pela própria diversidade da área cultural, com características e necessidades distintas:

— São muitas variáveis, tem o projeto do cara que não está em um grande centro, tem projeto que é de circulação de artistas. Um projeto ambicioso em termos de escala não necessariamente está remunerando mais. Essas notas de corte, seja no cachê ou onde for, são complicadas.

A PROPOSTA

Como era e como deve ficar o funcionamento da Rouanet, com as mudanças da Instrução Normativa em avaliação no Ministério da Cultura

1. CRITÉRIOS DE INSCRIÇÃO

- Para inscrever um projeto o proponente deve comprovar sua atuação na área cultural nos dois anos anteriores.

- O proponente deve comprovar ter realizado, nos dois anos anteriores, projeto em área cultural conexa à proposta apresentada. Só serão liberados dessa exigência produtores que estejam se inscrevendo pela primeira vez; nesse caso, o teto para seus projetos será de R$ 200 mil.

2. ETAPAS DE AVALIAÇÃO E APROVAÇÃO

- O processo de aprovação de um projeto é dividido em três etapas: inscrição, análise e sugestões da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), e aprovação do MinC (publicação e autorização para captação). A captação só se inicia na fase final.

- A nova proposta prevê que, após a admissão do projeto, o proponente receba, junto ao número de inscrição, uma autorização para captar recursos. O projeto só segue à fase de análise e sugestões quando captar 10% do total admitido.

3. MANEJO DE RECURSOS E PRESTAÇÃO

- A movimentação de recursos é feita de diferentes maneiras, como transferência bancária, com limite de saques de R$ 100 por dia. A prestação de contas é toda manual, e os documentos são enviados fisicamente para o MinC.

- Os recursos passariam a ser movimentados por cartão. O proponente teria direito a fazer saques de até R$ 1 mil por dia. A movimentação e a prestação de contas poderiam ser visualizadas on-line, em tempo real.

4. TETO PARA CACHÊS ARTÍSTICOS

- Não há limite de valor estipulado para campos artísticos específicos. Porém, o MinC utiliza dados de mercado, fornecidos pela Fundação Getulio Vargas, para validar valores ou solicitar a diminuição de cachês.

- Estipula limites para cachê: R$ 30 mil para artista ou modelo solo (em produções de moda), e R$ 60 mil para grupos artísticos ou de modelos. No caso de orquestras, R$ 1,5 mil por músico e até R$ 30 mil ao maestro. Valores maiores dependeriam de aprovação.

5. TETO PARA VALOR DE INGRESSOS

- O valor máximo para ingressos de projetos culturais incentivados é de R$ 200, equivalente a quatro vezes o vale-cultura (R$ 50). Hoje são previstos 30% de ingressos distribuídos gratuitamente pelo produtor, além de 20% das entradas com preço limitado ao valor do vale-cultura.

- A nova regra não deve alterar a cota de 30% de ingressos gratuitos e a de 20% com valor do vale-cultura. Mas prevê uma mudança no preço dos ingressos estipulados pelos produtores. Estes poderiam custar no máximo R$ 150, valor que equivale a três vezes o benefício do vale-cultura.

6. COTA DE PROJETOS ATIVOS

- Hoje, cada proponente pode gerir a seguinte quantidade de projetos ativos: dois para microempreendedor individual (MEI) e pessoa física, e cinco para demais pessoas jurídicas.

- Novos limites de projetos ativos por proponente: quatro para MEI e pessoa física; seis para empresário individual; e dez para empresa individual de responsabilidade limitada.

7. COTA DE RECURSOS

- O máximo de recursos a ser concentrado por proponente está limitado a um percentual do valor autorizado para renúncia fiscal do ano em curso: 0,05% para pessoa física, e 3% para pessoa jurídica.

- O máximo de recursos a ser concentrado pode ser limitado a: R$ 700 mil para MEI e pessoa física; R$ 5 milhões para empresário individual; R$ 40 milhões para empresa limitada.

8. TETO MÁXIMO POR PROJETO

- Não há valor máximo estipulado por projeto. Porém cada produtor pode captar no máximo R$ 40 milhões para diferentes projetos.

- Pode ser estabelecido valor máximo de R$ 10 milhões por projeto. O limite de R$ 40 milhões a projetos simultâneos seguiria.

9. DESCENTRALIZAÇÃO DE RECURSOS

- Não há instrução que determine e diferencie o valor máximo a ser manejado por um proponente de acordo com as diferentes regiões do país.

- Teto maior, de R$ 15 milhões, para propostas a serem realizadas integralmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Produtores que atingirem o limite de R$ 40 milhões poderão apresentar novos projetos de até R$ 20 milhões se eles se destinarem a estas regiões.

10. TETO PARA PROJETO AUDIOVISUAL

- Não há valores máximos de captação estipulados e diferenciados para projetos audiovisuais de diferentes formatos.

- Poderão ser fixados tetos para projetos de diferentes formatos: R$ 800 mil para médiametragem; R$ 600 mil para mostras e festivais; e R$ 50 a R$ 300 mil para sites e séries na web.

 

O globo, n. 30531, 10/03/2017. Segundo Caderno, p. 1