O globo, n. 30474, 12/01/2017. País, p. 3

ENTREVISTA - Alexandre de Moraes

‘A corrupção é o maior problema do sistema’
Por: RENATA MARIZ E ANDRÉ DE SOUZA

 

RENATA MARIZ E ANDRÉ DE SOUZA

O ministro da Justiça diz que todas as autoridades, incluindo promotores e juízes, devem passar por equipamentos de segurança em presídios. Para ele, a corrupção é o maior problema no sistema penitenciário. Para não abrir uma “janela de oportunidade”, ele

 

O senhor acha que os visitantes têm condição de entrar com armas e celulares ou isso se deve mais aos funcionários dos presídios?

Há uma crise crônica de mais de cem anos e uma crise aguda no sistema penitenciário que, de tempos em tempos, ocorre num estado ou outro, porque nos últimos dez anos cresceu o número de presos sem que houvesse investimento. Temos uma série de fatores que levam a isso. Mas eu não erraria em afirmar que hoje o maior problema do sistema penitenciário na questão do crime organizado é a corrupção. Então, tem que construir presídio, mas só presídio não resolve. Vamos aparelhar os presídios com “scanner”, bloqueador de celular, raio-x. Só que temos que capacitar agentes penitenciários, e isso está no plano de segurança, e fazer um combate eficaz à corrupção. O que adianta ter bloqueador de celular e “scanner” se, na hora de passar no equipamento, houver corrupção?

 

Como exigir que funcionários e demais pessoas que transitam nos presídios se submetam a equipamentos?

Há protocolos nos estados que preveem isso. Agora, você tem que ter diretor e chefes de área fiscalizando isso. Mas há problemas maiores como o de, às vezes, liberarem visitas sem fazer nenhum tipo de vistoria. Se (o funcionário) libera quatro ou cinco que entram com armas e celulares, já preparou uma rebelião. Se houver suspeita de corrupção, tem que afastar e investigar.

 

O senhor defende que todas as pessoas, incluindo advogados, juízes e promotores, passem pelos equipamentos ao entrar nos presídios?

Todas. O equipamento não é algo, principalmente o “scanner” que vamos colocar, que fira a dignidade da pessoa. O que custa passar no “scanner”? Todas essas autoridades quando viajam não têm que passar pelo raio-x do aeroporto? Quando vão para o exterior, não têm que passar naquele (equipamento) que põem a mão? Alguém se nega? Se se negar, não entra no país. Alguns diretores pedem para deixar desbloqueado o setor da administração. Fica mais caro, porque tem que fazer um desbloqueio do bloqueio. E pode vir a gerar a corrupção. Enquanto está trabalhando, ninguém tem que falar ao celular, deve falar no telefone fixo. Então o bloqueio vai ser integral.

 

O senhor conhece casos concretos em que isso tenha ocorrido?

Não queremos fulanizar. Você não pode afirmar que quem pede assim (desbloqueio na área administrativa) é corrupto. Mas gera uma possibilidade, uma janela de oportunidade.

 

A maior parte dos presídios não tem “scanner” corporal e alguns nem contam com raio-x. Autoridades devem passar pela mesma revista que qualquer outra pessoa nesses locais?

A revista pessoal à autoridade que atua lá não acho necessária. Agora, isso logo não será problema, porque vamos liberar no mínimo dois “scanners” para todas as penitenciárias. Na sequência, vamos para os centros de detenção provisórias e cadeias públicas, onde ficam os provisórios. E raio-x também.

 

O senhor, que classificou recentemente como mera bravata alguns acontecimentos atribuídos a facções, acha que elas foram subestimadas?

Não temos que subestimar nada na criminalidade, mas não podemos superestimar. Temos que tratar como elas são. Temos que ver que toda a crise crônica e aguda não é decorrente de um único fator: facções. Não é o único que levou a essas questões em Manaus e Roraima.

 

Confere a informação de que o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho atuam para se tornar um cartel internacional do tráfico?

Não comento informação de inteligência. Até porque a informação de inteligência se analisa e se atua.

 

Como o senhor avalia a prática dos estados de separar presos nas cadeias por facções?

O ideal é separar por gravidade de crime, periculosidade, idade. Os estados adotam outros critérios em virtude da superlotação. Mas o ideal às vezes é difícil. Queremos juntos, com o plano de segurança, construir a possibilidade de separar adequadamente. Nas quase 30 mil vagas que serão possíveis criar com o dinheiro repassado no fim do ano (R$ 1,2 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional), os estados terão de fazer essa separação que a Constituição determina.

 

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que preferia morrer a ir para uma prisão brasileira. Também pensa assim?

Eu prefiro não cometer nenhum crime, como fiz minha vida toda, para não ter que ir para a prisão.

 

Deputados da Frente Parlamentar da Segurança Pública pediram ao presidente Temer a criação do Ministério da Segurança Pública, que seria desmembrado do Ministério da Justiça. Qual a sua posição?

Eu estava na reunião. A questão de colocar em pauta nacional a segurança é importantíssima. Toda a motivação para a criação do ministério, que vem de anos e anos, é porque o Ministério da Justiça nunca atuou na questão da segurança, nunca se colocou para coordenar, integrar. Ficava em segundo plano, o que não existe mais. A área de segurança, que engloba toda a questão penitenciária, é a prioridade absoluta desde que assumi. Hoje, não há, a meu ver, necessidade da criação.

 

E o presidente expressou a posição dele?

O presidente colocou exatamente isso. O que por anos e anos foi um descaso do Ministério Justiça com segurança hoje vem sendo feito. O que ele acha importante é avançar mais nisso, aplicar rapidamente os recursos.