ENTREVISTA - Michel Temer

Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Luiz Carlos Azedo

10/03/2017

 

 

Presidente afirma que é besteira os parlamentares ficarem contra as mudanças nas regras de aposentadoria com receio de perder votos. Durante 50 minutos, ele falou sobre a Lava-Jato, os desafios da gestão, as polêmicas declarações sobre o Dia da Mulher e as eleições 2018

 

 

Às vésperas do bombardeio da Lava-Jato sobre o sistema político nacional, algo que promete tirar o sono de muitos integrantes da base de seu governo, o presidente Michel Temer demonstra otimismo sobre as realizações dos nove meses de gestão e avisa que, em relação à sua equipe, a situação está “regrada”, ou seja: denunciados estarão sujeitos ao afastamento temporário e, quem, por ventura, virar réu terá que sair definitivamente, conforme já havia estabelecido. Ele acredita que não precisará demitir ninguém, porque crê que quem estiver citado pedirá para sair. Porém, não esconde uma torcida pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha: “Ele faz muita falta ao governo, espero que volte logo”.

Enquanto a Lava-Jato e as ações no Tribunal Superior Eleitoral seguem seus cursos, o presidente traça o que chama de metas para o período de dois anos e meio e faz questão de manter um diálogo constante com parlamentares e jornalistas para explicar o que já foi feito e os projetos. “A expectativa era a de que as coisas só começassem a melhorar no segundo semestre. Mas, felizmente, já vemos bons resultados agora. Algumas áreas começam a respirar. O que significa que, ainda neste semestre, vamos começar a retomar o crescimento.”

Ontem, ele recebeu o Correio durante um almoço. Numa conversa sem gravadores nem celulares, apenas caneta e bloquinhos, como nos velhos tempos, Temer começou falando de seu discurso sobre o Dia Internacional da Mulher. Considerou o barulho nas redes sociais contra o pronunciamento de improviso como “coisa da oposição e uso de frases fora do contexto”. E, assim, Temer ontem, na conversa, resolveu reler todo o discurso, sem entender o motivo da polêmica.

Sobre o governo, procurou mostrar que seu plano de voo tem começo, meio e fim. A última etapa, pós-reformas, será o diálogo para tentar pacificar o país. “Tem que acabar com esta divisão raivosa. As coisas estão caminhando bem. E vão melhorar. Ninguém sai ganhando com nesse tipo de disputa. Precisamos pacificar o país bem antes das eleições, precisamos restabelecer o diálogo. Essa história de fulano não falar com beltrano no mundo político é falta de civilidade”, diz ele.

O próprio Temer recebeu a equipe do Correio na porta do gabinete. Ele citou o mestre indiano Sri Sri Ravi Shankar, que o visitou em dezembro, acompanhado da atriz Maria Paula. Shankar sugeriu mudanças na posição dos móveis e vaticinou que, até o final de marco, a crise vai dar um respiro. Temer ainda não mexeu no mobiliário. A cadeira presidencial é a mesma de Lula e Dilma, mas que Temer prefere manter distância. Mais próximas do presidente estão as imagem de Nossa Senhora de Fátima e de Jesus Cristo.

Ainda sobre Dilma, ele diz que não está na hora de ter uma reaproximação. A temporada é de reformas. Primeiro, a trabalhista, que começa a ser votada na Câmara na semana que vem, com o projeto de terceirização e do trabalho temporário. Depois, a Previdência. Para o segundo semestre, desembarcam no Congresso as propostas de simplificação tributária.

E, se sobrar tempo, virá a reforma política, que terá que ser de iniciativa do Parlamento. Em meio a tudo isso, ele ainda terá que pacificar o país. Não por acaso, bate um prato de feijão com arroz integral. “Não sou candidato a nada, não tenho projeto eleitoral. Quero entregar um país reformado em 2018. O Congresso é hoje senhor da reforma previdenciária, mas eu fiz a minha parte, de propor. E propus por necessidade do país. Quem ficar contra as reformas está contra o Brasil”, diz ele. A seguir, os principais trechos da conversa:

 

Futuro

Espero que reconheçam lá na frente que eu fiz o que deveria fazer. Poderia não mexer em nada, fazer só umas medidas populistas e deixar passar o tempo, mas não combina comigo. No futuro, que eu seja visto como alguém que teve coragem para fazer as reformas necessárias, recuperar a economia e colocar o país no caminho certo. Que seja visto como alguém que não teve medo de mudar, que restabeleceu as relações entre as instituições. Falava-se, por exemplo, na reforma do ensino médio. Há 20 anos falava-se nisso. Apesar de todas as críticas, nós implementamos.

