Não desprezem o ramo de oliveira de Lula

Ricardo Rangel 

09/02/2017

 

 

O gesto de boa vontade de Lula a Fernando Henrique e a Temer, dizendo-se aberto ao diálogo, é inesperado e um tanto curioso. Sendo Lula um animal 100% político, é claro que está vislumbrando alguma vantagem além da satisfação altruísta de ajudar o governo — até porque sua capacidade efetiva de fazê-lo é nula. Com o cerco da Lava-Jato apertando, Lula deve imaginar que um bom relacionamento com seus adversários lhe possa ser benéfico. O curso da Lava-Jato não pode mais ser alterado, mas é provável que a complacência de Temer e FH possa mesmo lhe trazer algum benefício acessório.

Mas pode haver outros motivos. Lula está em virtual guerra com seus adversários há cerca de dois anos. É réu em cinco processos diferentes, está sob intensa pressão, tem 71 anos e acaba de perder a companheira de mais de 40 anos. Deve estar cansado, e pode ter entendido que esse estado de guerra permanente não lhe adianta a vida em nada. Pode estar em busca de uma saída honrosa para parar de brigar. Quem sabe até salvar um pouco da biografia.

O discurso raivoso e vingativo que Lula fez no velório de Marisa Letícia pareceu chocar-se frontalmente com a bandeira branca que ergueu apenas dois dias antes. Pessoas normais que querem fazer as pazes não se esforçam para brigar ainda mais. Para que sacudir as almas num momento de dor e consternação como aquele, ainda mais podendo ser acusado, como foi, de faturar politicamente com a morte da mulher?

Animais 100% políticos estão longe de ser pessoas normais. Lula pode estar simplesmente mostrando suas cartas e mandando um recado: “Vocês podem escolher entre o Lulinha paz e amor que eu ofereci na quinta-feira e o Lula faca-no-dente que eu mostrei no sábado. O que vai ser?”

O Brasil é hoje um país cindido em dois grupos de cidadãos: uma maioria ressentida, que se sente enganada e espoliada por Lula, Dilma e o PT, a quem atribui, com razão, a culpa pela maior crise que o país já atravessou; e uma minoria muito mais ruidosa, ressentida, que se sente ultrajada e injustiçada pela maioria, que apeou (ilegalmente, em sua opinião) seu partido do poder.

O maior responsável por essa cisão é o próprio Lula, que alimentou a atitude do “nós, os virtuosos” contra “eles, os canalhas” desde a derrota para Collor até os dias de hoje, com particular violência nos últimos dois anos. A fascinação dos militantes petistas por Lula é irracional e incompreensível, mas nem por isso menos concreta. Se só ele é capaz de armar seus espíritos, só ele será capaz de desarmá-los.

Para retomar o caminho da prosperidade, precisamos voltar a ser um país só. Temer sabe disso, já declarou mais de uma vez que seu critério de sucesso é a pacificação do país. Fernando Henrique também sabe. O ramo de oliveira com que Lula acenou não deve ser desprezado: se os três puderem negociar um caminho que permita levar os brasileiros, dos dois lados, a entender que é hora de deixar o passado no passado, que temos que nos reconciliar e olhar para frente, a chance não deve ser desperdiçada. 

O globo, n. 30502, 09/02/2017. País, p. 6