Consenso antes do sorteio 
Carolina Brígido e André de Souza 
02/02/2017
 
 
Fachin, que migra para a Segunda Turma, é o preferido do Ministério Público

-BRASÍLIA- O sorteio do próximo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) foi adiado para hoje. Havia expectativa de que ocorresse ontem, primeiro dia de trabalho da Corte, mas a burocracia atrasou a escolha. Somente ontem ficou acertado com todos os ministros que Edson Fachin vai mesmo migrar para a Segunda Turma, colegiado que julga as ações e inquéritos da Lava-Jato. A transferência será publicada no Diário da Justiça de hoje. Com a mudança oficializada, será realizado o sorteio entre os cinco integrantes do colegiado. Além de Fachin, podem herdar a Lava-Jato Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Entre as opções, o nome de Fachin tem a preferência de integrantes do Ministério Público.

Fachin formalizou seu desejo de integrar a Segunda Turma na terça-feira à noite. Ontem, ele telefonou para os outros ministros da Primeira Turma, a qual integra, para saber se concordariam com a mudança. Isso porque os outros quatro são mais antigos que Fachin no tribunal e teriam prioridade, se quisessem ser transferidos. Mas ninguém quis. Depois que a mudança for publicada, o sorteio poderá ser realizado.

Celso de Mello defendeu que o novo relator seja escolhido logo, por conta da quantidade de trabalho que ele terá pela frente. Atualmente, são 40 inquéritos e três ações penais da Lava-Jato abertas no STF. Os números vão aumentar depois que forem abertos novos processos, derivados da delação premiada dos 77 executivos da Odebrecht. A expectativa é que as novas investigações sejam pedidas em breve pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

— Entendo que é importante que logo se defina o nome do novo relator, qualquer que ele seja, porque se cuida de um procedimento complexo e que vai demandar muito trabalho do novo relator, que precisa tomar pé de todas as situações existentes — disse o mais antigo integrante do tribunal.

O decano da Corte destacou o caráter aleatório do sorteio, realizado por meio de um sistema informatizado:

— A questão da relatoria da Lava-Jato não é questão de opção pessoal, de escolha pessoal. Ao contrário. Há aí um princípio básico de fundamental importância que é o princípio do juiz natural. Uma das exigências é da distribuição aleatória, impessoal, de modo a que todos os juízes da turma, que têm prevenção orgânica para a matéria, possam então eventualmente ser escolhidos. Não se cuida de escolha pessoal por parte da presidência da corte, e muito menos de uma preferência pessoal daquele que possa vir a ser contemplado com a distribuição.

Ontem, o Supremo destacou três técnicos para explicar o funcionamento do sorteio. Todo processo que chega ao STF vai para a Secretaria Judiciária, onde é autuado. Em seguida, o processo é cadastrado em um sistema que sorteia o relator que vai conduzi-lo. Os processos da Lava-Jato devem ser inseridos nesse mesmo sistema para o sorteio do novo relator. O sistema é informatizado e comandado pelos servidores da Secretaria Judiciária.

No ofício que enviou à presidência do STF para formalizar seu desejo de mudar de turma, Fachin fez uma referência à transferência de Dias Toffoli da Primeira para a Segunda Turma, ocorrida em março de 2015. Isso ocorreu porque a então presidente Dilma Rousseff demorou para indicar o substituto do ex-ministro Joaquim Barbosa, aposentado em 2014. Com isso, a Segunda Turma ficou desfalcada. Fachin tomou posse como ministro no lugar de Barbosa apenas em junho de 2015, indo para a vaga deixada por Toffoli na Primeira Turma.

“Justifico que me coloco à disposição do Tribunal tanto pelo sentido de missão e dever, quanto pelo preito (homenagem) à memória e ao legado do ministro Teori Zavascki. Além disso, motivam-me o precedente e as circunstâncias respectivas verificados no curso de meu ingresso neste Tribunal, impondo-se gesto análogo. Caso a critério de Vossa Excelência e ou do colegiado não se verifiquem tais pressupostos, permanecerei com muita honra na posição em que atualmente me encontro”, escreveu Fachin.

