"Fora, Renan", decide Marco Aurélio

Julia Chaib

06/12/2016

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Ministro do Supremo concede liminar a pedido da Rede e afasta o peemedebista da presidência do Senado. Substituto no cargo é o petista Jorge Viana, o que preocupa o Palácio do Planalto em votações importantes

 

Quatro dias após se tornar réu pela primeira vez, Renan Calheiros (PMDB-AL) foi afastado da presidência do Senado. A decisão tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, em caráter provisório, colocou uma nuvem de fumaça em cima de votações importantes para o governo. Quem assume no lugar de Renan é o primeiro-vice-presidente Jorge Viana (PT-AC), opositor ao governo. De um lado, líderes partidários governistas afirmam que o afastamento não vai alterar o calendário e atrapalhar, por exemplo, a votação em segundo turno da PEC dos gastos, marcada para a próxima terça-feira. De outro, a decisão serviu como munição para a oposição, que já avisou que tentará remarcar a análise final da proposta.

Para se tornar definitiva, a decisão precisa ser referendada em plenário pelos outros ministros do Supremo. Na noite de ontem, um oficial de Justiça chegou a ir à casa do senador para notificá-lo, mas o peemedebista se negou a receber devido ao horário. O parlamentar quer que a notificação seja pública e remarcou para hoje, às 11h, o recebimento. Logo após a decisão do STF, diversas autoridades passaram pela residência oficial do Senado. O senador Jorge Viana esteve duas vezes com Renan e disse que a decisão gera uma “crise institucional gravíssima”.

“Eu não posso e não devo ter ideia (sobre como será a presidência). É uma situação muito grave, é uma crise institucional gravíssima que o país está vivendo”, disse Viana, antes de se encontrar pela segunda vez na noite com Renan. Cabe à presidência do Senado marcar o calendário de votações. O petista afirmou que fará uma reunião com a Mesa Diretora. Enquanto isso, oposição e governo fazem queda de braço.

“O que eu sei é que com essa decisão o Senado Federal não tem condições de votar a PEC 55. Eu vou conversar com ele (Jorge Viana) e defender que desmarque a votação dessa PEC”, disse o líder da minoria no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ). Já o líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que há acordo de líderes para votar a matéria. “Existe um calendário acertado com o (ex-) presidente Renan, com toda a Mesa Diretora, com os líderes e com os partidos. Esse calendário será respeitado, independentemente de quem esteja presidindo a sessão”, disse Jucá, antes de se encontrar com Renan. A PEC foi aprovada em primeiro turno no último dia 29 por 61 votos a favor e 14 contrários.

Reunida de emergência na noite de ontem, a decisão da bancada do PT é “ganhar tempo”. Por isso, os senadores resolveram que nada deve ser votado enquanto a situação de Viana não for decidida pelo plenário do STF. Os petistas não querem açodamento para não parecer que “desejam sentar na cadeira de Renan antes da hora”, mas apostam em uma divisão interna no Supremo.

“A informação é de que Marco Aurélio só colocaria a liminar para o pleno se Toffoli (Dias Toffoli, ministro) liberar o pedido de vistas no processo que impede réus de ocuparem a presidência das Casas parlamentares. Se o Supremo não tem pressa, por que nós teremos?”, provocou um senador.

 

Ação penal

Marco Aurélio afastou Renan após uma ação protocolada ontem pela Rede. O pedido se baseia na ação que questiona se réus podem ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República, como é o caso de Renan, o terceiro, após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A maioria dos ministros já votou para que parlamentares que respondam a ações penais não possam ocupar os cargos, mas o julgamento foi interrompido em novembro. A ação havia sido proposta quando o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tornou-se réu e estava no comando da Câmara.

Na decisão, Marco Aurélio explica que já há maioria formada em relação à ação anterior e que, portanto, ele deveria manter o voto. “Urge providência, não para concluir o julgamento de fundo, atribuição do plenário, mas para implementar medida acauteladora, forte nas premissas do voto que prolatei, nos cinco votos no mesmo sentido, ou seja, na maioria absoluta já formada, bem como no risco de continuar na linha de substituição do Presidente da República, réu, assim qualificado por decisão do Supremo”, diz.

Na última quinta-feira, Renan tornou-se réu, por 8 votos a 3, por crime de peculato, suspeito de desvio da verba indenizatória do Senado. A denúncia, feita pela Procuradoria-Geral da República, foi parcialmente aceita pelos ministros do Supremo. As acusações por falsidade ideológica e uso de documento falso prescreveram, por causa da demora do processo em ser concluído. Além da denúncia recebida pelo STF, Renan ainda é alvo de outros 12 inquéritos na Suprema Corte e de uma ação de improbidade administrativa na primeira instância, na 14ª Vara Federal.

Em nota, Renan disse que consultará os advogados. “O senador consultará seus advogados acerca das medidas adequadas em face da decisão contra o Senado Federal. O senador Renan Calheiros lembra que o Senado nunca foi ouvido na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental e o julgamento não se concluiu”, afirma.

 

Colaborou Paulo de Tarso Lyra

 

Memória

Afastado pela segunda vez

O relacionamento amoroso de Renan Calheiros com a jornalista Mônica Veloso o levou a se afastar do Senado pela segunda vez. Em 2007, Calheiros renunciou à presidência da Casa após ser acusado de ter as despesas pessoais pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior. O dinheiro teria sido destinado a pagar pensão e aluguel de Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha.

A pensão era de R$ 16,5 mil, mas a Polícia Federal declarou que o senador não tinha recursos disponíveis para custear o pagamento. Para tentar se defender, o peemedebista apresentou notas referentes à venda de bois no Conselho de Ética do Senado para comprovar que ele mesmo fez os depósitos à amante. Segundo laudos da PF, os documentos eram falsos. Na semana passada, o STF recebeu a denúncia deste processo, por 8 votos a 3, de que, em 2013, Renan teria prestado informações falsas para tentar comprovar ter pago a pensão da filha que teve com Mônica Veloso.

 

Janot fez pedido igual

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também pediu ao Supremo, no fim da tarde de ontem, o afastamento de Renan da presidência do Senado. Para Janot, “não se pode admitir como normal” que um réu ocupe cargo na linha de sucessão da presidência da República. “Não é admissível que alguém na condição de acusado de infração penal exerça o normal funcionamento dos órgãos máximos do país e contribua para degradar a respeitabilidade das instituições da República e o princípio da moralidade”, escreveu Janot na peça de 22 páginas. No pedido de afastamento, Janot falou na necessidade de “proteger a credibilidade e a respeitabilidade das instituições”, “mormente na situação que o país atravessa, em que são frequentes as demonstrações de descrédito da população, atormentada por seguidos exemplos de desapreço à lei e à ética por parte de certas autoridades”.

 

 

Correio braziliense, n. 19552, 06/12/2016. Política, p. 2.