 

Previdência

É bastante provável que passe. Quem dá a palavra final da reforma previdenciária é o Congresso, mas vamos examinar o que será necessário para aprovar. A gente está vendo que não terá problema, vamos conversando. Fui relator da primeira reforma da Previdência. Era líder do PMDB na Câmara, e o presidente Fernando Henrique, diante das dificuldades, pediu que eu assumisse a relatoria e articulasse a aprovação da reforma. Na época, meu irmão me falou que eu não me reelegeria por causa disso. Eu tinha sido eleito com 71 mil votos. Na eleição seguinte, fui eleito com 206 mil. Essa história de que perde eleição quem vota a favor da reforma é uma bobagem. A continuar as boas notícias na economia, vamos ter mais facilidades para aprovar a reforma da Previdência. E, aí, as coisas vão começar a melhorar.

 

Popularidade

Dizem que a minha popularidade é baixa, que não conto com apoio da imprensa. Ao menos tenho que ter boa relação com o Congresso. Não querer reformar é ir contra o país. Não querer mudar é trabalhar pelo declínio. Se eu não tivesse coragem, ou melhor, ousadia, não faria as reformas. Não teria o menor sentido ficar dois anos e meio e não fazer nada. Passar por aqui e não deixar uma marca. Farei o que devo fazer. Cumprir meu papel. Não tenho objetivo eleitoral.

 

Juros

A expectativa era de que as coisas só começassem a melhorar no segundo semestre. Mas, felizmente, já vemos bons resultados agora. Algumas áreas começam a respirar. O que significa que, ainda neste semestre, vamos começar a retomar o crescimento. A inflação reduziu, os juros estão próximos de um dígito.

 

Renan Calheiros

Conheço o Renan. (a propósito das declarações recentes sobre a reforma previdenciária, Eduardo Cunha e Eliseu Padilha) Ele fez isso a vida toda: vem de uma forma mais feroz e depois se alinha. Tem sido um bom aliado em momentos cruciais. Ele janta comigo na semana que vem. Ele sempre foi assim, um político habilidoso. (o que ele quer?) Vamos esperar passar uns dias que a gente fica sabendo.

 

Briga do PMDB

Não posso me meter nisso. Até por uma razão objetiva. Tenho uma base enorme. Não participei das eleições municipais, porque criaria problemas. Não vou entrar na briga dos partidos.

 

Radicalização

O Brasil está muito dividido. Tem que acabar com esta divisão raivosa no país. As coisas estão caminhando bem. E vão melhorar. Ninguém sai ganhando com esse tipo de disputa. Precisamos pacificar o país bem antes das eleições, restabelecer o diálogo. Essa história de fulano não falar com beltrano no mundo político é falta de civilidade.

 

Parlamentarismo

Falam em consciência parlamentarista. Se quiserem chamar meu governo de parlamentarista, não vejo problema. Temos que mudar essa imagem de que o presidente manda em tudo. Num presidencialismo democrático, tem que governar com o Congresso. Daqui a pouco, viveremos em um país efetivamente parlamentarista.

 

Guru

O indiano (Sri Sri Ravi Shankar), que esteve por aqui com a atriz Maria Paula, disse que, no fim de março, depois de muitos percalços, tudo vai passar, tudo vai melhorar. Ele sugeriu que mudasse alguns móveis aqui na sala. Tentamos mudar aquela mesa redonda, mas não deu certo. Decidi deixar do jeito que estava. Continuo trabalhando na mesa redonda.

 

 

Correio braziliense, n. 19645, 10/03/2017. Política, p. 2.