Título: Universitários admitem beber e dirigir
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 27/11/2011, Cidades, p. 30

Pesquisa revela que 36,4% dos alunos de medicina e enfermagem da UnB ignoraram a lei seca nos últimos três meses. Mais da metade deles afirma que os pais têm o mesmo comportamentoNotíciaGráfico

» Eles são a elite intelectual brasiliense. Muitos, futuros mestres e doutores. Mas nem por isso são mais conscientes no trânsito. Mais de um terço dos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) dirigiu alcoolizado ao menos uma vez nos últimos três meses. Desses, 51,9% revelam ter influência dos pais nesse comportamento. Pior, quase metade dos universitários diz que a Lei Federal 11.705/08, a lei seca, não intimida. E 70,6% não assoprariam o bafômetro após ter bebido. O péssimo hábito é revelado por uma pesquisa inédita feita com 503 estudantes das faculdades de Medicina e Enfermagem entre os meses de outubro e novembro.

Os resultados surpreenderam os autores do estudo pela quantidade de gente que desrespeita a lei seca. Do total de entrevistados, 183 dirigiram alcoolizadas nos últimos três meses, o que representa 36,4% do total. "Com esse resultado, podemos afirmar que cerca de 10 mil dos 27 mil estudantes da UnB bebem e pegam o volante em seguida. É muita gente", avalia o coordenador do estudo, David Duarte Lima, doutor em segurança no trânsito.

A preocupação de Duarte se justifica e dá uma ideia da impunidade reinante no Distrito Federal. Ao longo de todo o ano passado, as autoridades de trânsito flagraram 10.002 pessoas infringindo a lei seca. É praticamente o mesmo universo de alunos que admitiram beber e dirigir em apenas três meses. "A mistura álcool e direção é um fenômeno muito maior do que se consegue flagrar. Não tenha dúvida de que os dados obtidos no universo da faculdade podem ser estendidos para a comunidade", diz Duarte.

A pesquisa investigou ainda a influência dos pais sobre os filhos e descobriu que a maioria dos entrevistados que dirigiram alcoolizados (51,9%) revelaram que os pais têm o mesmo hábito. Os demais 48,1% responderam que os genitores não dirigem após beber. "Isso mostra que os pais não exercem tanta influência sobre os filhos, o que é bom e ruim. Mas, do ponto de vista epidemiológico, você saber que mais da metade desses pais dirigem após ingerir bebida alcoólica é grave porque eles colocam em risco a vida da família toda", avalia a estudante de medicina Bruna Hummel, 18 anos, uma das autoras do estudo. O levantamento mostra também que 75% dos universitários já voltaram para casa com um colega alcoolizado ao volante.

Descrédito Na tarde da última quinta-feira, a auxiliar administrativa Michelle Sabino, 29 anos, e o técnico em manutenção de sistemas Décio Carvalho Neto, 27, faziam um happy hour em um bar do Sudoeste. Os moradores do Guará 1 concordam com a lei seca, especialmente como um instrumento para reduzir acidentes e mortes. Ainda assim, admitem dirigir após beber. "Isso depende da consciência de cada um. Algumas pessoas bebem todas e não conseguem levantar da mesa. Outros dirigem normalmente", defende Décio. "Mas a verdade é que você assume o risco. E, se acontecer algum acidente, ainda que você não seja o culpado, perde a razão se estiver alcoolizado", diz Michelle.

O casal concorda que a lei seca não intimida mais os motoristas, assim como apontou a pesquisa da UnB. "Alguns se importam apenas por conta da multa. Eu já fui parado em blitz. O guarda olhou para mim e disse que eu tinha bebido, e eu realmente tinha. Perguntou se faria o teste do bafômetro. Eu fiz e deu negativo", relatou.

A fragilidade da lei seca chamou a atenção do estudante de medicina Artur Souza, 20 anos, integrante do grupo de pesquisa. "Se a pessoa bebe perto de casa, é como se a lei seca não existisse. Se o bar fica na 406 Sul e ela mora na 410 Sul, por exemplo, volta dirigindo sem qualquer preocupação", afirma. Para o também aluno de medicina Jean Dotto, 24, o medo da lei seca é maior entre os recém-habilitados. "Como ainda estão com a permissão para dirigir, temem perder a CNH. Mas, a partir dos 21 anos, a grande maioria não tem medo. Acha que tem maior controle sobre o carro e consegue dirigir depois de beber", completa Dotto, outro integrante do grupo de pesquisas composto ainda por Amanda Mares, Bárbara Andrade, Meyrianne Almeida e Merylene Vieira.

Recusa ao bafômetro A secretária executiva Margarete* está com o direito de dirigir suspenso por ter ignorado a proibição de dirigir alcoolizada. Ela faz parte do universo de condutores que se recusa a fazer o teste do bafômetro e, como tantos outros, nunca deixou de dirigir. "Moro em Taguatinga e trabalho no fim da Asa Norte. Demoro 1h30 para chegar de ônibus, isso quando eles não quebram no caminho. Não tenho dinheiro para pagar táxi e não tenho colegas de trabalho que morem perto de mim. Resumindo: não posso ficar sem carro", justifica.

Mesmo sabendo do risco de ter o documento cassado por dois anos, caso seja pega ao volante durante o período de suspensão, Margarete prefere arriscar. Quanto a dirigir alcoolizada, ela diz não ter mais repetido o erro. "Mas dizer que nunca mais vou beber e dirigir, isso eu não digo. Acho essa lei absurda. Tolerância zero é demais", critica.