Valor econômico, v. 17, n. 4144, 02/12/2016. Política, p. A9

Moro é confrontado por Gilmar e senadores


Vandson Lima
Fabio Murakawa
 
O juiz da 13ª Vara Federal Sergio Moro foi confrontado por todos os lados no debate no Senado sobre abuso de autoridade. Contrário à aprovação, neste momento, de uma nova lei sobre o tema, que em sua opinião pode passar a ideia de que o legislativo age para barrar investigações em curso, Moro viu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ironizar sua posição.

"As operações vão continuar ocorrendo. Teríamos que buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar." Da mesma forma, Gilmar contrariou Moro ao respaldar a ação dos deputados, que um dia antes alteraram diversos tópicos do pacote anticorrupção.

De senadores do PT, Moro ouviu acusações de ter tomado decisões abusivas, como na interceptação telefônica de uma conversa dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. "Vossa excelência gosta muito dos Estados Unidos. Imagine um juiz de primeira instância do Texas gravar uma conversa de Bill Clinton com Obama e divulgá-la, em horário nobre, horas depois da gravação? Foi isso o que houve naquele caso", acusou Lindbergh Farias (PT-RJ). Moro devolveu: "Fica claro aqui que se está afirmando que eu, na condução do caso, cometi abuso de autoridade e devo ser punido. A intenção é de que o projeto de Abuso de Autoridade seja utilizado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato".

Alvo de nove inquéritos no âmbito da Lava-Jato e proponente da nova lei sobre abuso, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) deu várias estocadas em Moro ao longo da audiência. Na mais direta delas, rememorou um texto escrito pelo magistrado há 12 anos, em 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, na Itália. Moro usa a operação italiana como um manual de princípios na Lava-Jato.

"No artigo, era colocado como fundamental na investigação da Itália, como aqui no Brasil, o vazamento seletivo para a imprensa amiga. E que presunção da inocência não é um valor absoluto. Seria fundamental esclarecer isso", disse Renan. A palavra, no entanto, não foi dada a Moro na sequência, mas ao relator da matéria, senador Roberto Requião (PMDB-PR).

Apesar da situação desfavorável, Moro se manteve convicto de que a proposta é inadequada diante do cenário atual. "Talvez não seja o melhor momento para uma nova lei de abuso de autoridade. Existem investigações importantes, não só da Lava-Jato [em curso]. Uma nova lei poderia ser interpretada como tendo o efeito prático de tolher investigações. O Senado pode passar mensagem uma errada à sociedade brasileira", disse.

Caso o Senado leve em frente a proposta, Moro sugeriu uma emenda para que não configure crime a divergência das autoridades na interpretação da lei penal ou avaliação de fatos e provas. "Urge a salvaguarda que limite essa possibilidade", apontou.

Moro observou que "nenhum juiz é conivente com abuso de autoridade e qualquer legislação que venha a aprimorar desvios é bem vinda". Mas, apontou, "há que se ter cuidado para que, a pretexto de coibir abuso, não venha a cercear o mero cumprimento do dever".

O juiz concluiu que a sociedade anseia pelo combate mais efetivo da corrupção. Neste sentido, bateu duro nas alterações feitas pela Câmara dos Deputados no pacote anticorrupção. "As emendas da meia-noite não permitem debate mais aprofundado. Há que se tomar todo cuidado para evitar a criminalização do exercício da jurisdição."

Parlamentares como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alvaro Dias (PV-PR) apresentaram um texto alternativo para o abuso de autoridade, agregando as sugestões de Moro.

Apesar das divergências, Renan disse que está mantida para o dia 6, terça-feira, a previsão de votação do projeto no Senado. Ao final do debate, o presidente do Senado aproveitou para deixar no ar dúvidas sobre a atuação do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator das "10 medidas contra a corrupção" na Câmara, que instantes antes havia sido elogiado por Moro.