Título: Alívio em impostos está longe do ideal
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2011, Economia, p. 15

Enquanto diminui a taxação sobre carros e eletroeletrônicos, o setor público pesa a mão sobre itens essenciais ao dia a dia dos brasileiros, como alimentos e remédiosNotíciaGráfico

» Cortes de impostos têm um efeito imediato no aumento do consumo do brasileiro. Bastou o governo anunciar a desoneração dos eletrodomésticos da linha branca, medida que faz parte do pacote para minimizar os efeitos da crise global e estimular o crescimento em 2012, para os trabalhadores responderem. Já no dia seguinte, as lojas ficaram lotadas de interessados em levar para casa um fogão novo, trocar a geladeira ou comprar a primeira máquina de lavar roupa. Essas iniciativas pontuais, entretanto, são insuficientes para diminuir a alta carga tributária, equivalente a 33,56% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas geradas no país). Muitos produtos cruciais para o dia a dia das pessoas, como alimentos e remédios, são extremamente taxados, o que torna o sistema tributário nacional um dos mais injustos do mundo.

Sob o argumento de que segmentos estratégicos da indústria necessitam de estímulos, o governo dá mais ênfase a esse setor na hora de decidir os cortes de impostos. Produtos como carros e eletrônicos, consumidos principalmente pelas classes mais ricas, são menos taxados do que os medicamentos. Como têm maior poder de pressão, por empregar um contingente expressivo de operários, as montadoras são frequentemente favorecidas pela política tributária. Dois anos após reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis zero na crise de 2008 e 2009, o Ministério da Fazenda autorizou o aumento do mesmo tributo, agora para proteger os fabricantes da concorrência desleal de carros estrangeiros, importados e vendidos aqui a preços mais baixos.

Um veículo nacional popular carrega, em seu preço final, 36,82% em impostos, considerando o IPI reduzido de 5%. Esse volume representa bem mais do que o pago em taxas em um litro de água mineral (44,55%), segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Levantamento da entidade mostra outras distorções do gênero (veja quadro). A maioria absoluta dos cidadãos está submetida a uma tributação média de 48,28% na conta de luz e de 46,17% na de telefone. Portadores de necessidades especiais que precisam de muletas precisam pagar 39,59% em tributos. Também são supertaxados itens como o xampu (44,2%) e o sabão em pó (40,8%).

Absurdos Quando a comparação é com outros sistemas tributários, os absurdos se agravam. Os remédios são um caso típico de produtos que pagam muito mais imposto no Brasil que no exterior, diz o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). Enquanto a média mundial de tributação é de 6,3%, a carga brasileira é de 33,87%. "Países vizinhos, como Chile e Venezuela, têm tarifa zero. Por aqui, os medicamentos de uso humano pagam o dobro de tributos que os de uso animal", reclama o presidente do Sindusfarma, Nelson Mussolini.

Helena Beatriz Martins, 70 anos, já está cansada de pagar imposto. Apesar de ter uma aposentadoria de R$ 5 mil, ela diz que não é fácil se manter sozinha. "Além de descontarem R$ 1 mil de Imposto de Renda, gasto muito com remédios. No mínimo, R$ 400 por mês", relata. A aposentada não tinha consciência do volume de encargos cobrados sobre os medicamentos. "É uma injustiça." Especialistas afirmam que o consumidor tem a noção, mesmo imprecisa, de que paga muitos tributos e é naturalmente contrário a qualquer aumento do peso dessa conta no seu bolso.

A comerciante Elvas Pereira Silva, 40 anos, é um exemplo. Ela não sabe especificar quanto de imposto está embutido nos produtos que consome, mas tem certeza de que não é pouco. "A gente nunca sabe ao certo quanto paga, mas sempre é muito", simplifica. Crítica dos incentivos dados à indústria automotiva, a professora aposentada Maria Betania Alcantara, 57, tem a mesma percepção. "Que política é essa que reduz imposto de carros e da linha branca e não do que é realmente necessário, como saúde e educação?", questiona. "A gente não vê benefícios, só aumento de imposto. E ainda querem retomar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). É um absurdo."

O presidente da Associação Comercial de São Paulo, Rogério Amato, faz coro. "Ninguém mais tolera ouvir falar em aumento de imposto", garante. A seu ver, chegou a hora de o governo melhorar a gestão, reduzindo os gastos desnecessários e a burocracia. "Todas as empresas passaram por apertos nos últimos anos. Muita gente perdeu emprego para se adaptar a uma nova realidade de mercado, mas o governo não fez a lição de casa. Não enxugou. Ao contrário, aumentou gastos e inchou. Se estancasse a sangria de recursos públicos, não seria necessário criar novos tributos para a saúde."

Termômetro Além de figurar como o campeão mundial da carga tributária entre os países de igual nível de desenvolvimento, o Brasil impõe uma pesada burocracia a seus cidadãos. "A carga tributária no país é maior do que a que os números oficiais apontam. Na verdade, ela está em torno de 45% do PIB, uma das maiores do mundo. Se adicionarmos os custos para administrar o pagamento de todos os tributos, esse peso cresce ainda mais. Chega a 55% do PIB", estima o presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP), José Maria Chapina.

Os homens de negócio estrangeiros são um bom termômetro do que ocorre. Quando chegam ao país para investir no setor produtivo, deparam-se com uma complexidade fiscal de enlouquecer. Quem vem de fora se assusta com o emaranhado de tributos cobrados em cascata e com a dificuldade de declará-los. "Empresários brasileiros que atuam no exterior comentam a diferença de tratamento e dizem que, em outros países, precisam de um décimo do quadro funcional que empregam aqui para administrar impostos", observa Chapina. "Até 4% do custo de uma empresa é destinado à administração do manicômio tributário de fichas e guias que só representam um acréscimo ao custo Brasil", reforça Amato.

Uma das maiores distorções no difícil sistema brasileiro é a dos tributos estaduais, com destaque para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), na opinião do presidente executivo do IBPT, João Eloi Olenike. "Ele varia de 7% a 30%, dependendo do produto e do estado, e está em tudo o que o brasileiro compra. Às vezes, até mais de uma vez", afirma. Por tabela, essas distorções atingem todos os cidadãos, independentemente do seu padrão de consumo.

Recorde superado Neste ano, o governo vai superar o recorde de 2010 obtido com a receita de impostos, de R$ 1,2 trilhão, devendo chegar a R$ 1,5 trilhão até 31 de dezembro — um salto de 25%, conforme os dados do "Impostômetro", medidor de tributos criado pela Associação Comercial de São Paulo. "A arrecadação não cai nunca. Aliás, cresce de forma mais acelerada que a economia chinesa, que avança entre 8% e 10% ao ano", compara Rogério Amato, presidente da associação. A expansão brasileira não deve passar de 3%.