Cenário pessimista para o abastecimento

Flávia Maia e Walver Galvão

14/01/2017

 

 

Não há previsão de quanto tempo durarão o racionamento, em vigor a partir de segunda-feira, e as outras medidas adotadas pela Caesb para economizar água. Especialistas acreditam que é questão de tempo até o sistema do Descoberto entrar em colapso

 

O plano de racionamento, que começa na segunda-feira, e as outras medidas de contenção de consumo de água no Distrito Federal não têm data para acabar, segundo informações da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). A população continua a pagar taxa extra para gastos acima de 10 mil litros mensais e, a partir de 30 de janeiro, a redução de pressão do sistema — que deixa a água da torneira mais fraca — será estendida para cidades que, até então, não participavam. É o caso do Plano Piloto, Lagos Norte e Sul, Itapoã e Varjão.Segundo Maurício Luduvice, presidente da Caesb, as medidas são duras porque é preciso recuperar os mananciais da capital do país de forma urgente para suportar o próximo período de seca. “Não estamos penalizando a população com essas medidas, estão buscando a segurança hídrica. O DF não tem tanta oferta de água”, afirma. A preocupação de manter as reservas hídricas ocorre porque as outras grandes apostas de captação, como a do córrego Bananal, Lago Paranoá e Corumbá IV não ficarão prontas a tempo de suportar a estiagem de 2017. O presidente informou que ainda não sabe precisar quanto a tarifa de contingência arrecadou, mas afirmou que o dinheiro pode ser usado para cobrir os gastos com o racionamento.Mesmo com todas essas medidas para conter a crise hídrica, há especialistas pessimistas com a segurança hídrica do DF. Henrique Leite Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília (UnB), acredita que vai haver um colapso no sistema, uma vez que as medidas de contenção de uso do recurso demoraram para ser tomadas. “O cálculo de 10% de redução de consumo com racionamento, somado aos outros 20% das demais medidas, é insuficiente para manter os reservatórios. A economia tinha de ser de, pelo menos, 50%”, defende. Para ele, o Descoberto terá um colapso hídrico em junho deste ano e o sistema de Santa Maria, em agosto. Na tarde de ontem, o Descoberto registrou 18,69% de volume.

 

Outros especialistas são menos pessimistas em relação ao prazo que vai faltar água no DF, mas unânimes em dizer que é preciso aproveitar as chuvas para recuperar os mananciais e manter a segurança hídrica no próximo período de seca. “Agora é fácil dizer que a Caesb tinha que ter começado antes. Era preciso saber como seria a chuva. Em novembro (de 2016), por exemplo, choveu bem. Só que não se manteve. A preocupação agora é encher o Descoberto e o Santa Maria para o período que não podemos contar com a chuva”, analisa Jorge Werneck, pesquisador da Embrapa Cerrados e presidente do Comitê da Bacia do Lago Paranoá.O fato de o racionamento ter atingido apenas as 15 regiões administrativas abastecidas pela Barragem do Descoberto, o que deixa de fora regiões centrais, como o Plano Piloto, e bairros de consumo de água elevado, como os Lagos Norte e Sul, incomodou quem vai ter que se adaptar à rotina sem água. Entretanto, a Caesb reitera que a escolha foi técnica. “Se for preciso, haverá racionamento nas cidades abastecidas por Santa Maria também”, retrucou Luduvice.Na análise de Sérgio Koide, professor de engenharia civil e ambiental da UnB, ainda é cedo para racionar o sistema de Santa Maria e Torto. “Do ponto de vista técnico, ainda não é preciso a interrupção do serviço para as cidades não abastecidas pelo Descoberto. Não é simples ligar e religar um sistema. Esse racionamento só se justificaria do ponto de vista psicológico, de forma que todos participassem”, acredita. “Qual o sentido de se fazer um racionamento se tem água disponível no sistema?”, questiona. Para ele, o monitoramento deve ser constante.

