FH: ‘O presidente não sabe de tudo que acontece’

Silvia Amorim, Tiago Dantas e Gustavo Shimitt

10/02/2017

 

 

Ex-presidente foi chamado a depor como testemunha de defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto

-SÃO PAULO- Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, de Curitiba, como testemunha na ação que investiga doações ao Instituto Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem, mais de uma vez, que o presidente da República não sabe necessariamente de tudo o que acontece em sua gestão. Por quase uma hora, ele respondeu a perguntas da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto.

FH usou o argumento quando foi questionado pelo advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, se, quando estava na Presidência, tomou conhecimento da existência de um cartel de empresas atuando na Petrobras:

— Nunca soube de nenhuma carterização na Petrobras. Pode ter havido, mas o presidente da República não sabe de tudo que acontece — afirmou o tucano.

Foi a primeira vez que FH prestou depoimento à Operação Lava-Jato. Como qualquer testemunha intimada, o ex-presidente era obrigado a depor. Num fórum em São Paulo, ele participou à distância da oitiva, comandada por Moro, de Curitiba. A ação penal investiga se a OAS usou doações de R$ 1,3 milhão ao Instituto Lula para transferir propina na Petrobras. Okamoto é acusado de lavagem de dinheiro, pelos pagamentos feitos pela OAS à Granero para armazenar itens do acervo do ex-presidente Lula. Já o petista é acusado de receber benefícios da empreiteira por meio de um tríplex no Guarujá.

FH foi intimado a pedido da defesa de Okamoto. Quando o segundo mandato de Lula estava para acabar, Okamoto procurou o tucano para saber como o Insituto FHC havia sido viabilizado. Ao longo do depoimento, o ex-presidente disse que recebe doações de empresas para manter o acervo presidencial em seu instituto. Segundo ele, a instituição recorre à Lei Rouanet, que concede benefícios fiscais a companhias que apoiam atividades culturais ou históricas.

FH negou que tenha recebido doações da OAS, mas citou contribuições de outras empreiteiras investigadas pela Lava-Jato:

— Em geral, quem contribui no começo são pessoas das suas relações mais pessoais. Quem pode ter contribuído: a Odebrecht, a Camargo (Corrêa), o Banco Itaú, o Banco Safra, o Bradesco. Está tudo registrado lá (nas contas do instituto) — afirmou FH.

Ele disse que, se o presidente é uma pessoa “correta”, sai do cargo sem nenhuma condição de manter o acervo sozinho. Por lei, tudo o que um presidente recebe durante seu mandato é de sua responsabilidade e, ao mesmo tempo, de interesse público.

— Não é um tesouro propriamente dito. A característica central desse acervo é que foi dado por alguém razoavelmente importante.

A defesa de Lula aproveitou o testemunho do tucano para questioná-lo sobre assuntos que extrapolaram a ação penal, como a relação de FH com o Congresso.

Moro foi cerimonioso no tratamento a FH e chegou a pedir desculpas ao tucano ao elaborar uma das questões que fez:

— Peço até escusas por te perguntar isso, mas pode ter alguma relevância. Foram recebidas em alguma oportunidade doações não registradas, por fora ou às escondidas para a manutenção do seu instituto? FH respondeu que não. Testemunha na mesma ação, o executivo da transportadora Granero, Emerson Granero, também foi ouvido por videoconferência em São Paulo ontem. Ele chamou de “desatenção” a omissão do nome de Lula no contrato celebrado para a armazenagem do acervo presidencial. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), nos documentos que se referiam à prestação do serviço, a transportadora descreveu os objetos como “material de escritório da construtora OAS”.

Segundo o executivo, a transportadora sabia que o objetivo do serviço era guardar bens pessoais e documentos de Lula. Contudo, como a OAS pagou pelo trabalho, houve, nas palavras de Granero, uma “falta de cuidado” da empresa ao escrever no contrato que os bens pertenciam à construtora.

O globo, n. 30503, 10/02/2017. País, p. 7