Além da morte de Teori no último dia 19, a Lava-Jato sofreu perda importante ontem. O juiz Márcio Schiefler Pontes, braço direito de Teori na condução dos processos, vai deixar o STF. Na terça-feira, ele pediu a dispensa da função de juiz auxiliar do gabinete do ex-ministro. Embora tenha argumentado para ele permanecer na atividade, Cármen Lúcia, assinou a dispensa.

CARACTERÍSTICAS DO SORTEIO

EQUILÍBRIO: O sistema se baseia em dois princípios: aleatoriedade e equidade. Ou seja, a distribuição pode ir para qualquer ministro, mas de modo a não sobrecarregar um em detrimento de outro.

PROBABILIDADE: O percentual é de 20% para cada um dos cinco ministros. Pode variar um pouco porque o sistema leva em conta a quantidade de processos que o ministro já recebeu recentemente em outros sorteios.

PREVISIBILIDADE: A escolha do relator é feita de modo aleatório. Se um ministro fica de licença, recebe menos processos. Quando volta, é feita a compensação com mais processos, de forma paulatina.

PUBLICIDADE: O sistema informatizado de distribuição de processos é público. No entanto, quem deseja acompanhar os sorteios não costuma obter autorização para entrar na sala da Secretaria Judiciária.

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Na cadeira vazia, o símbolo do adeus da Corte suprema

 

 

Na 1ª sessão do ano, assento do ex-ministro foi coberto por capa preta, para lembrar sua ausência

A primeira sessão do ano do Supremo Tribunal Federal começou com uma homenagem ao ministro Teori Zavascki, morto na queda de um avião em Paraty (RJ), em janeiro. A cadeira onde ele se sentava foi coberta por uma capa preta, para lembrar sua ausência. Além dos atuais ministros, outros que já integraram a Corte — como Sepúlveda Pertence e Cezar Peluso — estavam presentes.

Na abertura, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, deu o tom da sessão:

— Em respeito à memória do saudoso ministro Teori Zavascki, impõe-se maior simplicidade a este evento, que assim se reveste de especial significação.

Decano da Corte, o ministro Celso de Mello disse que Teori se tornou um dos maiores juízes do país.

— Este ano judiciário de 2017 iniciase sob o signo de um evento profundamente doloroso para a magistratura nacional e, particularmente, para este Supremo Tribunal Federal e os juízes que o integram, privados que fomos da presença luminosa do eminente e saudoso ministro Teori Zavascki — afirmou Celso de Mello, destacando a atuação do ex-ministro em todos os graus de jurisdição pelos quais passou.

Ele lembrou o trabalho de Teori na Lava-Jato. Primeiro leu trecho de nota do ministro Luís Roberto Barroso por ocasião da morte, no qual disse que a condução dos processos da operação pelo colega era impecável. Depois, lembrou que o STF, inspirado em Teori, não hesitará em combater “atos intoleráveis”.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também elogiou o exministro:

— Os adjetivos que marcaram sua vida pessoal e profissional reverberam as virtudes que se almejam numa pessoa de bem: a prudência, o senso de justiça, a fortaleza, o equilíbrio, a esmerada técnica, a seriedade, a honradez, tornando-o um magistrado ímpar — disse Janot, que acrescentou: — Muitos acreditam em destino ou na máxima “já estava escrito”. Pode ser, mas se assim for, fica a indagação de qual terá sido o propósito do roteirista desse incompreensível episódio.

A sessão foi suspensa por 15 minutos após as homenagens. Na volta, os locais onde alguns ministros se sentam foram alterados. A capa preta foi retirada do assento de Teori, que passou a ser ocupado por Barroso, que chegou ao STF depois do colega morto. Edson Fachin foi para a cadeira que era de Barroso. E o assento que era de Fachin ficou vago, à espera do novo ministro, que será indicado pelo presidente Michel Temer.

Após a suspensão da sessão, Barroso deu entrevista e falou do ex-colega:

— Era um juiz que não tinha compromisso nem com a acusação nem com a defesa. Tinha compromisso com fazer o que era certo.

 

O globo, n. 30495, 02/02/2017. País, p. 3