 

Reação da população

O anúncio do racionamento levou moradores de cidades como Ceilândia e Recanto das Emas a se prepararem. Alguns separavam baldes e limpavam as caixas d’água, outros compravam equipamentos de armazenagem de água. Entretanto, a reportagem também flagrou cenas de desperdício de água e pessoas que nem sequer sabiam do racionamento. Uma moradora do Recanto das Emas lavava a calçada com uma mangueira. Entretanto, em alguns locais, a preocupação com a economia e o armazenamento era perceptível.Em Ceilândia Oeste, um estabelecimento de aluguel de mesas montou um esquema de captação de água da chuva no início do agravamento hídrico. A loja tem um reservatório com capacidade para mil litros. No momento da precipitação, o líquido cai da calha direto no recipiente. Lá, ele é reaproveitado para lavar mesas e cadeiras. Gabriel Sousa trabalha no local há seis meses e considera a medida eficiente. “Conseguimos dar um novo destino à água e ainda economizamos no valor da conta. Aqui, a meta é não ultrapassar os 10 mil litros.” O jovem reclama que a medida tomada pela Caesb foi tardia. “Brasília devia ter adotado outras maneiras de prevenção. Não deveríamos ter esperado chegar a um estado crítico para agir.”Na casa de Maria Madalena de Jesus, 61 anos, moram sete pessoas. “Meu genro vai comprar um tambor no fim de semana para a gente se preparar. Mas tenho receio de não ser suficiente. O medo é faltar água pra beber, porque com o resto a gente se vira”, preocupa-se.  No entanto, a mulher não perde tempo. Diversos baldes e um tambor ficam no quintal para captar a água da chuva. “Uso o que recolho para limpar o quintal e dar descarga no vaso. Até mesmo a água que sai da máquina de lavar eu aproveito”, conta. Maria também se preocupa com os casos de dengue, todo recipiente armazenado na casa é tampado.

 

Tira-dúvidas

Quem terá que racionar água?

Moradores das 15 regiões abastecidas pelo sistema Descoberto. São elas: Águas Claras, Ceilândia, Taguatinga, Vicente Pires, Arniqueiras, Riacho Fundo I e II, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Guará, Samambaia, Recanto das Emas, Park Way, Gama, Areal e Santa Maria.

 

Por que terei que racionar água?

Desde novembro, a Adasa autorizou a Caesb a fazer um plano de racionamento caso o volume dos reservatórios ficassem abaixo de 20%. Nesta semana, a Barragem do Descoberto atingiu a marca de 18,69%. Para conter o rebaixamento, a Caesb colocou o plano em ação. A ideia é economizar 10% de água com a medida.

 

Como vai funcionar o racionamento?

A Caesb montou um calendário com as datas em que cada região ficará sem água. As primeiras regiões com corte de 24 horas do serviço serão: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II — que ficarão sem água na segunda-feira.

 

Por quanto tempo ficarei sem água?

O ciclo proposto pela Caesb dura seis dias. A interrupção dura 24h — das 8h às 8h. Em seguida ao religamento, o consumidor pode ficar com o serviço instável por até 48 horas. Depois, fica com água normal por 72 horas.

 

Continuo com a pressão das torneiras reduzidas das 7h às 19h?

Sim. A redução de pressão da água pelos canos não foi interrompida por causa do racionamento.

 

Continuo pagando tarifa extra para consumo acima de 10 mil litros mensais?

Sim. Todas as medidas de contenção de consumo continuam em vigor.

 

Por que as outras regiões não ficarão sem água?

O racionamento só é válido para as regiões abastecidas pelo Rio Descoberto, que está com o nível mais crítico.

 

Quanto tempo vai durar o racionamento?

Ainda não há prazo para o fim da medida. Vai depender da recuperação do manacial do Descoberto, de modo que ele se recomponha para garantir o abastecimento no próximo período de seca.

 

Como devo me preparar para o racionamento?

A Caesb indica encher reservatórios como caixas d’água.

 

Os serviços públicos funcionarão nas regiões sem água?

Sim. Hospitais, delegacias e escolas serão abastecidos por caminhões-pipa.

 

 

Correio braziliense, n. 19591, 14/01/2017. Cidades, p. 17.